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CAMINHOS PARA REDUZIR DESIGUALDADES SOCIAIS EM FORTALEZA

Milhares de ruas e avenidas desenham os 121 bairros de Fortaleza. Ao longo de seus 297 anos, a vila expandiu seguindo um padrão xadrez de vias paralelas, esparramou-se. Vista de cima, o formato é de mão espalmada, como quem tece vidas. Virou morada de 2,4 milhões de pessoas, com mais de 7 mil habitantes por quilômetro quadrado. É a quarta cidade mais populosa do Brasil e a primeira do Nordeste. O desafio é proporcional, fazer com que essa densidade demográfica não seja um indutor de desigualdades sociais.

Nesse contexto, surge a necessidade de criar mecanismos para integrar uma parcela significativa da população que enfrenta dificuldades de inserção no mercado de trabalho, avalia o professor universitário e membro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra.

“É essencial desenvolver, ao longo do tempo, políticas públicas específicas que identifiquem as múltiplas características da população e suas demandas. A implementação dessas políticas requer órgãos municipais especializados, capazes de criar um planejamento de médio a longo prazo para atender às crescentes necessidades e carências decorrentes do desenvolvimento populacional”, analisa.

Por isso, investir em capacitação profissional e empreendedorismo é como costurar um novo padrão no tecido social. Em setembro deste ano, Fortaleza alcançou, pela primeira vez, o topo nacional do Ranking Connected Smart Cities, no eixo empreendedorismo. O estudo é publicado anualmente, desde 2015, quando a capital cearense não integrou a lista. Em seguida, as colocações da capital cearense foram 2016 (10ª), 2017 (9ª), 2018 (30ª), 2019 e 2020 (22ª), 2021 e 2022 (4ª).

O indicador, desenvolvido pela consultoria Urban Systems, qualifica as cidades mais inteligentes e conectadas do País. O estudo considera o conceito de conectividade como a relação entre os diversos segmentos da sociedade, compreendendo que investir em saneamento pode ajudar também na economia, por exemplo. Quanto ao termo smart cities, o ranking leva em conta as cidades em que seus agentes de desenvolvimento da cidade entendem a importância da conectividade entre esses setores.

Ações

A Secretaria de Desenvolvimento do Município (SDE) vem adotando uma abordagem centrada no pequeno empreendedor, visando gerar empregos e fortalecer a economia local. “Mais de 60 mil capacitações foram oferecidas em todos os 121 bairros, priorizando empreendedores na periferia, como proprietários de pequenos comércios. Nosso foco está na capacitação técnica e gerencial, e isso vem mudando a vida das pessoas da cidade, porque o que eles ganham gira no próprio bairro. É um ciclo virtuoso”, afirma o titular da pasta, Rodrigo Nogueira.

À medida que indivíduos aprendem e se aprimoram, o tecido social se fortalece, reflete diversidade de talentos e experiências. A sociedade se beneficia da riqueza gerada pela multiplicidade de habilidades. De acordo com a secretária da Coordenadoria Especial de Programas Integrados (COPIFor), Manuela Nogueira, os programas municipais de capacitação e empreendedorismo buscam justamente costurar essa colcha social.

“É preciso olhar para a desigualdade da cidade, não como dois contrapontos, mas buscando formar conexões. É isso que as políticas públicas de Fortaleza estão fazendo. Não olhamos somente para um território específico, mas trabalhamos de modo a encontrar formas de conectar as pessoas e os segmentos”, observa.

Na trama da capacitação, cada linha representa uma habilidade adquirida, um conhecimento absorvido. O empreendedorismo, por sua vez, assemelha-se a um ato de criar a própria tapeçaria. Nesse sentido, Fortaleza conta hoje com 11 programas e ações de incentivo econômico e social, voltados para o pequeno empreendedor.

Projetos que tecem histórias de superação

Erbene Nogueira, pedagoga e artesã de brinquedos de pano, participa do programa municipal Costurando o Futuro (Foto: Nicolás Leiva)

Era uma vez uma menina muito amada pelo pai, mas quis a morte que ele partisse, deixando a filha em necessidade com uma família que não tinha aprendido a amá-la. “Sabe a história da Cinderela, a gata borralheira? Pronto, sou eu todinha”, conta Erbene Nogueira, 55 anos, pedagoga e artesã de brinquedos de pano, sem hesitar e com um sorriso de superação que impressiona. A história dela é forte, traça semelhanças com a personagem do conto de fadas. Mas, mas ao invés de sapatinhos de cristal, nossa heroína foi salva por agulha e linha.

Seus calçados eram compartilhados com a irmã mais velha, que estudava em turno diferente para que pudessem alternar o uso. Se à primogênita e aos irmãos havia palavras de estímulo, para Erbene não sobrava afeto da matriarca. Ainda em gestação, houve tentativa de interromper a gravidez. Após nascida, pele mais escura que os irmãos, conheceu a rejeição.

