Os planos estão em estágios diversos em ao menos 13 Estados e no Distrito Federal
A maioria dos Estados brasileiros avalia ou já deu andamento a projetos para atrair um parceiro privado para serviços de saneamento, seja na distribuição e tratamento de água e de esgoto ou na gestão de resíduos sólidos. O interesse crescente de governadores e prefeitos ocorre no embalo do novo marco legal do setor, que estipula a universalização do saneamento até 2033. Essas iniciativas devem injetar ao menos R$ 60 bilhões no setor – cifra ainda pequena frente à necessidade de investimentos no setor no País, que beira os R$ 700 bilhões.
Os planos estão em estágios diversos em ao menos 13 Estados e no Distrito Federal. Três deles já realizaram leilões – Alagoas, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Até mesmo no Nordeste, onde se concentrou a principal resistência política à nova lei do setor, pelo menos seis dos nove Estados estudam ou já lançaram no mercado projetos de concessão ou parcerias público-privadas (PPPs). Além das iniciativas dos governos estaduais, há também mais de 20 municípios, consorciados ou não, que estão no mesmo caminho.
Feito com base em dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), de governos locais e federal e do BNDES, o levantamento escancara a necessidade de Estados e municípios buscarem recursos para o setor fora dos cofres públicos. No Brasil, uma parcela de 46% da população ainda vive sem acesso a rede de esgoto e 16% não são atendidos por rede de abastecimento de água – além da existência de mais de mil lixões País afora. No ano passado, o segmento recebeu R$ 14,4 bilhões de investimento, de acordo com a Abdib. Para chegar em 2033 com R$ 700 bilhões viabilizados, mais de R$ 50 bilhões teriam de ser alocados anualmente.
Hoje, a prestação dos serviços é dominada pelas empresas públicas estaduais. Apesar de os municípios serem os responsáveis pelo saneamento, as estatais se consolidaram impulsionadas pela possibilidade de fechar contratos sem licitação diretamente com as prefeituras. Essa modalidade, no entanto, foi proibida pelo marco legal, que obriga as gestões municipais a realizarem processos concorrenciais ao delegar os serviços. Em razão disso, e por prever normas atrativas para a iniciativa privada, a nova lei é a aposta para elevar o patamar de investimentos e mudar a realidade do saneamento brasileiro.
ÁGUA DESSALINIZADA
Para se manterem relevantes e com capacidade de investir, várias estatais estão em busca de um parceiro. Governado pelo petista Camilo Santana, o Ceará é um dos Estados com planos na área. Há um projeto de PPP que visa a produzir água dessalinizada para abastecer em torno de 12% da população de Fortaleza; outro em estudo com o BNDES quer universalizar o esgoto sanitário nas regiões metropolitanas de Fortaleza e do Cariri; e um terceiro mira a gestão de resíduos sólidos. O último é um consórcio de municípios, mas tem apoio do Estado e da Caixa para a estruturação.
Somente a PPP de esgotamento sanitário deverá atrair R$ 6 bilhões de investimento. Hoje, apenas 25,6% da população do Estado é atendida por rede coletora de esgoto. Das cidades que vão contratar por concessão uma empresa para gerir a destinação final dos resíduos, a maioria ainda usa lixões.
Tanto esse estudo como o projeto de esgotamento sanitário já são planejados desde 2018, o que ressalta o grau de complexidade para colocar essas modelagens de pé. Por outro lado, há o reconhecimento de que o novo marco legal, em vigor desde julho, é importante para dar segurança e atrair as empresas privadas quando as propostas forem ao mercado. “Ainda que não tenha efeito imediato, é uma sinalização muito positiva para o capital privado”, disse o secretário das Cidades do governo do Ceará, Paulo Henrique Lustosa.
O clima de euforia é traduzido pelo sucesso dos três leilões realizados desde a sanção da lei. Só no primeiro deles, de concessão dos serviços de água e esgoto da região metropolitana de Maceió (AL), a empresa BRK venceu a disputa ao oferecer uma outorga de R$ 2 bilhões – o valor mínimo era de R$ 15 milhões.
A Bahia, governada por Rui Costa (PT), também entrou na lista de Estados que buscam um parceiro privado na área. O Estado quer estruturar um projeto para a prestação dos serviços de água e esgoto no município de Feira de Santana e oito cidades circunvizinhas, e também vai contar com a ajuda do BNDES para a elaboração de outras propostas.
“O governo não abre mão de sua companhia. Então, a ideia é ter a agilidade (na universalização) devido à junção do privado à gestão da companhia, com mais recursos”, afirmou o presidente da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), Marcus Vinícius Neves, que também preside a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).
‘FÁBRICAS DE PROJETOS’
Apesar dos avanços, o ritmo de estruturação de propostas para atrair a iniciativa privada no saneamento ainda não é o ideal. Com o objetivo de turbinar esse cenário, o Ministério do Desenvolvimento Regional pretende reformular três fundos regionais para que eles possam entrar no ramo das “fábricas de projetos”, como já acontece com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal. A estimativa do MDR é de que cada R$ 1 bilhão alocado em estruturação de projetos tem potencial de alavancar R$ 100 bilhões em investimentos privados.
A reformulação envolveria os fundos de Desenvolvimento Regional da Amazônia, do Centro-Oeste e do Nordeste. Para 2021, a estimativa é de que esses fundos tenham no total R$ 1,45 bilhão, mas o valor final ainda não está fechado.
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, alertou que o ritmo atual das estruturações não é suficiente para a demanda de investimentos no setor de saneamento. A observação também é feita pelo presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini. A projeção da entidade é de que os novos projetos na área só devem adicionar R$ 1,3 bilhão de investimentos no setor em 2021. O número avança para R$ 5,4 bilhões em 2022, e apenas em 2024 chega com um incremento de R$ 8,5 bilhões. Além disso, Tadini pontua que as propostas levam entre um a três anos para ficarem prontos.
“Ainda nos próximos anos nós vamos estar muito aquém da necessidade. Obviamente, quando formos refazer a curva no próximo ano, vamos ter um patamar maior. Mas o que queremos dizer é que as coisas não acontecem do dia para a noite.”, disse Tadini.
MAIS PROJETOS
Atualmente, o BNDES e o Fundo de Apoio à Estruturação e ao Desenvolvimento de Projetos (FEP) da Caixa são as principais “fábricas de projetos” para a área de saneamento. Eles servem para apoiar tecnicamente Estados e municípios interessados em conceder serviços à iniciativa privada, além de financiar os custos dessas estruturações.
O FEP atualmente dá assistência na modelagem de projetos de saneamento e resíduos sólidos para 24 cidades – 7 isoladamente e outros 17 municípios repartidos em dois consórcios. A estimativa é de que esse número cresça significativamente nos próximos dois anos.
Segundo o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo, que administra o FEP, haverá uma seleção de 23 consórcios, que poderão ser apoiados para concessões de Resíduos Sólidos Urbanos no biênio 2021/2022 e que podem beneficiar cerca de 380 municípios no País e 9,8 milhões de habitantes. Além disso, há previsão de realização de uma nova seleção de propostas de água e esgoto, que pode beneficiar cerca de 80 municípios e 3 milhões de pessoas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.