Rever periodicamente as regras que regulam determinados setores é fundamental para que os serviços possam se adaptar às novas condições de mercado, ao avanço da tecnologia e, sobretudo, com relação às necessidades da sociedade
No último dia 22 de setembro, dia mundial sem carro, o Senador Anastasia (PSD-MG) apresentou uma proposta de um novo marco regulatório para o setor de transporte público, o PL 3278/2021. Além de ter ocorrido em um dia criado para conscientizar as pessoas da importância dos modos não motorizados e do transporte coletivo em uma área urbana, o documento foi apresentado no momento em que o setor de transportes públicos enfrenta a sua maior crise, agravada pela pandemia do coronavírus.
Recentemente, outros setores também passaram por um processo de atualização dos seus marcos legais, como o saneamento básico, as startups e o transporte do gás natural. Rever periodicamente as regras que regulam determinados setores é fundamental para que os serviços possam se adaptar às novas condições de mercado, ao avanço da tecnologia e, sobretudo, com relação às necessidades da sociedade.
O texto do projeto de Lei nos trouxe alguns elementos importantes para que o sistema não apresente as fragilidades atuais e possa enfrentar de forma mais adequada em tempos de crise. Definições mais claras relativas aos conceitos de tarifa de remuneração e da tarifa pública. A primeira visa garantir a cobertura dos custos de operação enquanto a segunda é o preço cobrado do cidadão que utiliza os serviços de transporte público. Essa diferenciação é essencial para o correto entendimento de que nem sempre o preço pago nas roletas será suficiente para cobrir custos de operação e investimentos.
A definição das políticas públicas de mobilidade urbana a nível nacional deve ser fundamentada em uma base de dados confiável e atualizada periodicamente. O governo federal já adota esse modelo nos setores de saúde e educação. Contudo, na mobilidade o executivo nacional não possui um sistema de informações sistematizadas sobre os serviços prestados no país. Para solucionar essa falta de dados confiáveis, o PL propõe a criação de um Sistema Nacional de Informações de Mobilidade Urbana.
O estabelecimento de regras claras para os serviços de transporte sob demanda constitui numa ferramenta que pode encerrar as disputas judiciais no que diz respeito à ilegalidade ou não do serviço, bem como ao regramento que permite implantar tributos sobre o transporte individual com vistas à redução da tarifa pública paga pelo cidadão no transporte coletivo.
A crise atual mostrou que os serviços não podem depender exclusivamente das tarifas e o PL explora muito bem as oportunidades de criação de fontes extra tarifárias. Sobre a CIDE, por exemplo, destina o uso de no mínimo 60% dos recursos para investimentos em infraestrutura de transportes para as áreas urbanas. Também trata do uso de recursos dos estacionamentos rotativos, exigência de contrapartidas por ônus causado à mobilidade urbana decorrentes de impactos causados por novos empreendimentos imobiliários. São avanços importantes no que diz respeito ao financiamento extra tarifário dos sistemas de transportes e podem ajudar a mudar a realidade dos serviços atuais.
No quesito transparência, tema bastante questionado e cobrado desse setor, entendo que o PL pode ser mais ambicioso. Poderia ter proposto um padrão e o conjunto de informações a serem divulgadas, permitindo até que os sistemas de diversas cidades fossem comparados.
A proposta é boa e espera-se que o debate seja ágil e que as soluções sejam criadas com a participação dos clientes dos serviços de transporte coletivo, o maior interessado de que tudo isso funcione de forma correta e integrada.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Especialista em Mobilidade Urbana e Mobilidade Ativa, pós-graduado com MBA em engenharia de transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e com formação em gestão pública pelo CLP em São Paulo, com módulo internacional na Kennedy School da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Atualmente ocupa o cargo de Vice-Presidente de Relações institucionais da SEMOVE. Atuou também como consultor em Mobilidade Urbana através da RT2 Consultoria, empresa que fundou em 2005. Ocupou o cargo de Secretário Extraordinário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre entre 2019 e 2020 e foi presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana da ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos por dois mandatos, entre 2018 e 2021.
De 2013 a abril de 2019 atuou como secretário de Transporte e Trânsito de Juiz de Fora (MG), antes de assumir o seu primeiro cargo público fez parte da equipe da Sinergia Estudos e Projetos no Rio de Janeiro nos anos de 2002 a 2012.