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UM PREFEITO NÃO É A SOLUÇÃO – NOVAS FORMAS DE LIDERANÇA PARA AS NOSSAS CIDADES

Sarah Habersack
Sarah Habersack
Diretora do programa Transformação Urbana da cooperação técnica Brasil-Alemanha da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, onde coordenou, junto ao Ministério de Desenvolvimento Regional, a formulação da Carta Brasileira para Cidades Inteligentes. Especialista em mudança organizacional, desenvolvimento urbano e transformação digital, com atuação na Índia, Europa e no Brasil.

Precisamos de novos modelos de liderança, que questionem a suposição de que precisamos de líderes individuais, que dedicam a vida toda a essa tarefa e tomam as decisões finais sozinhos e sozinhas

Existe um provérbio em diferentes línguas africanas que diz “É necessário uma aldeia para criar uma criança” (It takes a village to raise a child). Ao mesmo tempo, em muitas discussões sobre desenvolvimento urbano parece que para criar e desenvolver uma cidade é preciso só um prefeito (prefeitas normalmente não são mencionadas). Não quero diminuir a importância de um líder político ou uma líder política forte e capaz de tomar decisões claras e bem-informadas. O serviço dos prefeitos e das prefeitas é essencial para um futuro mais sustentável das nossas cidades.

Mas se precisamos de uma aldeia inteira para criar uma criança, como podemos esperar que uma cidade possa ser liderada por uma pessoa só?



Nosso entendimento de liderança é resultado de uma estrutura social patriarcal e um sistema político-econômico orientado na reprodução e expansão do capital e baseado no princípio da competição. Valorizamos tarefas e competências de forma diferente e desequilibrada, cooperação e solidariedade são desincentivados e desvinculamos as necessidades e exigências da nossa vida pública-profissional e daquelas da nossa vida privada.

Um prefeito ou uma prefeita deveria dedicar-se todo o tempo para a liderança da cidade, deve tomar as decisões estratégicas sozinho, idealmente baseado nas informações e avaliações das equipes, deve representar a cidade e deve pensar desde o começo do mandato na reeleição. Ao mesmo tempo sabemos por nossa própria experiência que tomamos melhores decisões, somos mais pacientes, empáticos e eficientes quando dormimos o suficiente,  fazemos exercícios, passamos tempo junto com as nossas famílias e pessoas amigas, nos educamos continuadamente e temos às vezes momentos vazios para pensar, digerir e refletir. Existe um amplo trabalho sobre a importância de organizar o mundo do trabalho de formas mais adequadas para reduzir a desigualdade social, aumentar a estabilidade econômica e diminuir os problemas de saúde pública e violência e fortalecer a democracia.

A pesquisadora Frigga Haug desenvolveu um modelo de reorganização do sistema de produção e reprodução chamado “4 em 1”. A proposta é a redistribuição das horas que dedicamos ao trabalho remunerado para quatro áreas de atividades, (1) trabalho remunerado/emprego, (2) atividade de cuidar e reprodução, (3) atividades para a comunidade/engajamento político, (4) educação e criatividade para realizar os nossos talentos. A hipótese por detrás disto é que a redistribuição vai possibilitar que o estado pague uma renda básica para todos e crie cidadãos saudáveis, conscientes e ativos para modelar um sistema socio-democrático mais justo. Poderia discutir o modelo em detalhe, mas para esse artigo o importante é a relevância para o nosso entendimento de liderança. Acho que todas e todos nós gostaríamos de ter prefeitos e prefeitas, gestores e gestoras públicos, gerentes de empresas e de ONGs e pessoas em cargo de chefia que sejam saudáveis, tenham uma consciência, um entendimento político e uma reflexão crítica sobre as próprias ações.

Para realizar isso precisamos de novos modelos de liderança, que questionem a suposição de que precisamos de líderes individuais, que dedicam a vida toda a essa tarefa e tomam as decisões finais sozinhos e sozinhas. Existem dois caminhos estratégicos para transformar o nosso entendimento, as nossas organizações e a nossa prática nas cidades.

No nível da organização do município, o caminho de mudança é o modelo de liderança política e técnica. Existem modelos que estão sendo testados no setor privado de cargos de liderança compartilhada por mais de uma pessoa, equipes de gestão e formas de revezamento. Aqui existe um potencial grande de aprendizagem e inovação para as prefeituras.

No nível do sistema cidade, a área de mudança é a adoção de processos colaborativos para planejamento, implementação e monitoramento de projetos, políticas e planos. Processos colaborativos podem ir além de audiências públicas. Podem ser desenhados para facilitar novas formas de definir problemáticas, escolher prioridades e tomar decisões.

Modelos compartilhados de liderança

Não são mudanças fáceis e existe o risco de aumentar trabalho e de conflitos, especialmente no começo. A base é que revisitemos e questionemos criticamente o nosso entendimento de lideranças, quais líderes queremos ser e quais pessoas devem nos liderar. Cooperação em tomadas de decisões, precisa de confiança, de profissionalismo e de um olhar para o assunto e não para os próprios interesses ou inseguranças. Que bom que em modelos cooperativos e compartilhados de liderança vamos ter tempo para descansar, passar tempo com família e pessoas amigas, respirar profundamente e pensar sobre o nosso dia e as nossas ações.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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