spot_img
HomeCONTEÚDOSSoluçõesCIDADES INTELIGENTES SÃO TRANSPARENTES

CIDADES INTELIGENTES SÃO TRANSPARENTES

Patricia Pessoa Valente
Patricia Pessoa Valente
Doutora e mestre em Direito do Estado pela FD-USP. LLM pela LSE. Pesquisadora do Centro de Regulação e Democracia do INSPER. Sócia do Pessoa Valente Advogados Associados, escritório especializado em Direito Público e Regulação.

A transparência das cidades inteligentes pode ser encontrada na participação e no diálogo com a sociedade no curso do planejamento das políticas públicas, na prestação dos serviços públicos com foco no usuário, na fiscalização do governo realizada em primeiro lugar pelo cidadão, e na simplificação das interações com órgãos e entidades públicas

Tenho refletido bastante sobre como a tecnologia tem transformado e irá transformar ainda mais as cidades. Talvez pela influência dos Jetsons, a primeira imagem que vem à cabeça pode ser de arranha-céus envidraçados e vias áreas repletas de veículos voadores, transitando em alta velocidade. Embora seja louvável o esforço para viabilizar essa cidade do futuro, arrisco a dizer que não é assim que a tecnologia vai dar sua maior contribuição para as cidades inteligentes. É na busca pela transparência que sentiremos essa transformação. Não estou falando dos vidros que revestem os arranha-céus. A transparência a que me refiro é na relação do poder público com os cidadãos.

A transparência das cidades inteligentes pode ser encontrada na participação e no diálogo com a sociedade no curso do planejamento das políticas públicas, na prestação dos serviços públicos com foco no usuário, na fiscalização do governo realizada em primeiro lugar pelo cidadão, e na simplificação das interações com órgãos e entidades públicas. Para todos esses objetivos, a tecnologia é aliada indispensável para aproximar esses dois universos: o público e o privado.



Em certa medida, há algumas décadas, essa transparência seria tão futurista quanto os veículos dos Jetsons ou mesmo dos filmes de ficção científica dos últimos anos. O princípio da publicidade presente na Constituição de 1988 servia para asseverar a impossibilidade de ocultamento de assuntos de interesse de todos e, sobretudo, aos sujeitos individualmente afetados. A transparência, portanto, estava antes de tudo relacionada à garantia da defesa dos cidadãos contra abusos governamentais.

Mas não só. A transparência também exigia afixação de avisos de publicação de editais e de extratos celebrados com particulares no quadro de avisos das dependências públicas, bem como publicação dessas mesmas notícias no diário oficial ou jornal impresso. Recebia-se diariamente as edições dos diários oficiais e passava-se muitas horas até se ter notícia das novidades relacionadas à cidade. A transparência preservava, também, o acesso aos autos dos processos administrativos (físicos, naturalmente). E, mais uma vez, exigia-se afixação, no quadro de avisos e publicação no diário oficial, das decisões públicas para ciência de todos os interessados.

Essa ideia da transparência está a léguas de distância das chamadas cidades inteligentes, definidas na  Carta Brasileira para Cidades Inteligentes. Na transparência de outrora, o governo era, acima de tudo, a autoridade, a quem cabia saber (ou se cercar de quem soubesse) o que seria melhor para a cidade e a sociedade. Ao cidadão, restava desejar o melhor e, principalmente, não atrapalhar as atividades públicas, ficando em dia com os tributos e cumprindo suas obrigações cotidianas para a convivência. As tentativas de inclusão dos cidadãos nos processos decisórios eram alvo de críticas ou ineficazes, e a burocracia algo indissociável ao poder público. Viram até sinônimos no dicionário (por exemplo, fala-se “a burocracia municipal” para se referir ao “município”).

Não de uma hora para outra, vieram as cidades inteligentes para sacudir e ampliar a transparência nas cidades e no direito público. Cidades inteligentes são aquelas que ao mesmo tempo são conectadas e inovadoras, mas também diversas e justas; seguras, resilientes e autorregenerativas; economicamente férteis; e ambientalmente responsáveis. Elas são vivas para as pessoas. Tem o cidadão no foco do planejamento e dos serviços públicos oferecidos. Nesse aspecto são, também, inclusivas e acolhedoras. Possuem governança ampla, aberta e transparente. Estimulam sistematicamente o engajamento dos cidadãos e geram inclusão digital e inovação social, por meio de processos colaborativos.

A Lei Federal nº 14.129, de 29 de março de 2021 (Lei do Governo Digital)1, ao dispor sobre princípios, regras e instrumentos para o aumento da eficiência da administração pública federal, coloca a transparência como vetor de orientação do desenho das soluções tecnológicas a serem adotadas pelo governo. As soluções tecnológicas permitirão dar visibilidade, aos cidadãos, da execução dos serviços públicos e monitoramento da sua qualidade; viabilizar a participação social no processo de tomada de decisão que seja relevante para a sociedade; dar acesso a informações por meio digital, além do presencial; bem como ter acesso a serviços digitais de maneira eficiente. 

As cidades inteligentes são mais transparentes, não apenas nos seus prédios, mas sobretudo na arquitetura das relações estabelecidas entre a sociedade e o poder público. É preciso fazer uma leitura atualizada, portanto, do princípio da transparência ao qual a administração pública está submetida sempre esteve submetida na nossa Constituição de 1988.

1. Se quiserem, os estados e municípios podem adotar a lei, mediante atos normativos próprios (art. 2º, III, da Lei do Governo Digital).

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities 

Artigos relacionados
- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img

Mais vistos