Em um Governo Digital numa cidade inteligente esta é uma reflexão que precisa ir além das discussões tecnológicas.
Creio que quem vem lendo meus artigos publicados aqui na Coluna do CSCM já percebeu o quanto gosto de iniciar os textos com indagações e isto acontece porque estes três artigos nasceram de questionamentos reais que tenho me feito e discutido com nosso time de trabalho. Pensar qual o ponto de partida para a digitalização do serviços, qual o conceito de transformação digital e se o cidadão é entendido como parte ativa desses processos me fez chegar ao artigo de hoje.
A Lei de Governo Digital traz expressamente no Art. 1º que “dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o aumento da eficiência da administração pública, especialmente por meio da desburocratização, da inovação, da transformação digital e da participação do cidadão”. Temos a premissa posta de que participação cidadã e transformação digital são instrumentos fundamentais que levam a gestão pública a uma nova qualidade na oferta de serviços. Mas quem pensa na construção de processos de implementação de serviços públicos digitais? Talvez precisemos dar um passo atrás e revisitarmos alguns conceitos, conhecermos boas práticas para que a linha argumentativa desse texto seja sustentada.
Teoria e prática
O Governo Federal elaborou o manual de instruções “10 passos para a transformação digital”, um esforço louvável de roteirizar e instrumentalizar o processo de transformação digital nos municípios. O passo 7 “Escute o usuário” se dedica a expor métodos de escuta ativa e de como incluir o usuário na construção desses serviços digitais prezando pela boa experiência. O que me causa certo incômodo é não ver o cidadão como ator na construção da política pública de transformação digital, tema do passo 2 “Institucionalize a Estratégia”. E assim o usuário/cidadão não é consultado e qualificado sobre a construção e implementação das políticas públicas de Transformação Digital, ele é introduzido no processo apenas em testes de usabilidade e validação do que está sendo proposto, por exemplo. Ao meu ver, uma contradição ao já citado art 1° da Lei de Governo Digital.
Se você, gestora pública ou gestor público, quer construir uma estratégia de transformação digital com foco no cidadão, comece abrindo espaço para o relacionamento cidadão. Tecerei em breves linhas o case da cidade de Niterói. É certo dizer que Niterói tem a gestão pública mais participativa e colaborativa do país, a cidade é a campeã no eixo Governança do Ranking Connected Smart Cities 2021. Niterói avançou bastante na consolidação da sua Carta de Serviços e, por meio do Comitê de Atendimento Cidadão e da Rede de Atendimento ao Cidadão de Niterói, lançou consulta pública para criar subsídios na regulamentação do Código de Defesa dos Usuários dos Serviços públicos (Lei Federal N°13.460/2017 complementar a lei de governo digital). Dia 13 de outubro de 2021, Enzo Tessarolo, Diretor de Governo Digital e Atendimento ao Cidadão na Prefeitura de Niterói, publicou os resultados desta consulta que, mais do que números, trazem a carga da participação do cidadão na construção colaborativa do que podemos chamar de início da estratégia de transformação digital da cidade. É o cidadão no centro da transformação, sendo parte ativa neste processo desde o início.
Tanto sobre tecnologia quanto sobre pessoas
Diante de tantos textos lidos a respeito e de tantas vivências práticas, afirmo que construí colaborativamente um conceito que adoto sobre Transformação Digital. Para mim, é como se transforma uma cultura de uso de serviços públicos e se renova toda uma lógica de trabalho, e isto diz respeito a pessoas: as que usufruem dos serviços (cidadãos) e as que praticam os serviços (servidores públicos). Por isso afirmo que essa discussão vai muito além de tecnologia, ela só acontece se for centrada de fato e de direito em pessoas. E para essa transformação ser efetiva e de qualidade, ela precisa ser vivida, desejada e almejada pelas pessoas, respeitando diferenças e com mecanismos precisos de inclusão que afastem cada vez mais da realidade brasileira o abismo crescente da segregação digital.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Head de Relações Governamentais do Colab, com ações nas áreas de cidades inteligentes e inovação na gestão pública. Atuou como secretária do Gabinete de Governança da Prefeitura Maceió e presidente do Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, além de vice-presidente de Desenvolvimento Regional do Fórum Inova Cidades (Frente Nacional dos Prefeitos) e elaboração da Carta Brasileira para Cidades Inteligentes.