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EM CIDADES INTELIGENTES, O RESÍDUO PLÁSTICO DEVERIA SER UM OBJETO DE DESEJO. SE NÃO FOR, NÃO É INTELIGENTE

Tullio Ponzi
Tullio Ponzi
Tullio Ponzi, 36 anos, é Advogado e Expert em ESG, Inovação em Cidades e Redesenho de Políticas Públicas. Desde 2017 é o Secretário Executivo de Inovação Urbana da Prefeitura do Recife, tendo idealizado os Programas Mais Vida nos Morros e o Recicla Mais. Participou do Emerging Leaders Program 2013 da Harvard Kennedy School of Government; é Líder RAPS Brasil 2019 – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade; estudou políticas públicas na The University of Chicago – Harris School of Public Policies; e formou-se em Liderança e Desenvolvimento Infantil pela Harvard University como bolsista da Bernard Van Leer Foundation. Foi Secretário Executivo de Coordenação Geral da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Urbanos de Recife e Chefe de Gabinete da SEPLAG do Governo do Estado de Pernambuco, representando o Estado de Pe em vários conselhos de administração, e também acumula experiências prévias no Porto de Suape e como diretor administrativo da intervenção do Estado no Hospital de Câncer de Pernambuco.

O case do Recife de Upcygling do Resíduo Plástico e Economia Circular

E se um dia não tivesse mais lixo nos rios, nos canais ou nas barreiras? E se um dia o plástico fosse um objeto de desejo? E se um dia todos nós mudássemos de hábito (rapidamente igual passamos a usar máscaras) e pudéssemos ser parte da solução?

Mais que isso.

E se um dia os mobiliários numa cidade fossem feitos a partir de plástico reciclado? E se galpões de reciclagem fossem um dia uma aceleradora de CEO´s ou de negócios de Upcycling? E se um dia depois de tudo isso [ou antes de tudo isso] a gente não consumisse mais plástico [ou apenas para bens que realmente fossem imprescindíveis]?

A ideia central, desde o início, era não só resolver esse grande problema ambiental, a partir de oportunidades de geração de renda, mas sobretudo, a partir da mudança de um comportamento coletivo e da percepção da população sobre o plástico. Ou seja, primordialmente não ver mais um dia o lixo no rio, nos canais, nas barreiras ou nas canaletas.

Isso mesmo. Mudar o imaginário coletivo da população sobre a forma de ver o plástico, começando por uma comunidade, para depois mudar a da outra, das outras e depois da cidade como um todo. A partir do design thinking, vários protótipos de redesenho de processos da coleta de resíduos a partir do engajamento do cidadão, foram testados na prática. Para se ter uma ideia, numa gincana realizada com 20 escolas municipais, em apenas uma semana, foram arrecadadas 4 toneladas de resíduo plástico, demonstrando o potencial que uma solução a partir do engajamento das pessoas pode ter, ou até mesmo via as escolas.

Sempre com muita empatia, mostrando para eles alguns exemplos de possibilidades para o plástico e buscando entender que tipo de objeto os moradores gostariam, ou melhor, desejariam que o resíduo plástico pudesse se transformar.

Olhar para uma garrafa de shampoo que seria descartada e imaginar uma fruteira, ou olhar para a tampinha de água mineral e imaginar uma saboneteira, um porta-lápis, ou até mesmo, uma cadeira, mesa, assentos. Ou ainda olhar para o resíduo plástico e sonhar com algo e ver nele um engajamento comunitário, a união das pessoas em busca daquele objetivo comum, de um bem coletivo, como um balanço para as crianças, uma gangorra, mobiliários urbanos para a praça, ou um corrimão para as escadarias tão carentes de infraestrutura em nossas periferias. Será que isso engajaria as pessoas? Será que isso mobilizaria as comunidades? Ou porque não toda a cidade?

Se precisávamos que a população assumisse o protagonismo, a partir de uma nova percepção sobre o problema, ou melhor, oportunidade, era fundamental entender o que poderia gerar valor para eles ou, diante de um cenário tão desafiador, o que ao menos poderia desestimular o descarte irregular de qualquer sorte daquele lixo no canal, ou ali na barreira do vizinho ou da separação inadequada.

O valor agregado que um processo de upcycling (reciclagem criativa) gera para o plástico já era algo conhecido no Brasil e no mundo como um todo. Inclusive o movimento “Precious Plastic”, criado na Holanda, que o Recife aderiu, existe há anos.

