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NÃO HÁ MUNICÍPIO PEQUENO DEMAIS PARA INOVAR

Patricia Pessoa Valente
Patricia Pessoa Valente
Doutora e mestre em Direito do Estado pela FD-USP. LLM pela LSE. Pesquisadora do Centro de Regulação e Democracia do INSPER. Sócia do Pessoa Valente Advogados Associados, escritório especializado em Direito Público e Regulação.

Como o Marco Legal das Startups facilitou a inovação pelos municípios

Quando se fala em compras públicas de inovação é comum se deparar com processos sofisticados promovidos por universidades, empresas estatais superavitárias ou outros órgãos e entidades das administrações públicas estaduais e federal, ou dos Poderes Judiciário ou Legislativo. Embora importantes para o tema da inovação no setor público, eles não oferecem respostas às dificuldades enfrentadas por municípios pequenos que pretendem contratar inovação, nem sequer pistas de como esses entes federativos poderiam se aventurar nessa área. Afinal, haveria uma limitação à inovação para municípios menores? Não, e para sustentar minha opinião, vou trazer dados sobre 3 municípios: Domingos Mourão, no Piauí, Guaramiranga, no Ceará, e Igarassu, em Pernambuco. 

Esses municípios têm em comum o fato de serem chefiados por prefeitas, apresentarem expressivas taxas de escolarização de estudantes entre 6 e 14 anos (entre 95,8% a 97,9%) e suas receitas serem majoritariamente proveniente de repasses de recursos federais e estaduais. Com a menor população dos três municípios, Domingos Mourão tem 99% das receitas de origem externa, enquanto Igarassu, com população estimada 27 vezes maior do município piauiense, tem 84,5% das receitas de origem externa. 

As coincidências não param aí e a mais relevante para confirmar meu posicionamento é que as secretarias municipais de educação dos três municípios contrataram soluções inovadoras para educação nos últimos anos, entrando para um rol que cresce a cada dia de órgãos e entidades das administrações públicas municipais, estaduais e federais.

A semelhança entre esses municípios é que, embora pequenos, com alta taxa de matrícula e com pouca ou nenhuma autonomia sobre suas receitas, conseguiram levar para as salas de aula soluções tecnológicas de melhoria da qualidade da educação pública. As soluções contratadas buscam desenvolver habilidades de leitura, compreensão de texto, escrita e matemática.

Domingos Mourão, Guaramiranga e Igarassu apenas conseguiram contratar soluções tecnológicas para educação em razão das inovações trazidas pela Lei Complementar 182/2021, também conhecida como Marco Legal das Startups (MLS). Para saber mais detalhes sobre essa experiência, vale conferir o Programa ImpulsiONar promovido pela Quintessa, aceleradora de negócios de impacto social.

O MLS, que completa 2 anos em junho de 2023, trouxe um regime simplificado de contratação de inovação pelos governos, inclusive não se limitando a inovações de base tecnológica. Com isso, passou a ser possível a contratação de soluções inovadoras menores que aquelas oferecidas pelas big techs, para resolver demandas públicas que o setor produtivo tenha interesse em colaborar, desenvolvendo produtos e sistemas para os governos.

A grande novidade em relação às outras formas de contratação pública é a previsão de uma fase de teste, com a celebração do Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI). Isto é, antes da assinatura de um instrumento contratual longo e de valor mais oneroso para os cofres públicos, o governo pode testar a solução inovadora. Conforme o regime legal do CPSI, as partes contratantes terão 12 meses, prorrogáveis por igual período, para avaliar se a inovação contratada atendeu os objetivos e metas definidas no contrato. O valor máximo do contrato é de R$ 1.600.000,00, atualizável anualmente pelo IPCA (art. 12, §3º, do MLS). 

A escolha, pelo poder público, da solução que será testada se dará por procedimento simplificado de licitação, com a participação de qualquer interessado. O governo deve publicar, na internet e no diário oficial, o edital com as condições de participação, critério de julgamento das propostas e data, forma e local de recebimento das propostas com antecedência de, pelo menos, 30 dias.

Uma comissão especial, formada por, no mínimo, 3 pessoas, avaliará e julgará as propostas apresentadas. Essa comissão, a depender do objeto da contratação, poderá contar com pessoas de formação relacionada com o objeto da contratação em razão da novidade do objeto contratual. Mais de uma proposta pode ser selecionada e, dessa mesma seleção, mais de um CPSI pode ser celebrado. 

Após encerrado o contrato de teste (CPSI) e sendo exitosos os resultados, o governo poderá celebrar – com a mesma parte e sem necessidade de nova licitação – contrato de fornecimento. Esse contrato tem como objetivo expandir o uso da inovação, com o objetivo de levar a solução em escala para todo o governo. O contrato de fornecimento poderá ter vigência de até 24 meses, prorrogáveis por mais 24 meses, e seu valor pode alcançar até 5 vezes o valor do CPSI (art. 15, §§ 2º e 3º, MLS).

Com a previsão do contrato de teste remunerado disciplinado no MLS, a contratação de inovação não precisa mais estar restrita às administrações públicas maiores e com mais recursos, ou a soluções das grandes empresas de tecnologia. A experiência recente de Domingos Mourão, Guaramiranga e Igarassu pode ensinar muito ainda sobre como a inovação pode ajudar a corrigir defasagens escolares, desenvolver habilidades dos estudantes e incrementar o desempenho escolar. A principal lição que quero destacar é: não há município pequeno demais para inovar.

Quadro Comparativo entre os Municípios

Não há Município pequeno demais para inovar
Fonte: elaboração própria a partir dos dados disponíveis em cidades.ibge.gov.br

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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