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A INCLUSÃO DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS PARA CIDADES INTELIGENTES, JUSTAS E SUSTENTÁVEIS

Luciana Lopes
Luciana Lopes
Geógrafa, Mestre em Gestão dos Resíduos Sólidos pela Universidade de São Paulo, atua há 20 anos na organização de sistemas de coleta seletiva. Autora na publicação “Do Lixo à Cidadania: guia para formação de cooperativas de catadores de materiais recicláveis”. Diretora da Visões da Terra, consultoria de projetos socioambientais que apoia na organização da gestão dos resíduos sólidos em 23 municípios no Brasil.

Quando há inclusão dos catadores de materiais recicláveis na gestão dos resíduos urbanos, inicia-se um novo ciclo de relacionamento das cidades com as suas periferias

Começamos o ano de 2023 com a participação de uma catadora de materiais recicláveis entregando a faixa presidencial para o novo presidente eleito. O gesto, para além do simbolismo de inclusão da diversidade de brasileiros em nossas políticas públicas, tem uma longa história de conquistas das organizações dessa categoria presente no dia a dia de todas as cidades brasileiras.

Os primeiros catadores de materiais recicláveis surgiram desde que aquilo que se joga fora passou a ter algum valor econômico. No Brasil, um resgate histórico realizado pelo Professor Emílio Engenheer em seu ótimo livro “Lixo: A limpeza Urbana através dos tempos” (Ed. Campus), encontrou um artigo de 1895 no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, retratando a curiosa indústria que havia se formado nas ilhas de Sapucaia e Bom Jesus. Nos depósitos de lixo da cidade, que há muitas décadas aterravam a Baía da Guanabara, viviam-se comunidades inteiras da venda de trapos, metais e garrafas de vidro. 

No século XX, com a expansão das cidades e o advento das embalagens descartáveis, o número de catadores se multiplicou exponencialmente, passando também a trabalhar nas ruas das cidades. A catadora Carolina de Jesus, autora da premiada obra Quarto de Despejo: Diário de uma favelada, relata em sua obra a mudança da cidade de São Paulo a partir da sua vivência na favela do Canindé em São Paulo, formada pelo despejo dos moradores dos cortiços do centro recém urbanizado. Na comunidade a principal renda vinha da venda de papel. 

Os catadores passaram então a representar um paradoxo para a limpeza urbana. Eram necessários para reduzir o exponencial aumento do lixo urbano, mas a desorganização da atividade passou a criar problemas ambientais e sociais, criando uma massa de explorados em uma cadeia econômica obscura.

Na década de 1980 começaram a surgir as primeiras organizações de catadores no Brasil e a formação do Movimento Nacional dos Catadores. Reunidos em encontros que se espalharam pelo Brasil, muitos incentivados pelo Ministério Público como os Fóruns Lixo e Cidadania, esses trabalhadores passaram a se reconhecer como uma categoria e que somente juntos poderiam valorizar o seu trabalho. Em 2009 uma das primeiras conquistas foi o reconhecimento da categoria pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

Nos últimos 20 anos as cooperativas e associações de catadores foram impulsionadas no Brasil. O Anuário da Reciclagem 2022, organizado pelo Instituto Pragma foi levantado o cadastro de 1996 cooperativas e associações de catadores presentes em todos os estados da federação, que encaminham aproximadamente 1,3 milhões de toneladas ao ano de materiais para a reciclagem, gerando uma renda média de pouco mais que um salário-mínimo para 59.609 catadores. 

Esses avanços foram possíveis graças a importantes políticas de fechamento dos lixões, com a inclusão dos catadores em centros de triagem e na contratação dos seus empreendimentos na prestação dos serviços de coleta seletiva. Um caso de sucesso vem do próprio Distrito Federal que, no fechamento do lixão da Estrutural, promoveu uma parceria com a Central de Cooperativas de materiais recicláveis oportunizando a inclusão dos catadores que trabalhavam no local ao sistema formal.

Quando há inclusão dos catadores de materiais recicláveis na gestão dos resíduos urbanos, inicia-se um novo ciclo de relacionamento das cidades com as suas periferias. O munícipe entende a importância social e ambiental da responsabilidade pelos seus resíduos; o catador pode exercer sua profissão com dignidade, segurança e remuneração adequada; as periferias têm o acúmulo de resíduo reduzido, pois o catador pode levar sua produção a um centro de triagem evitando armazenar em casa; e, por fim, há redução dos depósitos clandestinos, com registro fiscal e ambiental dos materiais processados.

A construção de cidades inteligentes justas e sustentáveis passa por reconhecer, incluir e organizar as atividades econômicas já existentes nas periferias, oferecendo apoio a esses arranjos para que prestem bons serviços ambientais. Hoje retiramos menos de 5% das embalagens do lixo em nosso País e há muitos talentos a serem apoiados nas ruas.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities 

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