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O QUE É UM “LUGAR”? E POR QUE TODA INSTITUIÇÃO E EMPRESA PRECISA ENTENDER ISSO?

Caio Vassão
Caio Vassão
Head de inovação na Kyvo e fundador da Bootstrap. Arquiteto e urbanista, há mais de 25 anos pesquisa as complexas relações entre urbanidade, tecnologia, comunidades e inovação. Professor e pesquisador coordenador do grupo Cenários Urbanos Futuros (RITe-FAUUSP), além de consultor em projetos de inovação e transformação organizacional, com abordagem do Metadesign para processos de transformação cultural e urbana.

As cidades são feitas de lugares. Os lugares são sustentados por infraestruturas que devem ser bem integradas para que esses lugares “funcionem bem”

Se não compreendemos bem o que é um “lugar” acabamos confundindo-o com os edifícios onde os lugares se instalam, com a infraestrutura que fornece os serviços e amenidades que os tornam possíveis, com as localizações geográficas nas quais estão posicionados.

Nada disso é o lugar. O “lugar” é onde a vida acontece: onde interagimos socialmente, criamos vínculos afetivos, pertença e comunidade, produzimos valor e construímos a riqueza da cidade.



As cidades são feitas de lugares. Os lugares são sustentados por infraestruturas (territoriais, sistema viário, edificações, paisagem, saneamento, eletricidade, telecomunicação, etc.) que devem ser bem integradas para que esses lugares “funcionem bem”.

Os diversos lugares

A rigor, o lugar está em nossa mente, na psique e na cultura. Só existem “praças” se a utilizamos como tal: esticar uma esteira, encontrar amigos, familiares e outros cidadãos, passear com o cão, brincar e desfrutar o ar livre. Caso faça-se um cercado, cheguem food trucks, toque-se música ao vivo e cobre-se entrada para escutar o show, a praça se converteu em lugar de espetáculos. Nossa casa é onde acontecem os rituais domésticos, nos sentimos confortáveis e relaxados. De vez em quando, o “lugar casa” aparece em outros “locais”, como o hotel ou a casa de amigos. Na cidade inteira é a mesma coisa: a Avenida Paulista aberta a pedestres nos domingos reconfigura a vida coletiva. Fechada torna-se via de tráfego.

Marc Augé diz que existem os “não-lugares”, aquelas localidades onde não podemos ancorar nossa pertença à vida coletiva, ou esperar que algo significativo aconteça: saguões de aeroporto, entroncamentos viários, rodovias, etc. – em geral, são os “novos lugares” necessários à vida moderna, mas que têm pouca ou nenhuma ligação com a cultura e a produção de riqueza. A tarefa dos urbanistas, hoje, é compreender como os “novos lugares” têm surgido, e como será a configuração dos lugares no futuro.

O “lugar” como conexão entre muitos “locais”

Mas, como os lugares não são localidades, uma ligação de zoom é, hoje, o “lugar” em que muitos de nós vivem a maior parte do dia. Mas onde está essa ligação de zoom? Ela conecta muitos locais diferentes, e cria um lugar que não pode ser localizado em nenhuma coordenada geográfica, mas conecta muitas delas em um mesmo lugar. Isso já acontecia na organização das corporações e instituições: a coleção de escritórios, filiais, pontos de contato com clientes e colaboradores – uma rede distribuída de situações e locais que compõem o “lugar daquela instituição”, a qual não pode ser reduzida a um “local específico”. Chamo isso de “lugares translocais”, que conectam muitos locais.

O futuro dos distritos criativos

Na sociedade pós-industrial, a produção de riqueza não acontece mais na fábrica, e sim em “distritos criativos”. A cidade futura tende a ser uma coleção de distritos criativos, produzindo riqueza para nichos e contextos culturais ainda desconhecidos. A Cidade Compacta tende a se transformar na Cidade Distribuída, na qual esses distritos não são um bairro, mas um lugar translocal que articula várias localidades mundo afora. Um dos papéis do planejamento urbano futuro será promover o surgimento desses distritos translocais.

Já estão surgindo novos equipamentos urbanos, capazes de apoiar essas comunidades globais que, paradoxalmente, desejam e desfrutam a vida hiperlocal. Por enquanto, de maneira tímida: distritos criativos ainda muito concentrados no território, exclusivos e dependentes de entidades patrocinadoras. Esses lugares não podem ser o “lugar do privilégio”: devem ser múltiplos e relacionados às mais diversas parcelas da população, e não só ligados à “inovação branca e eurocêntrica”.

Do mesmo jeito que as empresas já estão aprendendo que não adianta fazer uma “sala da inovação”, na qual pode-se “colar post-it na parede” e conversar abertamente, e sim que a inovação deve ser um princípio transversal à empresa e seus espaços, os agentes imobiliários logo perceberão que para promover inovação urbana não faz sentido construir distritos/bairros concentrados e isolados no território. É necessário promover qualidade de vida hiperlocal — a rica vida social do bairro — para que o “lugar” da criatividade global possa acontecer. Nesse sentido, é melhor requalificar e ressignificar o patrimônio edificado, muitas vezes abandonado nos centros das cidades, do que criar novos bairros “greenfield” em regiões afastadas.

A Cidade deve prover os encontros cotidianos da vida urbana, e que esses possam estar conectados a outras localidades espalhadas pelo globo, compondo o contexto, ou seja, o “lugar” em que acontece a inovação.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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