O perfil do que é descartado mudou completamente nos últimos cinquenta anos, incorporando toda uma gama de embalagens descartáveis, tidas como práticas e modernas. Coube às prefeituras municipais absorver este excesso no seu sistema de coleta
O lixo é um dos maiores problemas na gestão das nossas cidades. Interfere diretamente nas condições da saúde, já que é um criadouro de animais e insetos vetores de doenças. É um problema social, pois incentiva a vida humana em níveis degradantes. É um problema econômico, pois sua coleta, destinação final e, em muitos casos, a remediação dos lixões que hoje são ilegais, consome boa parte dos recursos públicos. E é, sem dúvida, um problema ambiental por contaminar o solo, os rios e o ar.
O lixo é também o produto final de uma lógica de produção e de consumo e não pode ser discutido em separado desse contexto. O perfil do que é descartado mudou completamente nos últimos cinquenta anos, incorporando toda uma gama de embalagens descartáveis, tidas como práticas e modernas. Coube às prefeituras municipais absorver este excesso no seu sistema de coleta.
O custo social e ambiental da reciclagem
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública – ABRELPE, menos de 4% dos resíduos coletados retornam ao processo produtivo como matéria prima, por meio da reciclagem. Um dos principais fatores para esse cenário é o custo. A coleta seletiva significa, minimamente, duplicar o sistema – entre orgânicos e embalagens – ou mesmo triplicar, ao acrescentar os rejeitos.
A partir da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PRNS) foi instituída a corresponsabilidade de consumidores, empresas geradoras de embalagens e demais elos dessa cadeia na gestão do lixo. As associações de empresas de diferentes segmentos assinaram acordos junto ao Governo Federal, comprometendo-se com metas de recolhimento das suas embalagens. Como é impossível para cada produtor de embalagem organizar sistema de coleta seletiva própria para o seu passivo, espera-se que o sistema municipal de limpeza urbana atenda boa parte dessa demanda. Porém, o investimento na logística reversa focou nos demais elos da cadeia econômica da reciclagem e raras foram as exceções de investimento privado no sistema público.
Responsabilidade do consumidor
Quanto à responsabilidade dos consumidores, coube também aos municípios o papel de estabelecer a cobrança de taxas de produção de resíduos. No entanto, nos últimos dez anos, poucas administrações municipais se propuseram a fazê-lo.
Há, porém, um elo em comum entre municípios, empresas produtoras de embalagens e consumidores: os catadores de materiais recicláveis.
A figura do catador se confunde com a história da gestão urbana dos resíduos. Antes de qualquer lei, eles sempre foram os principais responsáveis por desafogar os aterros e os cofres públicos, movimentando a base da cadeia econômica da reciclagem e da logistica reversa e retirando das mãos dos consumidores aquilo que não deveria ir para o lixo. Há décadas esses trabalhadores criaram um sistema de coleta seletiva paralelo e se mobilizam para sair da informalidade. Foram reconhecidos como profissão no código brasileiro de ocupações e pela própria PNRS.
Ao apoiar a organização dos catadores em cooperativas, os municípios criam um sistema de coleta seletiva mais eficiente e que educa a população ao clarificar o destino socioambiental das embalagens que gera. Também reduz os depósitos clandestinos pois oferece condições dignas de trabalho a essas pessoas que alimentam o sistema informal. Ainda, atrai investimentos das empresas de transformação, como recicladoras de plásticos, em virtude do aumento da matéria prima beneficiada.
A parceria entre prefeituras e cooperativas de catadores chama à responsabilidade todos os elos da cadeia, em especial empresas produtoras de embalagens, que, por meio do investimento na infraestrutura das cooperativas, apoiam a gestão pública dos resíduos.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Geógrafa, Mestre em Gestão dos Resíduos Sólidos pela Universidade de São Paulo, atua há 20 anos na organização de sistemas de coleta seletiva. Autora na publicação “Do Lixo à Cidadania: guia para formação de cooperativas de catadores de materiais recicláveis”. Diretora da Visões da Terra, consultoria de projetos socioambientais que apoia na organização da gestão dos resíduos sólidos em 23 municípios no Brasil.