O desafio, portanto, é de comportamento coletivo, de Mindset do Poder Público, mas sobretudo de redesenho do sistema, de processos e dos estímulos comportamentais.

Foram com essas diretrizes que, ainda em 2019, a secretaria executiva de inovação urbana do Recife, pasta municipal criada para dar novas soluções aos desafios urbanos em colaboração com a população, começou a prototipar o “Programa ReciclaMais”, lançado no Julho sem Plástico de 2020, pelo então Prefeito Geraldo Júlio e que vem sendo ampliado pelo Prefeito João Campos.

O Reciclamais conta com três eixos estratégicos. 1) Conscientização e mudança de comportamento coletivo; 2) Reinvenção dos Mobiliários Urbanos; 3) Geração de Renda;

1) Conscientização e mudança de comportamento coletivo

O primeiro focado na conscientização e na mudança de comportamento coletivo, promove feirinhas nas comunidades, onde os moradores recebem orientações e separam mensalmente o lixo plástico, para troca de objetos e artefatos fabricados a partir do próprio plástico.

De forma pedagógica, essa feira gera uma percepção diferente de adultos e crianças sobre aquilo que até instantes atrás as pessoas descartavam de qualquer sorte.

As comunidades fazem filas para participar da feirinha. Até que a secretaria decidiu dar mais um passo e substituir esse benefício individual, por benefícios coletivos, a exemplo de lixeiras, assentos de bancos para toda a comunidade. Agora o benefício individual (ex. porta-lápis ou saboneteira), é apenas para o momento inicial de adesão das comunidades. 

Hoje em dia, o programa conta com 15 comunidades, impactando diretamente a vida de 4000 famílias. Mas o que demonstra a consolidação desse novo hábito, independentemente do incentivo, e reforçando cada vez mais a conscientização ambiental, é o fato de que essas comunidades começaram a abdicar do seu benefício coletivo em prol de outras duas comunidades, para que todo o plástico arrecadado fosse transformado em mobiliários urbanos para as crianças.

É isso mesmo. Comunidades atuando em rede e de forma inteligente.

2) Reinvenção dos Mobiliários Urbanos;

Imagine o impacto no orçamento público municipal na produção em larga escala de mobiliários urbanos para as praças, parques, ou para as escolas. É exatamente sobre isso o segundo eixo, que é focado na produção de mobiliários urbanos para a cidade. O objetivo é produzir mobiliários em larga escala para implantação na cidade. Bancos, assentos, brinquedos infantis, até mesmo corrimão, já foram implantados pela cidade, com a previsão de larga escala em 2021.

3) Geração de Renda;

Por fim, o eixo da geração de renda. O Recife tem 8 Cooperativas apoiadas pela Prefeitura e até o final do ano serão o alicerce desse redesenho do processo de resíduos plástico. Mas o fato é que hoje a Cooperativa Palha de Arroz, localizada no Arruda, região famosa pelo seu canal poluído, faz o KG do Resíduo Plástico que era R$ 1,80 alcançar R$ 100,00 ou R$ 150,00, a depender dos lindos produtos comercializados em sua loja online @palhadearroz.

 É sobre o plástico ser um objeto de desejo. Mas é sobre o plástico, aquela garrafa de shampo, de condicionador ou a tampinha, simbolizar a transição de uma cidade para uma economia mais verde, circular, de baixo carbono, de inclusão.

Para mim, se existe uma cidade inteligente, ela precisa sonhar junto com a população. Se não sonhar, não é inteligente.

E agora o sonho é imaginar um dia startups nascendo nos galpões de reciclagem, gerando ainda mais valor para o plástico, renda para as cooperadas ou agora CEOs de suas Startups em sociedade com empreendedores, líderes de maker spaces, universitários. Enfim, reinventando um ecossistema de inovação e empreendedorismo local, trazendo ele cada vez mais para a realidade dos desafios urbanos, ou por que não, imaginar um galpão de “negócios de upcyling”, hoje do plástico, mas amanhã de todos os resíduos.

A inovação do Recife, repito, não é por ser a primeira política pública de Upcycling do Plástico no Brasil, o que por si é muito impactante e pode promover mudanças estruturais na economia de qualquer município. Mas é em redesenhar o sistema de resíduos, sob os ditames da Economia Circular e a partir do protagonismo do cidadão.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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