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COLETA SELETIVA NAS CIDADES, QUEM DEVE PAGAR A CONTA?

Luciana Lopes
Luciana Lopes
Geógrafa, Mestre em Gestão dos Resíduos Sólidos pela Universidade de São Paulo, atua há 20 anos na organização de sistemas de coleta seletiva. Autora na publicação “Do Lixo à Cidadania: guia para formação de cooperativas de catadores de materiais recicláveis”. Diretora da Visões da Terra, consultoria de projetos socioambientais que apoia na organização da gestão dos resíduos sólidos em 23 municípios no Brasil.

Com o crescimento das cidades, impulsionado pela industrialização, a infraestrutura necessária para garantir o saneamento adequado das cidades foi se tornando cada vez mais complexa.

Desde o surgimento das cidades, os serviços de limpeza dos espaços comuns foi uma tarefa do poder comunitário. Na Roma antiga, cientes do que a falta de saneamento representava a proliferação de doenças, o Império criou aquedutos para captação da água e banheiros públicos com separação do esgoto. “Sanear” é uma palavra que vem do latim e significa tornar saudável, higienizar e limpar.

Com o crescimento das cidades, impulsionado pela industrialização, a infraestrutura necessária para garantir o saneamento adequado das cidades foi se tornando cada vez mais complexa. No Brasil, por exemplo, se na primeira metade do século a população urbana nunca passou de 36% (atingido em 1950), o censo de 1970 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrava esta inversão: 56% dos brasileiros habitavam as cidades. No censo de 1980 já correspondia a 67%, em 1995 à cerca de 75% até 84,35 % no último censo de 2010. 



O avanço das técnicas de tratamento e os investimentos foram insuficientes para atender o tamanho da demanda, gerando passivos ambientais como a poluição dos rios e lixões O atraso de 20 anos para a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos também colaborou com esse passivo, visto que no auge da migração campo- cidade havia poucas regulamentações e diretrizes para o assunto.

A partir da Política Nacional de Saneamento Básico de 2007 e a de Resíduos Sólidos em 2010, foram estabelecidas metas, diretrizes e estratégias para recuperar esses passivos existentes, além de novos procedimentos para gestão. Na definição das responsabilidades, ainda coube ao poder público municipal o papel de estruturar e manter os sistemas de saneamento básico das cidades, bem como todos os custos envolvidos na recuperação dos passivos ambientais.

No caso dos serviços de água e esgoto, a regulamentação da cobrança ao munícipe pelo serviço prestado consegue aliviar os cofres públicos na gestão e manutenção dos sistemas. Já no caso dos resíduos sólidos, a conta hoje recai inteiramente para a municipalidade. Para se ter um exemplo, um município de 100 mil habitantes pode gastar mais 12 milhões de reais ao ano para gerir os resíduos urbanos em serviços como poda, capina, varrição, limpeza de praças e feiras, somado ao custo da coleta domiciliar e ao tratamento e disposição adequada de todos esses resíduos.

O marco legal do saneamento, aprovado em 2020, regulamenta que a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de limpeza pública deve também ser compartilhada com o consumidor, através da cobrança de taxas específicas pelo serviço. Na prática, os municípios ainda procuram absorver parte dessa conta dentro do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), sem assumir o custo político de criação de novas taxas.

Ao seguir esse caminho, o município retira do consumidor a responsabilidade pela redução, reuso ou reciclagem dos materiais a serem descartados, visto que o pagamento pelos serviços será o mesmo, independente de sua ação individual. Reforça-se assim a necessidade de investimentos para sensibilizar a população a fazer a sua parte e em fiscalização, caso não o faça.

Além da responsabilidade compartilhada do cidadão, a Política Nacional de Resíduos Sólidos procurou corrigir outro erro cometido durante as décadas sem regulamentação: a responsabilidade das indústrias pelas embalagens produzidas e que foram erroneamente encaminhadas para o serviço público, consideradas como lixo.

As embalagens geradas pela indústria, para que possam ser reaproveitadas, necessitam de um outro sistema de coleta, tratamento e destinação final. A maior parte dos custos desse novo sistema está na coleta seletiva que é, no mínimo, o dobro do valor da coleta tradicional. Dessa forma, se a logística reversa das embalagens começa a partir da sua retirada das mãos dos consumidores, não faz sentido a conta desse sistema seja inteiramente assumida pelo poder público, como tem ocorrido. 

O setor de embalagens, através dos seus setores representativos, assumiu acordos junto ao Governo Federal para comprovar os investimentos realizados no sistema de coleta seletiva, através da formalização de parcerias com as cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Nesses acordos, as cooperativas encaminham as notas fiscais emitidas pela venda dos materiais recicláveis em troca de investimentos na sua infraestrutura de trabalho. Porém não há uma relação direta entre o custo para operar todo o sistema de coleta seletiva e o efetivamente pago pelas empresas. Como a reciclagem gera receitas, espera-se que uma parte desses custos sejam assumidos pelas cooperativas, mas a conta ainda não fecha: as cooperativas ainda dependem do apoio do poder público para realizar esse serviço. 

Segundo a publicação Panorama dos Resíduos Sólidos/ 2020 realizada pela Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), 4070 dos 5570 municípios diagnosticados possuem alguma iniciativa de coleta seletiva, mas menos de 3% dos resíduos são efetivamente reciclados. Para reverter esse cenário se faz necessário rever os papéis, os investimentos e as tecnologias para que esses materiais possam retornar ao ciclo produtivo como matéria prima.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities 

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