Aos 17 anos, após o falecimento do pai, ela e os irmãos precisaram aprender a costurar para ajudar a suprir as necessidades básicas da família. “A gente passou dificuldade, mas foi através da costura que minha mãe sustentou todos os filhos”, relata. Essa foi a primeira vez que agulha e linha salvaram sua vida e realizaram um sonho. Erbene nunca pôde ter bonecas, passou a costurar as suas.

Em 2011, casada e com três filhos, viu o marido abandonar a família. Sem trabalhar a pedido dele, caiu em depressão. “Foi aí que minha mãe realmente foi mãe. Ela me pediu perdão, me incentivou a fazer faculdade, a voltar a costurar e a vender minhas bonecas de pano nas escolas dos meus filhos. Hoje eu vejo tudo que passei com a minha mãe, a luta dela com a perda do meu pai. Sinto que estava me preparando para passar pelo mesmo processo”, avalia.

A vida retalhada por necessidade e rejeição encontrava remendo, mas as linhas nem sempre seguiram retas. No início de 2023, costurando à mão, sem dinheiro para comprar máquina, com poucos clientes e volume de vendas concentrado nas festas de fim de ano, Erbene quase desistiu.

“Eu estava muito sobrecarregada, peguei as coisas, amarrei tudinho. Mas uma vizinha que eu não via há muito tempo apareceu e me falou do Costurando o Futuro, projeto da Prefeitura de Fortaleza. Disse que lá tinha um ateliê, máquina de graça para costurar, não pagava energia nem conserto, tinha material de doação, linha, e eles ainda direcionam para vender nas feiras. Eu nem acreditei”.

No dia seguinte, Erbene estava inscrita. O que antes ela levava oito dias para produzir, hoje é feio em um dia e meio. As vendas ocorrem com muito mais frequência, com participação dela nas feirinhas organizadas pela gestão municipal, ou por outras integrantes do projeto, que levam suas bonecas de pano e as vendem em troca de uma porcentagem por peça comercializada.

O Costurando o Futuro existe desde 13 de dezembro de 2021 e segue a lógica de coworking. É um espaço compartilhado, colaborativo e gratuito, voltado para as atividades de corte e costura, produzido por pessoas em situação de vulnerabilidade social. Os 12 equipamentos estão localizados nos bairros Bom Jardim, Vila União, Ancuri, Jangurussu, Vila Velha, Cristo Redentor, José Walter, Conjunto Ceará, Barra do Ceará, Vicente Pinzón, Canindezinho e Mondubim.

A Prefeitura ainda deve instalar novos ateliês no Cuca Pici e uma unidade referencial próximo à antiga Fábrica Guararapes. “Eu digo que o ateliê é uma colcha de retalhos. Cada um chega com seu pedacinho de conhecimento e vai passando para as outras. Depois a gente junta tudo e faz uma colcha enorme de tudo aquilo”, reforça Erbene.

Karina Soriano, fundadora da Curando a Pele, empresa de cosméticos naturais, participou do programa Nossas Guerreiras (Foto: Divulgação)

Nossas Guerreiras

Para o professor universitário e membro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, há uma mão de obra, principalmente a feminina, que muitas vezes fica excluída e precisa de incentivo. “A criação de programas específicos potencializa a reinserção dessa força de trabalho no mercado e, ao longo do tempo, torna-se possível realocar essa parcela da população dentro de toda a cadeia produtiva”, observa.

Lançado em 21 de outubro de 2021, o programa Nossas Guerreiras também vem ajudando a estimular o empreendedorismo feminino na Capital. A iniciativa já beneficiou 8.498 mulheres com crédito orientado de R$ 3 mil, tendo investido R$ 25 milhões na economia local. A meta é ofertar crédito para até 17 mil empreendedoras locais.

A fisioterapeuta Karina Soriano, 39 anos, é fundadora da Curando a Pele, empresa de cosméticos naturais. Surgiu durante a pandemia de covid-19, quando ela iniciou seus estudos sobre clareamento natural. “Os cosméticos são todos feitos por mim, meus primeiros produtos foram os séruns clareadores. Em 2022, comecei a fazer os sabonetes clareadores, e a empresa começou a crescer”, lembra.

Karina soube do Nossas Guerreiras por meio de uma notícia de jornal. “Consegui fazer todo o processo pela internet, desde a inscrição até o momento de assinar a documentação para receber o crédito. O programa foi um divisor de águas no meu empreendimento, pois, além do crédito para investir em produtos e cursos, tive oportunidades de participar de várias feiras organizadas pelo Município”, conta.

Por meio do Nossas Guerreiras, Karina também teve acesso aos cursos de outro programa de formação, o Fortaleza Capacita. “Os cursos ajudam muito na profissionalização do empreendimento, permitem que a gente cresça profissionalmente. Antes dos programas, eu praticamente não vendia. Hoje, todos os meus rendimentos são da Curando a Pele. Já consegui terminar minha pós em dermatologia funcional e pago plano de saúde pra mim, tudo com o que ganho”, comemora.

Fonte: O Otimista

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