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MONOTRILHO DE SALVADOR: TCE E GOVERNO BUSCAM SOLUÇÃO RÁPIDA

TCE e Governo da Bahia indicam o fim da PPP com o consórcio Metrogreen SkyRail. Ativistas sugerem a retomada do projeto para o Veículo Leve sobre Trilhos

Em sessão realizada no Tribunal de Contas da Bahia (TCE-BA) apontou uma série de irregularidades no contrato de parceria público-privada (PPP) firmado entre o governo do estado e o consórcio MetroGreen SkyRail, que desenvolveu o projeto do chamado “VLT de Salvador”.

Entre os problemas apontados o principal foi a troca do sistema de transporte – originalmente composições que circulariam sobre os trilhos existentes – pelo sistema de monotrilho elevado, sem as necessárias audiências e análises técnicas necessárias. Outras irregularidades envolvem preços acima da média do mercado, o que fez com que o orçamento inicial de R$ 1,5 bilhão fosse elevado a R$ 5,2 bilhões, um aumento de 246% desde 2019, quando a PPP foi assinada pelo então governador Rui Costa (PT).

Para lembrar, a proposta original previa um investimento de R$ 900 milhões, depois elevado para R$ 1,2 bilhão, mais tarde R$ 1,5 bilhão, R$ 1,8 bi e R$ 5,2 bilhões. E talvez inacreditáveis R$ 7 bilhões, se o governo continuasse a seguir as exigências do consórcio, afirmam os ativistas de Salvador.

O relator, conselheiro Pedro Lino, apontou 14 pontos irregulares no contrato e três conselheiros votaram a favor da anulação do contrato e da punição com multas aos funcionários responsáveis pela contratação. Mas dois conselheiros – Carolina Matos e João Bonfim – pediram vistas ao processo, que somente voltará à pauta após duas sessões do Tribunal.

Projeção do “falso VLT”, na verdade um monotrilho que seria instalado em Salvador Imagem: Consórcio Metrogreen SkyRail

Prazo inicial: dois anos
O projeto do Monotrilho VLT de Salvador previa um prazo de execução de pouco mais de dois anos, com os primeiros trechos entregues em 2024. “A meta era terminar tudo em 25 meses, mas a obra está parada, com tudo fechado por tapumes; os trilhos foram arrancados, as estações destruídas e os trens foram destruídos e vendidos como sucata”, denuncia Gilson Jesus Vieira, da “Ver De Trem”, organização criada nos anos 1980 para defender a conservação e ampliação do transporte sobre trilhos na Bahia.

Antes, nesta segunda-feira (24), o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), disse que está mantendo conversações para resolver os entraves do projeto VLT de Salvador. “Estive reunido com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur), com a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) e com a Casa Civil para tomar decisões, inclusive sobre as pendências relativas à obra do VLT. Não vamos atrasar a vida da construção do modal e vamos tomar a decisão na hora certa”, disse o governador, ao explicar que precisa pensar em resolução rápida, barata e eficiente. Na sessão de ontem no TCE/BA, o procurador do estado, Ubenilson Santos, anunciou a possibilidade de que o governo rescinda o contrato com o consórcio MetroGreen SkyRail.

A equipe do Mobilize Brasil tentou durante uma semana obter um posicionamento da MetroGreen SkyRail, mas a assessoria de imprensa informou que neste momento a empresa não irá se manifestar.


O início, em 1860
A ideia original era simples. A região de Salvador contava com uma tradicional ferrovia, o Trem do Subúrbio, que ligava a estação Calçada, no centro da capital, ao bairro de Paripe, contornando a Baía de Todos os Santos. Tratava-se de uma linha férrea com 163 anos de operação, resquício da ferrovia que ligava Salvador ao rio São Francisco, no “Sertão”. Com a gradativa desativação da ferrovia, entre os anos 1950 e 1980, o Trem do Subúrbio seguiu prestando serviços à população da área, em geral pessoas de baixa renda, como trabalhadores da pesca, marisqueiros, funcionários de empresas e estudantes, com uma tarifa bastante convidativa: R$ 0,50 pela viagem de 30 minutos nos 13,5 km do trecho.

Trem do Subúrbio, quando ainda circulava às margens da Baía de Todos os Santos Imagem: ObsMobSalvador

“O trem permitia que essas pessoas chegassem até o centro da cidade para fazer compras, buscar tratamento médico, e ter acesso aos serviços oferecidos na cidade. Os marisqueiros e trabalhadores da pesca podiam transportar seus produtos, para vendê-los no centro de Salvador”, lembra Gilson Vieira, diretor da organização Ver De Trem.

Os trens estavam desgastados, com sérios problemas de manutenção, e trafegavam com portas abertas, sem a necessária segurança. Mesmo assim eram eficientes e atraíam também usuários de classe média que preferiam a brisa marítima da viagem ferroviária a ficar até duas horas preso em um carro ou ônibus na avenida Afrânia Peixoto, ou  “Avenida Suburbana”, lembra Vieira.

Desde 2011, na onda dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, o governo baiano já sonhava em substituir os trens por composições novas, de preferência veículos leves sobre trilhos (VLTs), que poderiam utilizar os mesmos trilhos da ferrovia com pequenas adaptações. Na verdade, alguns anos antes, no final da década de 1980, a linha férrea havia passado por uma completa atualização, com renovação dos trilhos, lastros e dormentes de concreto, além da reforma de pontes e outras obras de arte. O governo chegou a colocar em circulação alguns trens novos, com ar-condicionado, mas logo depois essas composições foram recolhidas a uma garagem na estação Calçada. E só os velhos trens continuaram circulando, “talvez para passar a imagem de um sistema de transporte obsoleto, decadente, sucateado”, avalia Gilson Vieira.

