Mais do que arborizar praças, é preciso planejamento urbano cuidadoso para interligar áreas verdes e mantê-las saudáveis, funcionais e perenes, escreve Adrien Pages, CEO da Morfo
O Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) apontou, em janeiro, que 2023 foi o ano mais quente da história no Brasil. Além da média anual das temperaturas ter ficado 0,69°C acima do patamar histórico, os termômetros elevados foram quase uma constante: o recorde foi quebrado em 9 dos 12 meses do ano. O fenômeno não foi um caso isolado no Brasil, claro. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a temperatura média do planeta ficou 1,45°C acima dos níveis pré-industriais – um valor bastante simbólico, já que as medidas do Acordo de Paris têm como objetivo limitar esse aumento em, no máximo, 1,5°C.
É um cenário ao qual os grandes centros urbanos devem estar atentos, uma vez que são os mais afetados pelas mudanças climáticas. Isso porque, em relação ao ambiente rural, as cidades apresentam temperaturas mais altas, formando as chamadas ilhas de calor, fruto da presença de prédios e ruas pavimentadas com materiais que não absorvem o calor e também pela escassez de cobertura vegetal. E é nesse ponto que a engenharia florestal aplicada a um bom planejamento urbano pode colaborar na qualidade de vida dos cidadãos.
Embora não esteja definido no documento da OMS, pensando em uma arborização sustentável, tão importante quanto o espalhamento das áreas verdes, são as interligações entre elas. Isso porque dentro das cidades as ruas e avenidas acabam funcionando como barreiras, levando ao efeito de borda e à perda da funcionalidade biológica da mata por falta de conectividade com outros fragmentos verdes que possam existir na proximidade.
A primeira interligação, então, seria em favor da biodiversidade da vegetação original. Caso as áreas verdes tenham predominância de espécies exóticas com comportamento invasor, elas vão competir por recursos naturais com as espécies nativas que estão tentando sobreviver por ali.
“Ao implantar uma área verde, é fundamental conhecer a diversidade presente no entorno através de um inventário florestal. Com esse levantamento é possível promover a substituição da vegetação que não faz parte do bioma original por espécies nativas que podem contribuir com sementes e garantir a continuidade da mata”
Sendo todas do mesmo bioma, as trocas saudáveis entre as áreas são estimuladas por outro tipo de interligação: a física. O planejamento deve prever ruas arborizadas entre parques e praças, de forma a construir vários caminhos de copas. Esse é o chamado corredor ecológico urbano e é por meio dele que pássaros e pequenos mamíferos passam de um local ao outro, levando sementes e garantindo a perenidade da vegetação. Foi o que aconteceu quando um tucano foi visto na orla de Copacabana no início de fevereiro; certamente foi por meio de um desses corredores que a ave, encontrada facilmente na floresta da Tijuca, chegou à praia.
A presença desses corredores também garante que a redução dos efeitos das ilhas do calor se propague pela cidade, não se restringindo ao entorno de parques e praças. Um ótimo exemplo, em prática desde 2021, é o projeto Corredores Verdes, da cidade de Medellín, na Colômbia. Árvores e arbustos foram plantados ao longo de 18 ruas e avenidas e 12 cursos de água, levando à redução da temperatura em 2°C em alguns locais. As vantagens não param aí: a presença da arborização reduz a poluição sonora, retém partículas de poeira melhorando a qualidade do ar e protege os recursos hídricos do município.
Por fim, quando ligados a florestas nativas adjacentes, como áreas de preservação ou parques ecológicos, os corredores promovem a manutenção natural da biodiversidade dentro da área urbana por meio da propagação natural. Uma das vantagens é que é mais simples e barato recuperar essas grandes áreas e promover o enriquecimento de espécies com técnicas de restauração inteligente e em larga escala.
Essa, por exemplo, é a aposta que a cidade do Rio de Janeiro fez recentemente, adotando uma metodologia que envolve diagnóstico de solo, planejamento estratégico de plantio feito com a ajuda de inteligência artificial. Diga-se: plantio em padrões complexos e específicos para cada área feitos por drones e monitoramento da evolução florestal. O método será aplicado em áreas de difícil acesso, como as encostas da Serra da Posse, na zona oeste da cidade, deslocando as equipes de meio ambiente para o trabalho em áreas mais seguras.
As mudanças climáticas exigem uma reação imediata e as cidades devem estar cada vez mais atentas às transformações estruturais que podem impactar positivamente no cotidiano da população. Além, claro, de reforçar o entendimento de que o homem faz parte da natureza e que, consequentemente, o ambiente é fundamental para a saúde.
Fonte: Exame