O acesso às cidades inteligentes tende a ser uma experimentação focada em perfis e localidades escolhidos, resguardando como benefícios do desenvolvimento das cidades melhores geridas, em suas estruturas e temáticas coletivas de relevância social, novas produções culturais, assim como tecnologias e soluções disponibilizadas
Segundo o Mapa da Desigualdade 2020, da Rede Nossa São Paulo, 18,1% da população paulistana tem fácil acesso a redes de transporte de massa, representando a distância de até 1km de estações, sendo que 12% dos distritos mapeados têm exato 0% de acesso aos transportes de massa. O que se traduz na desigualdade de tempos de acesso nos trajetos mais populares, entre eles casa-trabalho. Sendo que as empresas tendem a se concentrar em pólos centrais cujo custo de vida, por depender de um investimento maior, abriga uma menor porcentagem da população com o perfil de maior acesso à renda.
Com a redução do trabalho formal em 12% entre 2012 e 2019, a desigualdade se amplia, sendo a diferença de renda média entre famílias de até 3,6 vezes, sendo a de Alto de Pinheiros representativa em R$ 9.591,93, enquanto a de Lajeado é de R$ 2.628,63. As desigualdades de acesso por localidade podem ser vistas de diferentes formas: pessoas que moram em distritos mais ricos vivem até 40% a mais do que as residentes de bairros em vulnerabilidade. A concentração de acesso cultural ativa áreas centrais, com 18 dos 96 distritos sem equipamentos públicos culturais e 70 distritos sem centros, casas ou espaço de cultura. E o Índice do Nível Socioeconômico das Escolas segue a mesma lógica de concentração regional.
O país das desigualdades
Mas será que isso acontece só em São Paulo? Segundo o Fundo Monetário Internacional, em sua relação anual do PIB per capita em seu comparativo regional de 21 países no exercício de 2014, o Brasil lidera a desigualdade, tanto das diferenças entre estados, quanto de distritos em um mesmo recorte de localidade. O cenário não melhorou nos últimos anos, e foi intensificado com as crises de segurança e saúde pública atuais. Nesse sentido, o International Food Policy Research Institute estima que com a redução das atividades econômicas mundiais, mais 3% da população viverá em situação de pobreza extrema.
Cidades Inteligentes e desenvolvimento
E o que esses dados têm a ver com Cidades Inteligentes? Uma das premissas da concentração ecossistêmica que permite a aceleração dos desenvolvimento inovativo é atuação conjunta e complementar de diversos players com agendas comuns, seja em critérios de localidade, seja ela temática.
Por acesso aos fluxos econômicos, a concentração do desenvolvimento e aplicação das soluções criadas que integram Cidades Inteligentes são disponibilizadas, em sua maioria, seguindo a lógica de concentração de acesso à pontos centrais. O que por sua vez segue lógicas de disponibilidade financeira e logística, e isso se reflete tanto numa perspectiva de pertencimento a tais agendas como critério identitário, quanto pela própria possibilidade de acesso descrita.
É preciso reconhecer que o acesso às cidades inteligentes tende a ser uma experimentação focada em perfis e localidades escolhidos, resguardando como benefícios do desenvolvimento das cidades melhores geridas, em suas estruturas e temáticas coletivas de relevância social, novas produções culturais, assim como tecnologias e soluções disponibilizadas. Neste fluxo, o todo sempre ganha, ou seja, o valor agregado do desenvolvimento, mesmo concentrado, é imensurável para as criações coletivas de ativação pública. Entretanto, em curto e médio prazo, os beneficiários diretos são as mesmas pessoas que, por sorte, tiveram possibilidades de acessos anteriores aos ativos coletivos.
O primeiro desafio é reconhecer os pontos de desigualdade em suas complexidades de fatores multifacetados, para então pensar em estratégias de como promover as inclusões dentro das lógicas de núcleo orgânico de concentração multiplayer complementar que envolve, entre outros, governo, universidades e centros de pesquisa, empresas tradicionais e inovadoras, a fim de transformarmos uma rede de aplicação de células unitárias em um conglomerado orgânico de funcionamento integrativo.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Doutora e mestre em Psicologia Social, com mais de 10 anos em Inovação Pública e Impacto Socioambiental. Fundadora da Ecossistema de Impacto e Cofundadora do Delibera Brasil. Atuou em organizações como PNUD, ENAP, Instituto Akatu e ADE SAMPA. Responsável pela criação e gestão de 7+ hubs de inovação, 12+ maratonas de desenvolvimento de soluções e 10+ programas de ideação, incubação e aceleração. Pesquisadora em Inovação Pública pela PUC/SP e parte da Conexão Inovação Pública, da Coalition for Digital Environmental Sustainability/ONU e da Rede de Advocacy Colaborativo. Conselheira Potências Periféricas e Instituto InovaBR. Mentora ABStartups, BrazilLab, s-lab e Sebrae.