Uma cidade inteligente é antes de tudo uma cidade que tem como centro das suas políticas a otimização do uso dos recursos, a inclusão social, econômica e digital, a desburocratização e a capacidade de ser inovadora e disruptiva
Sempre que ouvimos a expressão Smart Cities a nossa imaginação viaja para robôs limpando as ruas, sensores super sofisticados coletando dados e imagens, drones sobrevoando nossas cabeças fazendo entregas ou transportando pessoas. Esse cenário futurista poderá compor o que chamamos de cidade inteligente, mas não será nunca a sua essência.
Uma cidade inteligente é antes de tudo uma cidade que tem como centro das suas políticas a otimização do uso dos recursos, a inclusão social, econômica e digital, a desburocratização e a capacidade de ser inovadora e disruptiva. Isso tudo pode acontecer – e é bom que aconteça – com uso de tecnologia, mas também pode acontecer com soluções simples e baratas.
No campo da mobilidade urbana eu penso que temos três grandes desafios que podem ser resumidos nestas três palavras : Evitar, Substituir e Melhorar. Evitar a realização de viagens ou reduzir suas distâncias, Substituir viagens motorizadas por mobilidade ativa e melhorar a oferta do transporte público, com política de uso do espaço e investimentos em infraestrutura.
Como uma cidade inteligente pode realizar essas três ações e alcançar uma mobilidade mais sustentável, segura e inclusiva?
Eu costumo dizer que quando visitamos uma cidade que tem sérios problemas de mobilidade urbana é como se estivéssemos diante de um paciente que tem febre. Sabemos que a febre não é a doença, mas apenas o sintoma dela. Linhas de metrô e ônibus lotadas, trânsito congestionado e que provoca muitas mortes são sintomas de uma doença que é o inadequado planejamento urbano.
Cidades inteligentes focam em promover um novo desenvolvimento urbano que replique as centralidades econômicas em diversas áreas, diminuindo o desejo de viagem, porque as pessoas terão oportunidade de empregos nos bairros onde moram, ou em regiões bem mais próximas, evitando os imensos deslocamentos que, em geral, são necessários com o desenho atual das cidades brasileiras. Essa é a solução mais eficiente para uma mobilidade sustentável.
Depois disso, as cidades inteligentes promovem a mobilidade ativa. Criam infraestrutura e desenvolvem soluções destinadas a incrementar a caminhada e o uso da bicicleta. Nada menos inteligente do que cuidar apenas do pavimento asfáltico para carros. Carros são responsáveis por apenas 26% dos deslocamentos no Brasil. As pessoas andam muito mais a pé e de transporte público. Paris, recentemente, redesenhou suas ruas centrais para os pedestres e para as bicicletas, além de outras políticas de incentivo à mobilidade ativa. Rapidamente viu uma explosão de novos ciclistas que viajam sem emitir nenhum gás contaminante, sem causar barulho e praticamente sem riscos à segurança. O que pode ser mais inteligente?
Por fim, a prioridade ao transporte público, que, depois da mobilidade ativa, é o modo de transporte mais sustentável, inclusivo e seguro. Um ônibus Padron pode transportar quase 80 passageiros. A média de uso dos automóveis na cidade de São Paulo é de apenas 1,1 passageiro por carro. Ou seja, um ônibus costuma transportar o equivalente a 72 carros. Em uma cidade inteligente, esse ônibus teria 72 vezes mais espaço que o automóvel. Priorizar o transporte público, em uma cidade inteligente, significa garantir espaços exclusivos. Idealmente com a construção de corredores de ônibus em pistas centrais, praticamente eliminando a interferência de congestionamentos sobre a operação dos coletivos. Mas uma faixa exclusiva, à direita, já ajuda muito, tendo potencial de incrementar em até 30% a produtividade dos ônibus. Fica uma dica: implantar faixas exclusivas não demanda vultosos investimentos. É preciso apenas tinta, para sinalização horizontal, placas, para sinalização vertical, e um eficiente sistema de fiscalização.
Planejar um desenho de rede de ônibus que integre diferentes níveis de serviço (linhas locais e troncais), com terminais e pontos de ônibus confortáveis e seguros. Implantar tecnologia que permita ao usuário o completo gerenciamento de suas viagens, diminuindo o tempo de espera pela passagem dos ônibus. Um sistema de cobrança de tarifas inteligente e que permita integrações tarifária.
Outra prioridade fundamental em uma cidade inteligente é a eliminação das mortes e ferimentos graves no trânsito. Nenhuma morte no trânsito deveria ser aceitável. E neste campo, com inteligência e pouco dinheiro se pode fazer muito. Gerenciar as velocidades das vias (maior fator de risco), redesenhar os espaços para proteção a pedestres e ciclistas, fiscalizar o comportamento no trânsito e engajar a sociedade em torno de uma agenda segura são características de inteligência. Fortaleza e Bogotá são duas cidades que demonstram o sucesso de uma política inteligente voltada para a segurança viária: reduziram em mais de 50% as mortes no trânsito na última década.
Como se vê, falamos muito de soluções inteligentes e quase nada sobre drones ou robôs. A inteligência às vezes está apenas em aplicar soluções simples, mas que implicam em ampliar a sustentabilidade a inclusão social e a segurança viária.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities.
ADVOGADO COM MBA EM GESTÃO EXECUTIVA PELO INSPER. Foi secretário de Mobilidade e Transportes da cidade de São Paulo, quando a cidade aderiu ao Visão Zero, programa de redução para zero de mortes no trânsito. Foi presidente do Metrô de São Paulo e presidente da CPTM, diretor de Mobilidade Urbana do WRI Ross Center for Sustainable Cities em Washington e, Membro do Conselho de Administração da Partnership on Sustainable, Low Carbon Transport (SLOCAT). É Coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana no Laboratório de Cidades Arq.Futuro do Insper e Sócio-fundador da Urucuia. Consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento e Membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/SP e Articulista da Revista Ferroviária e de outras publicações especializadas.