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A COP26 E O TRANSPORTE URBANO

Ilan Cuperstein
Ilan Cuperstein
Vice-diretor regional da C40 para a América Latina. Profissional com mais de 10 anos de experiência internacional em mudanças climáticas, energia e políticas urbanas, no Brasil, China e América Latina. Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-RJ e mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela London School of Economics.

Artigo escrito em colaboração com Mariana Batista, analista do Projeto ZEBRA


Se queremos uma transição justa dentro do contexto de transportes, é vital que tenhamos em mente a importância da mobilidade urbana para além do veículo individual, priorizando o transporte coletivo e ativo em relação ao automóvel particular, sendo elétrico ou não.

Neste mês aconteceu em Glasgow, no Reino Unido, a tão esperada Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima 2021, a COP26. Em meio a diversas discussões para combater a crise climática, o dia 10 de novembro foi o Transport Day, dia exclusivo para este tema no programa presidencial. O tópico é de especial importância para o Brasil, já que o transporte é o setor responsável pela maior parte das emissões das grandes cidades brasileiras. 

 

Nesse dia, a declaração COP26 para acelerar a transição de carros e vans com emissão 100% zero foi assinada por integrantes do setor público (desde governos nacionais até municipais), setor privado (fabricantes de veículos, empresas, investidores) e sociedade civil. O compromisso firmado foi de direcionar esforços para que apenas veículos com zero  emissão sejam vendidos até 2035 nos principais mercados e até 2040 no mundo todo.



 

Declarações como essa, proporcionadas pelo encontro da COP26, são extremamente relevantes. No entanto, se queremos uma transição justa dentro do contexto de transportes, é vital que tenhamos em mente a importância da mobilidade urbana para além do veículo individual, priorizando o transporte coletivo e ativo em relação ao automóvel particular, sendo elétrico ou não.

 

No Brasil, o rápido crescimento populacional e a acelerada urbanização têm pressionado o sistema de transporte público nas grandes cidades. Segundo dados da ANTP de 2017, mais de 70% de todas as viagens que acontecem em 533 municípios brasileiros com população acima de 60 mil habitantes são realizadas por transporte não motorizado (a pé ou bicicleta) ou transporte coletivo. Ainda assim, representando menos de 30% das viagens totais, o transporte individual (automóvel ou motocicleta) consome aproximadamente 250% mais recursos públicos, e proporciona muito mais custos anuais, principalmente relacionados a acidentes e ruídos.

 

Segundo estudo de julho de 2021 do Ipea, o uso do transporte público coletivo tem sido gradualmente substituído pelo individual motorizado, o que tem contribuído para a “contínua deterioração das condições de mobilidade e no consequente aumento no tempo que as pessoas passam no trânsito, afetando de maneira desigual a população, de acordo com nível socioeconômico, gênero e cor.” Tal ciclo vicioso de baixa qualidade e perda de passageiros foi ainda mais acentuado pela pandemia da Covid-19, que demonstrou ao mesmo tempo a importância e a fragilidade do sistema. 

 

Uma das formas de contribuir com a diminuição dos gases de efeito estufa e da exclusão urbana é aumentar os subsídios e investimentos no transporte coletivo urbano, ao mesmo tempo desincentivar o uso do transporte individual.

 

Assim, investimentos em transporte público, aliados a políticas de zero emissão, fazem com que a eletrificação das frotas de ônibus urbanos seja o caminho de transição mais justo para a sociedade, uma vez que a população de baixa renda é a que mais precisa desse meio de transporte, ao mesmo tempo que é a que mais sofre com as mudanças climáticas. 

 

Nesse sentido, o compromisso de 1 bilhão de dólares para ônibus emissão zero na América Latina,  assinado por uma coalizão de investidores internacionais por meio do Projeto ZEBRA, e a campanha O Futuro é o Transporte Público, da C40 conjunto com a Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes (ITF), ambos anunciados na COP26, mostram que é possível uma transição justa na América Latina.

 

A ausência mais sentida na agenda de transporte da COP26 foi a mobilidade ativa, o transporte de bens e pessoas através de meios não motorizados (viagens de bicicleta e a pé, por exemplo). Alguns grupos de ciclistas ressaltaram esse fato projetando em edifícios que a bicicleta é “a máquina que combate as mudanças climáticas”, o que se comprova por estudos mostrando que as emissões de ciclistas chegam a ser 84% menores que as das pessoas que usam outros meios de transporte. Com tamanho impacto climático e social, a ausência de debates e compromissos referentes à mobilidade ativa sem dúvida enfraqueceu a agenda temática na COP26.

O transporte inclusivo e zero emissão se torna ainda mais urgente diante das discussões sobre a atualização da Política Nacional da Mobilidade Urbana, que poderia entre outras coisas estabelecer subsídios para o transporte público, fortalecer a gestão metropolitana e padronizar dados de mobilidade ao redor do país. O anúncio da comitiva de prefeitos, liderada pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, para pedir ajuda financeira ao governo federal para gastos com o transporte público evidencia a urgência e a crise do setor nas grandes cidades brasileiras.

 

A agenda de transporte e mobilidade na COP26 focou, de maneira desproporcional, na transição tecnológica, embora organizações como a C40 tenham ressaltado a importância de valorizar e fortalecer o transporte público como prioridade climática e social. Mesmo com estes limites observados em Glasgow, a mobilidade urbana sustentável focada na qualidade e ampliação do transporte público, mobilidade ativa e transição tecnológica (nesta ordem) é uma das oportunidades mais valiosas e imediatas que temos de traduzir o enfrentamento global à crise climática em avanços locais de equidade e justiça social e climática. 

Com informações da Assessoria de Imprensa

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