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O CASO DA EDUCAÇÃO: LIÇÕES QUE ALGUMAS CIDADES PODEM ENSINAR SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS

Patricia Pessoa Valente
Patricia Pessoa Valente
Doutora e mestre em Direito do Estado pela FD-USP. LLM pela LSE. Pesquisadora do Centro de Regulação e Democracia do INSPER. Sócia do Pessoa Valente Advogados Associados, escritório especializado em Direito Público e Regulação.

No Rio de Janeiro, a aluna da capital fluminense fará operações de soma com casas decimais no mesmo ano escolar. Mas se seus pais decidirem se mudar para a cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, provavelmente passará de ano sem aprender essa operação. O que faz uma cidade no mesmo Estado se destacar na qualidade do ensino e outras não?

“No Brasil, o quanto um aluno vai aprender pode ser determinado por onde ele vive”. Essa é uma das afirmações do jornalista Daniel Barros, autor de “País Mal-educado: por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras?”(Editora Record), que nos faz refletir sobre o peso que as cidades têm na trajetória escolar das crianças e adolescentes brasileiros.

O aluno da escola pública de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, será capaz de identificar uma metáfora ao final do 5º ano do ensino fundamental. Mas, sua prima que mora em São Vicente, provavelmente não. No Rio de Janeiro, a aluna da capital fluminense fará operações de soma com casas decimais no mesmo ano escolar. Mas se seus pais decidirem se mudar para a cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, provavelmente passará de ano sem aprender essa operação. O que faz uma cidade no mesmo Estado se destacar na qualidade do ensino e outras não?



Embasado em pesquisa científica de economistas como Ricardo Paes de Barros, Daniel Barros explica como cidades com mesmo nível socioeconômico oferecem ensinos bastante diferentes. O motivo, explica, são as políticas locais voltadas à capacitação de professores e à melhoria da gestão escolar, diante da inexistência de programas nacionais.

O autor analisa também como as ilhas de excelência (sim, nós temos) poderia (ou melhor, deveria) ter seu modelo de ensino replicado em outras (ops, todas) as cidades brasileiras. O ensino emblemático é Sobral, no interior do Ceará. É um município pobre e violento, acima da média do país. Ainda assim oferece um nível de educação pública bastante alto. Estudantes de Sobral estão no mesmo patamar que a média mundial e os melhores alunos até acima: em leitura e matemática, o desempenho médio dos 10% de alunos com melhor desempenho, ficou acima da média da OCDE no Pisa 2015.

O que mais me chamou mais atenção foi o papel fundamental que o amplo levantamento de dados e o bom uso deles nas políticas de sucesso, embora algumas dessas políticas – mais do que seria razoável – tenham sido descontinuadas pelas gestões que as sucederam. Os dados são gerados como uma consequência da aplicação de avaliações e acompanhamento da frequência dos alunos, que nada mais são do que obrigações legais e constitucionais do poder público. Além de cumprir uma obrigação, os gestores têm em suas mãos as ferramentas necessárias para tornar suas políticas públicas mais eficientes.

Em Sobral, assim como no Rio de Janeiro em 2010 com Wilson Risolia como Secretário de Educação, não se espera o final do semestre para avaliar o desempenho dos alunos. As avaliações costumam ser bimestrais e seus resultados disponíveis com rapidez. O desempenho das crianças serve de subsídio para o planejamento das aulas pelos professores, que retornam aos assuntos que os estudantes tiveram mais dificuldade antes de iniciar assuntos novos. Para os gestores escolares, os resultados das avaliações servem para acompanhamento e apoio aos professores; é possível oferecer orientações práticas sobre métodos de ensino daquele conteúdo que os alunos tenham apresentado mais dificuldade. A esse respeito, o Programa de Intervenção Pedagógica de Minas Gerais entre 2006-2014, com Maria das Graças Pedrosa Bittencourt (a Fite), ensina como o apoio e as formações práticas podem fazer toda a diferença na qualidade do ensino. Ainda, em alguns casos, os resultados das avaliações chegam a definir parte da remuneração do diretor da escola; a depender do desempenho dos alunos, pode perder seu bônus.

Dados sobre frequência escolar ajudam a dar efetividade às políticas públicas que vinculam a presença em sala de aula ao recebimento de auxílio direto do governo federal. Há relato de escolas cujos diretores notificam as autoridades competentes da ausência do aluno levando à suspensão do benefício. Em razão dessa prática, elas costumam contar com maior participação não só das crianças, mas também dos seus responsáveis. Resultado, o desempenho estudantil melhora.

Embora tenha tratado essencialmente de políticas educacionais, esse texto é sobre decisões públicas. O estudo de cidades que tiveram e têm sucesso em oferecer educação pública de qualidade apresenta algo em comum: as decisões dos respectivos secretários de educação e dos gestores escolares são baseadas em dados levantados sistematicamente. Alguns críticos alegam ser até uma obsessão, o que caiu por terra após quase vinte anos de estudos de impacto ratificando a importância dessa prática. É exemplo de que decidir com base em evidências permite garantir maior efetividade às políticas públicas. No caso da educação, o gestor público que busca a informação estratégica (por exemplo, desempenho e frequência dos estudantes) oferece o serviço público de melhor qualidade. Isso não é mera coincidência, tampouco uma particularidade da educação pública. É a boa prática decisória prevista em lei (art. 20 da Lindb). Outros serviços públicos também devem aprender essa lição!

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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