Duas cidades nos EUA não priorizam a manutenção e recursos às calçadas. Em artigo, autora defende um futuro em que o caminhar volte ao centro dos acontecimentos urbanos
Não importa onde você mora, se numa área urbana, suburbana ou rural: é bem provável que a calçada faça parte de sua rotina diária. Elas são essenciais como locais seguros para os pedestres, para mantê-los separados da via, mesmo que seja por breves momentos, ao atravessar a rua para chegar ao estacionamento onde ficou o carro, ou, mais essenciais ainda, se seu trajeto envolver vários quarteirões a pé até o centro, por exemplo.
Mas, o que acontece quando as cidades não se responsabilizam pela manutenção das calçadas e elas são deixadas tão somente aos cuidados de moradores ou daqueles que as utilizam?
Este artigo trata das calçadas em duas cidades norte-americanas: Nova York e Los Angeles. Historicamente, as calçadas já foram o principal lugar da mobilidade urbana, o epicentro dos acontecimentos sociais. Antes da existência dos carros, era onde todos os meios de deslocamento se reuniam – cavalos puxavam carruagens, pessoas circulavam livremente e bondes transportavam pessoas de um canto a outro. Certa “indisciplina” nesses espaços permitia que as pessoas se movimentassem livremente em todas as direções. Quando os carros foram introduzidos e ocuparam o lugar de prevalência nos transportes, as calçadas se tornaram o que conhecemos hoje – espaços empurrados para o lado e designados para as pessoas andarem, com sinalização indicativa de quando estamos “legalmente” autorizados a atravessar a rua até a próxima calçada.
Planejamento futuro para calçadas e o transporte público. Imagem: Global Designing Cities Initiative
Poucos recursos em LA
Duas das maiores redes de calçadas dos Estados Unidos estão em Los Angeles e Nova York, com 11 mil milhas [cerca de 17.800 km] e 12 mil milhas [cerca de 19.300 km], respectivamente. Sua manutenção, ou a falta dela, fica evidente na aparência dos pisos, na inacessibilidade e também nos orçamentos municipais voltado a essas áreas das cidades, que revelam o quanto o financiamento e os recursos para garantir que sejam transitáveis são limitados.
Em Los Angeles, menos de 1% de todos os fundos de transporte vão para faixas de pedestres, calçadas e sinalizações, embora os cidadãos tenham votado em 2016 para aumentar o orçamento para 8% nas próximas cinco décadas. Estima-se que mesmo esse valor seja insuficiente para cuidar de metade das calçadas da cidade e que seriam necessários cerca de 500 milhões de dólares para repará-las e mantê-las. Ao que parece, a gestão pública de Los Angeles avaliou que é incapaz de acompanhar o ritmo com que a cidade recebe reclamações e pedidos de reparos, e o resultado é uma cidade onde caminhar não é mais uma opção e a mobilidade para as pessoas não é viável.
Calçada em péssimo estado na cidade de Nova York. Foto: @NYC Department of Transportation
Calçadas sujas e inseguras em NY
Em Nova York, uma pesquisa recente ouviu pessoas com deficiência que moram em Hells Kitchen e Chelsea, dois grandes bairros da cidade. Segundo essa parcela de moradores, para quem as calçadas são mal conservadas e inseguras, a classificação geral do levantamento foi “ruim” ou “muito ruim”, e as calçadas consideradas “muitas vezes” ou “o tempo todo” sujas.
Quase 85% dos moradores dessas localidades afirmaram que regularmente tropeçam nas calçadas de NY. A reclamação das pessoas é ainda maior nos meses de inverno, quando os proprietários dos imóveis, que são responsáveis por remover a neve de frente às suas casas ou prédios, muitas vezes deixam de fazer esse serviço.
Nos últimos anos, a ideia de uma cidade caminhável virou quase uma obsessão nos Estados Unidos. Mas, como esperar que as pessoas andem mais, adotem a mobilidade ativa, se as calçadas não são acessíveis? Calçadas limpas, seguras e sem rachaduras, algo raro na maioria das cidades americanas, são, no entanto, o único modo de transporte universal, porque pode ser utilizado por todos.
Hoje em dia, ao comprar uma casa, é comum muitas vezes que a busca aponte para uma pontuação de caminhada, que avalia o quão caminhável é o imóvel em comparação com outras comodidades do bairro, como comércio e serviços. Existe a identificação do onde e quanto as pessoas podem andar – mas não como isso pode ser realizado.
Muitas cidades nos EUA vêm desenvolvendo diretrizes ou cartilhas sobre como pensar o projeto de calçadas do futuro, observando se as reformas propostas integram metas de áreas sustentáveis, menos dependentes do carro e mais afeitas ao transporte público e ao ciclismo.
Diagramas de calçada para proposta em Nova York. Imagem: © NYC Department of Transportation
Mas não basta consertar as calçadas, se não for feita sua manutenção regular, o que envolve um custo alto, talvez, mas ajuda não estimulando o uso de carros. Ao repensarmos o que significa ter capacidade de caminhar para casa, para o trabalho ou para a escola, com todas as comodidades locais, a mudança deverá se concentrar menos nos veículos automotores e mais em como a maioria da população se beneficiará das caminhadas. Nesse cenário futuro, as calçadas não serão mais “deixadas de lado”. E quem sabe voltem a ser projetadas segundo aquela maneira histórica apontada no início do texto, quando estavam destacadas à frente e no centro dos acontecimentos urbanos.
Fonte: Mobilize