Replanejar a rede de transportes e promover maior qualidade aos deslocamentos pode ser possível se uma gestão unificada for adotada no âmbito dos transportes coletivos
A mobilidade urbana nas grandes metrópoles impõe grandes desafios. Todos os dias são realizadas milhares de viagens dentro da região metropolitana. Diante do cenário de pós pandemia, onde a economia está fragilizada, há pressão constante para otimizar este sistema.
Três grandes pontos importantes que precisam ser levados em consideração para os próximos anos são a redução do custo do transporte, melhoria na qualidade e também na atratividade, focando tirar cidadãos do transporte individual motorizado.
Em uma entrevista realizada pela Rádio Ônibus, Sérgio Avelleda, ex-presidente da CPTM e Metrô e com passagem pela Secretaria de Transporte e Mobilidade da cidade de São Paulo, discutiu alguns desses importantes temas.
Questões atuais
Transporte público é um direito de todo o cidadão. Em uma região metropolitana como a de São Paulo manter sistemas ferroviários e rodoviários são um grande desafio, seja pela gestão descentralizada, ou pelo impacto financeiro associado a essa grande operação.
Apesar do sistema sobre trilhos, onde temos operadoras privadas e estatais como o Metrô e a CPTM, serem gerenciados pelo governo do estado, boa parte do sistema rodoviário possui administração municipalizada.
Este fato até pode parecer comum talvez para quem viva, estude ou trabalhe na cidade de São Paulo, onde os impactos não sejam tão visíveis, uma vez que os sistemas são bem integrados na capital. Mas, para quem vive em outros municípios, há um grande dilema. Sistemas municipais de baixa eficiência e que, muitas vezes, são cobertos por linhas intermunicipais exercendo plena concorrência.
Sem falar no grande custo que é operar esse grande sistema. Linhas municipais e intermunicipais que concorrem entre si são apenas um dos problemas. Muitas vezes o passageiro é obrigado a ter dois ou até mesmo três cartões de transporte para efetuar seus deslocamentos. Além do transtorno burocrático, há maior custo ao passageiro.
Para quem tem maior fôlego e quer evitar a dor de cabeça pensa no óbvio: Investir em um carro ou uma moto pode resolver o problema. A princípio sim, mas não se engane, é esta a lógica que atualmente tem prejudicado o transporte coletivo de qualidade.
Diante de alguns destes dilemas qual a solução pode ser aplicada? Qual a maneira de tornar o transporte mais eficiente, barato e atrativo? É possível centralizar a gestão do transporte público entre várias cidades?
Autoridade Metropolitana
Tão falada por portais de mobilidade e especialistas no setor, mas sempre em segundo ou até terceiro plano por parte do poder público. A autoridade metropolitana de transporte poderia solucionar grande parte destes problemas.
O principal objetivo desta nova empresa seria o planejamento, gerenciamento e organização do transporte público em âmbito metropolitano, ou seja, englobando todas as cidades da região metropolitana.
A ideia aqui é racionalizar todo o sistema de transportes, eliminando concorrências desnecessárias e otimizando rotas, unificando o sistema de bilhetagem e trazendo maior possibilidade de integração, bem como traçar projetos em consonância com o sistema de transportes como um todo.
Um caso citado por Avelleda em sua participação no programa de rádio é o de Madri, capital da Espanha, cidade que implantou uma autoridade metropolitana nos anos 80 e viu o custo de transporte cair em até 30%.
O mais surpreendente desta redução no custo é que a autoridade metropolitana não exige investimentos vultosos para começar a atuar. Entretanto, ela tem entraves tão fortes quanto o caixa das empresas e dos municípios: o poder político e empresarial.
A criação de tal autoridade metropolitana faria com que as cidades abrissem mão de seu controle no sistema de transportes para que este gerenciamento passasse a ser mais coletivo. Isso possivelmente implicaria na maneira de como esse sistema é operado. No final é perder poder para ter maior eficiência e liberdade.
No Brasil, algumas leis já permitem a implantação de autoridades deste caráter. Existem casos bastante embrionários em cidades como Goiânia e Recife.
Claro que a implantação de tal autoridade depende muito de força política. Uma forma de incentivar tais ações é a ajuda do governo federal por meio de ações de cunho técnico e investimentos que possam subsidiar estudos neste sentido.
Rumo a Tarifa Zero
A autoridade metropolitana é apenas um dos tópicos levantados por Avelleda. Quando abordado sobre a questão da Tarifa Zero, ele ressaltou um ponto importante: há a necessidade de primeiro pensar na redução das tarifas e na obtenção de fontes para financiar o transporte.
O transporte público, assim como a saúde pública, geram benefícios para toda a sociedade. Mesmo que uma pessoa não seja usuária do sistema de transporte ela é indiretamente beneficiada por conta de que boa parte da população economicamente ativa utiliza-o para suas atividades.
Ainda neste sentido, o usuário do veículo individual possui parcela importante na qualidade do transporte público. A saturação cada vez maior de veículos nas grandes vias prejudica uma boa parte da população que utiliza ônibus, por exemplo.
Na maioria das vezes, o passageiro é quem paga a conta, seja pelo custo envolvido na operação e em todas as interferências causadas pelos congestionamentos, ou pelo tempo que é perdido no trânsito.
A interferência do carro é ainda muito forte e, mesmo com leis como o rodízio municipal, ainda é difícil limitar o uso dos veículos particulares.
Neste sentido, é necessário um trabalho em mão dupla: uma linha vai na ideia de ampliar o financiamento ao transporte público por meio de novas taxas relacionadas ao uso do automóvel em alguns pontos da cidade.
Uma segunda proposta vai de encontro com a contínua dinamização do transporte coletivo, seja ferroviário ou rodoviário, de forma que se possa atender a uma vasta região com rapidez, conforto, segurança, acessibilidade e integração.
Estes cinco pilares fazem parte da atratividade. Pescar novos passageiros de forma que estes deixem os carros nas garagens para utilizar o transporte coletivo é relativamente difícil, mas pode ser o ponto de mudança para a melhoria da mobilidade.
Ainda sobre a questão da tarifa zero: os governos precisam repensar seriamente como ampliar o financiamento para o transporte. Ideias como impostos para as empresas, em lugar do vale transporte que tem contribuído menos graças a uma crise na geração de empregos CLT, pode ser outra solução importante.
Avelleda definiu a tarifa zero como uma espécie de utopia. Não necessariamente uma impossibilidade, mas um processo de construção contínuo e que existe esforço e responsabilidade. A tarifa zero dificilmente vai sair do papel com uma simples canetada.
Nesta linha de raciocínio é ressaltado: a tarifa zero é um compromisso com a qualidade do transporte público. Se por um lado este transporte se tornará muito atrativo, por outro ele precisa atingir um novo patamar, seja pela robustez, seja pela capacidade de manutenção e operação adequadas.
No fim, se chega novamente à autoridade metropolitana. Associar a tarifa zero a esta nova forma de se gerenciar transporte tem a capacidade de transformar a maneira como nos deslocamos pelas diversas cidades, que na verdade, são um grande e único formigueiro humano.
Fonte: Metro CPTM