O administrador e doutor em arquitetura e urbanismo Daniel Caribé lembra que a proposta da substituição dos trens pelos veículos leves sobre trilhos havia sido amplamente discutida em uma série de audiências públicas, da qual participavam especialistas em transportes, representantes dos moradores do bairros atingidos, representantes de organizações da sociedade, sindicatos.

Projeção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) discutido nas audiências públicas Imagem: arquivo Mobilize

Após acalorados debates, chegou-se a um consenso de que seria adequado adotar as novas composições do tipo tramway elétrico, que também poderiam entrar no ambiente urbano, em trilhos assentados nas ruas e avenidas da área central de Salvador. Esses veículos seriam mais confortáveis, dotados de ar condicionado, com mais acessibilidade e integrados ao sistema de metrô e ônibus da capital baiana. E deveriam ter uma tarifa ajustada para atender à população que usava o “Trem do Subúrbio”, conforme as recomendações que saíram das audiências. Uma liminar do Ministério Público recomendava que o governo do estado deveria cadastrar as cerca de 15 mil pessoas que usavam a linha, já que metade delas ganhava menos de R$ 300 por mês e não poderia pagar a tarifa do futuro transporte, calculada em torno de R$ 4,20, mais de oito vezes o valor da passagem do trem.

O “VLT de Salvador” não é um VLT
Caribé, que também é um coordenadores do Observatório da Mobilidade Salvador, lembra que a sociedade civil defendia, em sua maioria, o compartilhamento de trilhos entre os VLTs, trens e até trens de carga, mas o que o governo do estado defendeu e aprovou foi o não compartilhamento, de forma que o trem não poderia mais usar a mesma infraestrutura do VLT.
Outra agravante foi a chamada “Operação Lava-Jato”. No momento da licitação do novo sistema, as empresas brasileiras de infraestrutura não apresentaram propostas, porque estavam enfrentando os processos da operação, e muitas delas estavam desestruturadas. Uma nova licitação foi realizada pelo governo e vencida pelo consórcio SkyRail, que oferecia um sistema “similar” ao VLT, como sugerido no novo edital. E o nome do projeto foi maliciosamente mudado para Veículo Leve de Transporte. “Foi um deboche com a população mais humilde e com todos que participaram do processo de discussão anterior”, aponta Gilson Vieira.

Antes mesmo do início das obras, em 2020, lembra Daniel Caribé, os técnicos e ativistas argumentavam que o sistema de monotrilho não seria adequado para a região por vários motivos. Em primeiro lugar, a cidade ficaria refém de uma tecnologia dominada por uma única empresa, de fora do Brasil, ao passo que as soluções ferroviárias, sobre trilhos, já são amplamente dominadas no país.

Outro aspecto refere-se à interferência na paisagem da região, com suas edificações históricas e a vista para a Baía de Todos os Santos: os sucessivos pilares e vigas necessários para sustentar o monotrilho trariam uma grande poluição visual ao trecho, impedindo a visão do mar e das praias. Um terceiro ponto era a má experiência do Metrô de São Paulo em suas duas linhas de monotrilho: ambas eram previstas para funcionar em 2014, o que não ocorreu, e a Linha Prata – que está em funcionamento – apresenta sérios problemas de segurança. Por fim, a configuração do monotrilho – elevado e com acesso por escadas – dificultaria muito a entrada dos trabalhadores do pescado, com seus baldes e conteineres de transporte dos alimentos.

Proposta: utilizar os VLTs de Cuiabá
Agora, com o impasse entre governo e a Metrogreen SkyRail, os urbanistas, engenheiros, ativistas e usuários esperam o fim do contrato com a empresa e a retomada das discussões para que se encontre uma solução adequada de transporte.

Composições da CAF no pátio de Várzea Grande (MT)

Os entusiastas dos trilhos defendem a restauração da linha férrea, agora com alimentação elétrica, estações modernizadas e a circulação de verdadeiros veículos leves sobre trilhos. Gilson Vieira arqumenta que o governo da Bahia poderia adquirir as composições originalmente destinadas ao sistema de transporte entre Campo Grande e Várzea Grande, em Mato Grosso, hoje estacionadas e sem uso.

E defende também que os trilhos sejam recolocados, talvez com bitola mista, de forma permitir a circulação também de trens de carga, projetando uma possível restauração da ligação ferroviária entre Salvador e o interior do estado.

Caribé e Vieira entendem a necessidade de recompor o sistema de transporte, agora com uma versão modernizada, de forma a permitir a circulação dos usuários tradicionais, mas também atrair novos passageiros. Vieira acredita que a linha também teria vocação para atrair turistas, que assim poderiam conhecer a região e testemunhar a cultura local dos moradores dos bairros do Subúrbio.

Imprensa e autoridades apontam a perspectiva de um desenlace rápido para o imbróglio que já custou R$ 57 milhões aos cofres públicos, além dos custos dos trilhos, trens, estações e empregos perdidos e dos prejuízos à população local. 

Mais ainda, na forma de post scriptum: A fabricante de veículos BYD, que integra o consórcio Metrogreen SkyRail, negocia com o Governo da Bahia a instalação de uma fábrica de veículos elétricos em Camaçari, a 50 km de Salvador.(Texto atualizado em 27/7/23)

Fonte: Mobilize

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