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ECOLOGIA COMO GUIA PARA O DESENVOLVIMENTO URBANO

Caio Vassão
Caio Vassão
Head de inovação na Kyvo e fundador da Bootstrap. Arquiteto e urbanista, há mais de 25 anos pesquisa as complexas relações entre urbanidade, tecnologia, comunidades e inovação. Professor e pesquisador coordenador do grupo Cenários Urbanos Futuros (RITe-FAUUSP), além de consultor em projetos de inovação e transformação organizacional, com abordagem do Metadesign para processos de transformação cultural e urbana.

Precisamos reconhecer o lugar das cidades no ecossistema planetário

Recentemente, o projeto que o Sidewalk Labs (da Alphabet, a empresa “mãe” do Google) estava desenvolvendo para a cidade de Toronto foi recusado pela municipalidade. Um novo projeto foi desenvolvido por um time local de arquitetos e urbanistas, com colaboração do público.

Este é mais um exemplo de como a sociedade global gradualmente acorda para o fato de que “respostas simples” e centradas apenas na tecnologia provavelmente não vão atender às complexas demandas de um ambiente urbano em crise.



Economia, Ecologia e Ecossistemas.

Em outro artigo, mencionei a necessidade de atualizar-se a noção de “Oikos” para o mundo digital. Lembrando, o “Oikos” é a origem das palavras economia e ecologia. Em um sentido amplo quer dizer “casa”: a nossa casa de tijolos, e também a “casa urbana” em que compramos e vendemos produtos e serviços, assim como a casa planetária em que se trocamos matéria e energia, imersos na “teia da vida”. Mas, é importante notar as diferenças entre a economia e a ecologia: a primeira é a regulação dessa casa, o controle administrativo das relações de troca monetária e financeira; a segunda é o estudo das múltiplas relações de troca de energia e matéria que acontecem nessa casa, além das finanças, para compreendermos melhor nosso lugar no ecossistema.

A maior parte dos empreendedores dedica muita atenção à economia, produzindo modelos de negócio, sustentação financeira, rentabilidade e retorno ao investimento. Mas esquecem que a economia acontece “dentro” da ecologia, e que as relações ecológicas não só podem ser quantificadas, como se referem a condicionantes mais profundos dos quais não podemos escapar: esquecemos que a ecologia é o limite da economia.

É a mentalidade centrada na economia que cria os desastres ecológicos que vemos afundar o planeta em uma crise sócio-ambiental sem precedentes. Um bom exemplo foram os industriais do século XIX e XX que não sabiam, ou não queriam saber, que suas ações causariam uma crise climática que hoje ameaça nossa própria existência. Ponderamos cuidadosamente os custos financeiros de nossas ações, mas raramente ponderamos seus custos sócio-ambientais.

Vemos o surgimento de tendências que poderiam reverter esse movimento, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, assim como o princípio ASG que exige das empresas um encaminhamento competente e consequente para as questões ambientais, sociais e de governança.

No entanto, é muito difícil compreender as relações ecológicas nas quais estamos imersos. Ao fugir dessa complexidade, é comum achar-se refúgio na modelagem financeira e nas “boas práticas” administrativas. Isso não é o suficiente.

Ecologia, conhecimento, reducionismo e complexidade.

No último século, vimos a emergência de um movimento ecológico global, cuja parte mais importante foi a construção de novas abordagens e métodos para compreender a própria ecologia.

O antropólogo Gregory Bateson afirma que não só a sociedade, como também nossa mente, funciona como uma ecologia: suas partes integradas compõem um todo que é maior do que a soma das partes. O filósofo e antropólogo Bruno Latour nos diz que a ciência, os governos, as cidades, e as redes econômicas funcionam como ecologias: não é possível compreendê-las sem entender sua complexidade, a mesma que vemos na cultura. O psicólogo e filósofo Félix Guattari afirma que vivemos em uma ecologia em três níveis: as coisas e trocas materiais, a percepção e a cultura, e as práticas cotidianas e a tecnologia.

A palavra-chave para compreender a ecologia é “complexidade”: não podemos “desmontar” o mundo em pedaços sem cairmos em simplificações mentirosas e, por isso, perigosas. Criamos ciladas para nós mesmos todas as vezes que inventamos um modelo de entendimento e o usamos para fazer tudo, focados apenas em resultados que esse mesmo modelo pode medir. Não importa quão avançado é o modelo, ele tem falhas e “buracos” e criará problemas resultantes de seu uso insistente.

Metadesign e o Mapa de Ecossistema.

Precisamos aprender a criar modelos, usá-los e abandoná-los com mais velocidade e simplicidade: mudar de ponto de vista com mais facilidade.

Para isso, proponho que, além da planilha de cálculo financeiro, do cronograma e do modelo de receita, os empreendedores urbanos usem “Mapas de Ecossistema”: representações sofisticadas e complexas do ambiente em que estão suas intervenções.

Uma das ferramentas fundamentais do Metadesign, o Mapa de Ecossistema serve para visualizar as relações entre os atores sociais e seres vivos, e nosso lugar em meio a elas. Sem ele, somos reféns do pensamento único dos modelos financeiros, que respondem apenas a um pequeno conjunto de problemas, e nos induzem a repetir os mesmos erros do passado.

Desde o fim do século XIX, os ecólogos e biólogos usam Mapas de Ecossistema para compreender as complexas relações entre os seres vivos que compõem um bioma: diagramas que evidenciam os atores (seres vivos) que vivem nesse ecossistema, e o conjunto quantificado das relações de troca. Ao aplicá-lo ao ecossistema humano, podemos incluir novos elementos: as trocas financeiras, o fluxo de informação e comunicação social, dentre outros. Ao desenvolver um empreendimento urbano ou imobiliário, podemos usar o Mapa de Ecossistema para evidenciar as relações entre os atores sociais e econômicos, e suas relações com o meio ambiente não humano, demonstrando seu impacto sobre a sociedade e o planeta.

O Mapa de Ecossistema pode ser usado para o planejamento estratégico, modelando relações comerciais, financeiras e administrativas. Mas vai além, representando as relações energéticas e materiais, demonstrando as relações de abundância e escassez. Por isso, serve para modelar o impacto ecológico de um empreendimento, tanto sobre o meio ambiente, como sobre os modos de vida urbana e o bem-estar social.

Não há um método único para fazer-se um Mapa de Ecossistema, e qualquer esforço em realizá-lo, por menor que seja, já resulta no incremento da percepção do impacto ecológico de um empreendimento.

Ecossistemas e a Cultura Regenerativa

Acredito que o Mapa de Ecossistema é uma ferramenta fundamental para superarmos a crise ecológica. As cidades são as grandes máquinas que a humanidade criou, e podem ser parceiras ou inimigas da natureza. Para seguir o caminho da parceria, precisamos aprender a dialogar com a complexidade da natureza, e a planilha de cálculo financeiro não dá conta disso. Devemos fazer o cálculo financeiro servir ao bem-estar da sociedade e da natureza, e não o contrário.

Compreender nossa relação com o ecossistema é fundamental para construir cidades que sejam parceiras do meio ambiente, não apenas reduzindo seu impacto, como criando relações “regenerativas”: reverter a destruição que causamos ao meio ambiente.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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