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QUANTO VALE NOSSA MOBILIDADE ELÉTRICA?

Marcus Regis
Marcus Regis
Coordenador do Projeto PROMOB-e e da Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME) pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, que conta com coordenação do Ministério Alemão de Cooperação Econômica e para Desenvolvimento. O executivo é especialista em gestão de projetos de cooperação internacional e economia do desenvolvimento.

Vi há alguns dias um destes vídeos da internet em que uma pessoa falava contente que havia comprado seu carro elétrico. Tinha custado um dinheirão, mas era uma maravilha e, de quebra, ainda ajudava a cuidar bem do Planeta.  Bem, mentira não é, mas também não é tão simples assim

Olá, tudo bem? A esta altura, e depois de alguns papos que batemos por aqui, creio que já entendemos que a eletrificação dos transportes é parte importante de nossa resposta à crise climática. Uma resposta que é imperiosa e urgente. 

Não queria chover no molhado, mas é importante não perder de vista o que de fato importa. Mas eu queria aproveitar nosso papo hoje, isso sim, para encompridar um bocadinho mais essa conversa: queria pensar um pouco mais do elétrico da mobilidade elétrica. 



Para isso, quero começar com uma estorinha. Vi há alguns dias um destes vídeos da internet em que uma pessoa falava contente que havia comprado seu carro elétrico. Tinha custado um dinheirão, mas era uma maravilha e, de quebra, ainda ajudava a cuidar bem do Planeta. 

Bem, mentira não é, mas também não é tão simples assim. 

Acontece que lá pelas bandas onde vive esta pessoa, entre arranha-céus altíssimos que brotam da areia do deserto, mais de 99% da energia elétrica que chega às tomadas vem da queima de combustível fóssil. O novo carro elétrico de nossa personagem mostra ali, sem dúvidas, uma louvável boa intenção, mas infelizmente não passa muito disso. Pelo menos não no que diz respeito ao combate à mudança climática. 

Para passar da boa intenção para a ação com a consequência que queremos (e de que precisamos), é preciso estarmos bem atentos à nossa relação com a energia elétrica. Isso quer dizer muitas coisas, e uma delas é certamente como produzimos a eletricidade com que pretendemos eletrificar nossos transportes – seja lá naquelas lonjuras, seja aqui mesmo no Brasil. Estamos, afinal, no mesmo planeta.  

O país de onde veio o vídeo que assisti é um caso extremo, mas não isolado. Boa parte do mundo ainda gera uma parcela considerável de sua energia elétrica a partir de combustíveis fósseis. O Our World in Data traz alguns números: nos EUA, são 60%; na Austrália, 75%; no Japão, 70%. Para falar de países com contextos mais próximos ao nosso, continuamos: quase 75% na Índia e no México; 65% na Argentina; 65% na Turquia e – impossível não falar dela – 66% na China. Na África do Sul, são 88%.

Os números são de 2020. Estão aqui arredondados, mas falam por si: em um grau considerável, o veículo elétrico apenas empurra a conta do desastre climático para a frente sem uma política de geração de energia limpa.

É aqui que nós – o Brasil – temos uma enorme oportunidade de fazer a diferença. Em 2020, apenas uns 13% de nossa eletricidade veio da queima de combustíveis fósseis. Tudo bem que o mapa do Our World in Data mostra alguns países em situação bem melhor: na Noruega são apenas 0,5%. Na Namíbia; 1,5%; no Quênia, pouco mais de 10%. Entretanto, das maiores economias do mundo, são poucas com uma posição semelhante à nossa. Na prática, isso quer dizer que nosso potencial de contribuição para o combate à mudança climática pela eletrificação dos transportes é enorme; e que nossa fruta está mais à mão para ser colhida. 

Resumindo: para o clima, o mesmo ônibus elétrico em São Paulo vale mais, todo o resto constante, que em Los Angeles, Mumbai ou Istambul. 

É de envaidecer mesmo. Isso não é qualquer coisa. 

Tudo bem, não são só flores. Temos cá nossos desafios. 

A maior parte de nossa energia elétrica vem de hidrelétricas. Se, por um lado, isso ainda é melhor que queimar carvão para ligar o liquidificador, por outro, estes megaprojetos nos deixaram com uma respeitável conta ambiental e social a pagar. Mais: como um país que, ao fim e ao cabo, é movido a chuva, estamos particularmente vulneráveis à mudança climática que já se faz muito (e dolorosamente) presente. Como consequência, nos últimos anos tivemos que recorrer cada vez mais à queima de combustível fóssil para manter nossas tomadas vivas. Combine isso com uma governança e processos de tomada de decisão por vezes demasiadamente complexos e, pronto, lá se vai nossa grande contribuição para um mundo melhor. Não é?

Não, não é. Ou melhor: não precisa ser. 

Temos vários bodes na sala, é verdade, mas só estamos destinados a ser o país das grandes oportunidades perdidas se não nos mexermos. 

É que realizar todo esse nosso potencial é algo que não vem dado: precisa ser construído. E isso podemos fazer:  temos cientistas do mais alto nível; uma indústria relevante e uma sociedade civil que se mobiliza cada vez mais. Temos em nossa administração pública profissionais qualificados e engajados. Adicionando-se a estes o diálogo que possibilite uma ação coordenada podemos construir políticas públicas que abram caminhos para lidarmos com nossos bodes na sala e cumprir nossa responsabilidade para com o planeta. 

Dá trabalho, mas se pode fazer. É preciso não perder de vista o que realmente importa.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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