Durante os dez dias que acompanhei a expedição Travessia do Bem, temas relacionados ao impacto do homem no meio ambiente foram recorrentes.
Passamos pela maior crise hídrica do século ocasionada, principalmente, pela falta de chuvas. Sentimos seus efeitos nas cidades, mas quem vive em grandes centros urbanos não tem a sensação dura de ver um rio secando. Testemunhei isso em outubro, quando me juntei a um grupo que percorreu os 830 km do Rio Paraná de caiaque e veleiro. É o segundo maior rio da América do Sul depois do Amazonas, passando por 28 cidades, 24 portos e 14 Unidades de Conservação. A Bacia do Paraná tem mais de 60 milhões de habitantes e área de 2,5 milhões km².
O propósito da Travessia do Bem (www.travessiadobem.com.br) foi fazer um registro das ações de proteção ambiental, mas também da pior seca dos últimos 91 anos. De uma margem à outra, o Paraná pode chegar a 15 km de largura e alcançar uma profundidade de 20 metros. Tanta água parece infinita, mas não é.
O local onde já existiu a maior cachoeira do mundo – o Salto das Sete Quedas – hoje abriga o lago da Usina de Itaipu, a segunda maior hidrelétrica do planeta, e mais três menores. A energia hidrelétrica é uma fonte renovável e suas usinas são estratégicas para a segurança energética do país. E ainda possibilitam o emprego paralelo de fontes intermitentes, como energia solar e eólica. Mas, são dos dois lados e duas perspectivas. Os impactos provocados pela hidrelétrica são positivos e negativos. A energia hidrelétrica é um paradoxo da economia ambiental.
Nas usinas menores, o nível baixo do rio obriga a uma redução da vazão, matando toneladas de peixes. À margem dos rios, conversei com vários pescadores que voltavam com seus barcos vazios. Famílias inteiras sentem a crise na pele. O rio está assoreando, está cada vez mais raso e largo. Sem falar no processo de reprodução da fauna que foi afetado pelas mudanças ambientais.
Outro impacto visível, a hidrovia. A “estrada” dentro do rio fechou para embarcações de grande porte em 2021 pela falta de água. As águas rasas inviabilizam a navegação e, sem ela, o escoamento de produtos agropecuários de 5 estados brasileiros. Mesmo em um veleiro com calado baixo, sentimos por diversos momentos a dificuldade na navegação. A população local nos contava sobre os tempos de cheia. Durante os dez dias que acompanhei a expedição, temas relacionados ao impacto do homem no meio ambiente foram recorrentes. Ao passar na eclusa, descendo do nível da barragem para o leito do rio, é impossível não se surpreender com a imensidão da obra de engenharia hidráulica com suas escadas e elevadores de transposição para peixes na barragem. Algumas discussões sobre abundância e otimismo tornavam-se acaloradas pelas diferentes visões e vivências.
No livro ‘Uma Simples Revolução’, Domenico De Masi cita exemplos para mostrar como vivemos hoje muito melhor que nossos antepassados, que enfrentaram inundações, epidemias e pragas sem ter os avanços da ciência que temos agora. No século passado, quase a totalidade das cidades não contava com saneamento e infraestrutura. Melhores condições em diversas frentes elevaram a expectativa de vida da população. No século XI, o homem não ultrapassava os 30 anos de idade, hoje chegamos aos 70 com qualidade de vida. E o melhor, segundo De Masi, o mundo destina 5% do seu PIB para educação. Somos quase 8 bilhões de cérebros humanos com potencial de escolaridade e conexão capazes de sonhar e realizar.
Mas a abundância não pode ser encarada com conformismo ou letargia. Todos, sem exceção, somos parte do problema. E da solução. Longe de uma visão romantizada sobre os problemas climáticos que vivemos, mas o pessimismo paralisa. O otimismo, ao contrário, faz com que se enxergue mais longe, além das dificuldades. Para inovar, é preciso pensar fora do modelo convencional. Cada nova experiência reforça minha visão de que as pessoas precisam e querem estar envolvidas em processos de transformação.
Navegando, observando, sentindo e sonhando, conheci um ator importante que contribui para a melhoria da cidade: o Rio, suas águas, fauna e flora. Os negócios, pessoas e ambientes que são impactados diretamente por ele. Conhecer, entender e agir. As águas são profundas, talvez o que anda raso demais seja a nossa capacidade de respeitar e preservar o que nasce muito perto da gente e corre para além de onde nossos olhos podem ver.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Consultora de Inovação e Transformação Digital; Palestrante. Conselheira. Investidora Anjo; Diretora de programas da Funpar – UFPR. Mãe do Victor e da Marina. Maratonista. Ex-Presidente da Agência Curitiba de Desenvolvimento e Inovação e do Conselho Municipal de Inovação. Co-fundou e presidiu o Fórum InovaCidades ligado à Frente Nacional de Prefeitos. Atua no Conselho de Mulheres na Tecnologia.