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O PODER REGULATÓRIO – INDUTOR OU INIBIDOR

Sergio Sgobbi
Sergio Sgobbi
Diretor de relações institucionais e governamentais na Brasscom, atuou como consultor em gestão empresarial para micro e pequenas empresas para o SEBRAE/SP e facilitador de cursos nas áreas de RH e Gestão estratégica de negócios. Desempenhou também a função de Secretário de Desenvolvimento Econômico do Município de Araraquara/SP. Graduado em Ciências Sociais (Unesp) e Administração (Uniara) e doutorando em desenvolvimento territorial e meio ambiente.

Antecipar e prevenir as possíveis consequências, sem que elas, efetivamente, tenham de fato ocorrido, principalmente ainda sem a análise de todas as possibilidades, é tolher o futuro.

 

A ideia de que todos e quaisquer assuntos necessitam de leis para a resolução dos problemas faz parte da cultura brasileira. Um dos exemplos para a grande quantidade de atos legislativos que temos é a própria Constituição Federal que, em número de artigos, é a segunda maior do mundo – atrás apenas do marco legal da Índia. 

 

Plasmar em legislações específicas e antes que hábitos, costumes, comportamentos e que os anseios dos cidadãos estejam consolidados e necessitem de uma regulação é uma característica nata da nossa gente. E assim nasce o termo “a lei não pegou”, para justificar a ineficácia da antecipação de situações, quer sejam sociais, econômicas, culturais e de valores, que ainda não estão consolidadas, mas para as quais se constroem legislações específicas.



 

Faço essa abordagem crítica do nosso comportamento como forma de introduzir e chamar atenção para o fato de que, no mundo digital, essas ações, que comumente chamamos de ex-ante, reproduzem os mesmos comportamentos do mundo analógico. Há, no entanto, um agravante: a perenidade frágil – característica intrínseca da tecnologia, que é mutável e se utiliza deste meio para não sucumbir diante das constantes inovações. 

 

Às vezes, o desconhecimento e a incerteza, em relação às mudanças e aos efeitos advindos das alterações que a evolução tecnológica produz, fazem com que nós, simples usuários, tenhamos receios, inseguranças, desconfianças, que derivam para mecanismos de resguardo e prevenção, ou seja, legislações, como forma de previdência diante do novo.

 

Carros autônomos, conversas com máquinas em linguagem natural, identificação e antecipação de comportamentos mediante análises das interações dos indivíduos, cirurgias feitas por robôs e à distância, aprendizado adaptativo individualizado conforme o nível de absorção do conhecimento, reconhecimentos faciais, consultas com médicos especialistas mediante compartilhamento de imagens. São inúmeras as possibilidades de aplicações com usos de tecnologias que proporcionarão um melhor bem-estar à população e que não podem ter seu florescimento inibido pela criação de legislações. 

 

Antecipar e prevenir as possíveis consequências, sem que elas, efetivamente, tenham de fato ocorrido, principalmente ainda sem a análise de todas as possibilidades, é tolher o futuro. Essa é uma forma de atuação inibidora e na qual a tecnologia e a inovação não prosperarão.

 

O Brasil tem caminhado de maneira híbrida, com ações inibidoras, mas também com legislações principiológicas. As salvaguardas, neste caso, são transferidas para regulamentações infralegais que têm a dinâmica de ser menos rígidas e com mecanismos mais ágeis e flexíveis para alteração no presente e no futuro. Um dos exemplos é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que via o instrumento da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e seu Conselho, cumpre esse papel. 

 

A recente legislação de regulamentação de Inteligência Artificial (IA), aprovada na Câmara, é outro exemplo desse processo. Também fazem parte desse conceito as legislações recentemente revistas como do Fundo de Universalização das Telecomunicações (FUST); da retirada de Internet das Coisas (IoT) da classificação de telecomunicação e sua consequente desoneração, tornando-a viável de ser desenvolvida; da atualização do marco legal das Zonas de Processamento das Exportações (ZPEs), com a inclusão de serviços; e da não cobrança de Codecine sobre as operações de Vídeo sob Demanda (VoD).

 

Sabedores que a nossa sociedade é aderente e com perfil amigável às tecnologias, e que mesmo com as desigualdades e limitado acesso à Internet, faz uso corrente das aplicações, as legislações não podem inibir essas alternativas. A ponderação entre as tentadoras possibilidades proporcionadas pelas tecnologias e a garantia de legítimos interesses dos cidadãos é o desafio. As legislações são necessárias e a tecnologia foi incorporada e é onipresente no cotidiano, e ambas precisam de equilíbrio para que cumpram seus papéis e efeitos na sociedade.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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