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CRIAR OU NÃO CRIAR UMA AGÊNCIA REGULADORA MUNICIPAL, EIS A QUESTÃO

Patricia Pessoa Valente
Patricia Pessoa Valente
Doutora e mestre em Direito do Estado pela FD-USP. LLM pela LSE. Pesquisadora do Centro de Regulação e Democracia do INSPER. Sócia do Pessoa Valente Advogados Associados, escritório especializado em Direito Público e Regulação.

O município poderá escolher se fará essa regulação por meio da administração direta ou por autarquia em regime especial (natureza jurídica das agências reguladoras). Mas quais as vantagens da regulação por meio de uma agência municipal?

Não faz muito tempo, surgiram as primeiras agências reguladoras municipais. Duas das mais antigas são a Agência Municipal de Regulação de Serviços Públicos de de Teresina (Arsete) e a Agência Municipal de Serviços Públicos Delegados de Campo Grande (Agereg), ambas criadas em 2006, mas também tem a de Salvador (Arsal), criada em 2007, e a de Tubarão (AGR), de 2008, entre tantas outras nos últimos anos. As caçulas são a SP Regula, criada pelo município de São Paulo, ainda em julho de 2020, e a ARM, de Anápolis, criada em março de 2021.

A história das agências reguladoras remonta ao final dos anos 1990, em que vimos a criação das agências federais no Brasil. De lá para cá, o ambiente regulatório federal se fortaleceu com a assimilação de boas práticas regulatórias não só pelas agências, mas também pelos agentes regulados e a sociedade civil organizada, que participam de formas variadas em diversos momentos da decisão regulatória.



O principal marco dessa trajetória foi a Lei Federal nº 13.848/2019 e o Decreto Federal nº 10.411/2020, que disciplinaram a governança das agências federais e a adoção de importantes ferramentas decisórias, como análise de impacto regulatório, agenda regulatória, gestão de estoque regulatório e análise de resultado regulatório. Essas ferramentas nada mais são do que instrumentos que garantem a aplicação prática de regras que prestigiam a decisão baseada em evidências, garantem a transparência das decisões públicas e sua efetividade no tempo. Inspiradas na experiência de outros países, elas representam as boas práticas regulatórias mencionadas acima.

O curioso é que as bases da boa regulação são as diretrizes contidas em normas do direito brasileiro, aplicável  a toda  administração, de qualquer esfera da federação, inclusive os municípios. Elas estão consolidadas no Decreto-Lei nº 4.657/1942 (LINDB), alterado pela Lei Federal nº 13.655/2018, por exemplo, quando se fala em considerar consequências práticas de decisões administrativas. Isso pode ser feito por meio das ferramentas regulatórias presentes na legislação federal, bem como em processos administrativos tradicionais como os processos sancionatórios ou normativos.

Nesse momento, o(a) leitor(a) deve estar se perguntando o que as agências federais têm a ver com os municípios. A resposta é simples: a regulação não está presente apenas no âmbito federal. Ela não está sequer restrita ao campo de atuação de uma agência reguladora, podendo existir onde não tem agência reguladora legalmente constituída.

A resposta é identificar a titularidade da atividade submetida à regulação local, e são muitos os serviços e ativos públicos municipais. Vem à cabeça os exemplos dos quatro serviços compreendidos no saneamento – água, esgoto, limpeza urbana/manejo de resíduos sólidos e drenagem/manejo de águas pluviais urbanas – e dos serviços de interesse local relacionados com transporte público, mobilidade urbana, educação e saúde. Menos óbvios e que também estão sob regulação local são os centros de convenções, mercados públicos, parques, mobiliário urbano e cemitérios sob gestão municipal.

O município poderá escolher se fará essa regulação por meio da administração direta ou por autarquia em regime especial (natureza jurídica das agências reguladoras). Mas quais as vantagens da regulação por meio de uma agência municipal?

A decisão não é fácil e pode variar de município para município. Se o município está se preparando para conceder à iniciativa privada o serviço de abastecimento de água potável por longos trinta anos, não basta ter um projeto bem estruturado. É preciso também garantir que as regras contratuais (e, em alguns casos como saneamento, normas regulatórias também) serão bem aplicadas com o passar dos anos e das gestões políticas. A agência, enquanto uma entidade técnica e autônoma, pode conferir essa segurança jurídica por meio da sua capacidade institucional (dirigentes com mandatos e autonomia decisória, financeira e administrativa). E se a agência estadual estiver bem estruturada e com experiência na gestão desse tipo de contrato? Nesse caso, pode ser conveniente delegar a função de regulação para a agência estadual, retendo no município a titularidade sobre o serviço e a qualidade de poder concedente.

O município pode não desejar criar uma agência na sua própria estrutura, pois essa decisão gera custos (com criação de carreiras e quadros próprios) e também investimento em capacitação para trazer rapidez e tecnicidade àquele novo ente.

Em qualquer hipótese, a regulação está sempre presente em âmbito local e cuidados devem ser tomados para garantir estabilidade das regras do jogo e incentivo a investimento privado em infraestrutura, inclusive em infraestrutura social. Não há nada de errado em um município fazer uma PPP de escolas públicas ou uma concessão do parque da cidade sem ter sido criada uma agência reguladora municipal. Entretanto, não se pode mais admitir que a regulação, mesmo das secretarias das pastas relacionadas ao serviço ou ativo delegado, não observe as boas práticas regulatórias.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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