Após mapeamento do terreno com drone, engenheiro traçou diferentes cenários de transição energética para a ilha
A substituição da fonte de energia térmica pela fotovoltaica é, de forma geral, um movimento mitigador de prejuízos financeiros e ambientais. No caso da ilha de Fernando de Noronha (FN), por se tratar de uma das principais referências turísticas do país, a transição também representaria uma vantagem simbólica, uma vez que se alinha ao conceito de turismo sustentável – tendência crescente nos últimos anos.
“Ainda hoje, FN depende da importação de óleo diesel para seu abastecimento elétrico. Apenas 8% da eletricidade gerada na ilha é oriunda de fontes renováveis. Além da maior emissão de poluentes atmosféricos, isso gera muitas despesas relacionadas com a compra, transporte e armazenamento de óleo diesel”, detalha o engenheiro ambiental Daniel Carneiro Salim, pesquisador do Instituto de Geociências (IGC) da UFMG.
Mediante o mapeamento do território da ilha de FN por meio da fotogrametria com drone, Daniel Salim elaborou diferentes propostas para a transição energética renovável, levando em conta variáveis como custo dos sistemas, preservação de áreas verdes e o engajamento da população. O pesquisador também identificou, no território da ilha, as superfícies que são capazes de gerar energia fotovoltaica, e se essa fonte é capaz de suprir toda a demanda energética da ilha.
A pesquisa resultou na dissertação de mestrado A combination of UAV photogrammetry and GIS irradiation modeling to suggest scenarios of PV transition in Fernando de Noronha Island (PE, Brazil), defendida no dia 30 de março, no Programa de Pós-graduação em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais.
Cenários
A transição energética no modo ‘descentralizado’, de acordo com o engenheiro, se daria por meio da instalação de módulos de energia fotovoltaica nos telhados dos imóveis. “Nesse caso, a prioridade é evitar a ocupação do solo, mantendo as áreas preservadas. Do ponto de vista ambiental, o aproveitamento máximo dos telhados é o ideal”, argumenta. Essa opção seria também importante, na avaliação de Daniel Salim, porque implicaria engajamento da população local no processo.
Por outro lado, haveria ganhos no campo da logística com a eventual construção de uma grande usina de energia fotovoltaica, em vez de vários pequenos sistemas. Essa alternativa também ficaria muito mais barata. “A ilha tem espaço para isso, ou seja, dispõe de muitas áreas abertas com potencial fotovoltaico suficiente para atingir a transição”, acrescenta o ambientalista. As áreas sugeridas para instalação das usinas, como sublinha o autor, são aquelas previamente desmatadas, o que não aumentaria a pressão sobre as terras com vegetação.
Daniel Salim elaborou nove cenários para a distribuição dos sistemas entre os telhados e as áreas abertas, variando no número de imóveis adaptados (25%, 50% ou 75% das edificações) e na proporção da área ocupada em cada telhado (10%, 25% ou 50% das superfícies). Conforme a projeção do autor, a transição energética da ilha dependeria da concepção de um sistema fotovoltaico capaz de produzir anualmente 20,2 gigawatts-hora (GWh) – o mesmo volume gerado em 2018 pela termelétrica de Tubarão, atualmente a principal fonte de abastecimento da ilha.
“No cenário mais barato, 25% das edificações da ilha teriam seu próprio módulo fotovoltaico, que ocuparia 10% da superfície do telhado. A área total dos sistemas seria de 6.204 m², indicando um potencial de produção fotovoltaica anual de 1,7 GWh. Isso demandaria a produção anual de outros 18,5 GWh por via de usinas fotovoltaicas, que ocuparia 6,6 hectares. A descentralização, nessa hipótese, seria de 8,5 %, e o custo aproximado dos sistemas fotovoltaicos seria de US$ 550 mil”, detalha o pesquisador. No cenário diametralmente oposto, com descentralização de 100%, o custo chega a US$ 2,16 milhões.
Como apurou Daniel Salim, em 26 áreas abertas na ilha de FN, o potencial de geração fotovoltaica anual é de 67 GWh. Já o potencial dos telhados é de 51,6 GWh. “Se somados, temos o equivalente a quase seis vezes o montante de eletricidade gerada pela termelétrica de Tubarão”, informa.
Backup
De acordo com o autor, a geração deve ser integrada com um sistema de baterias inteligentes e um equipamento a diesel operando minimamente para controle da frequência e tensão na rede de distribuição, como alternativa de backup. Dessa forma, durante a noite ou em dias nublados, o sistema de bateria compensaria o menor fluxo de energia fotovoltaica.
Daniel Salim esclarece que seu estudo é restrito à logística e aos custos da usina e dos sistemas descentralizados, mas não contempla toda a mudança na estrutura da ilha, que inclui, por exemplo, além do sistema de backup, a manutenção da rede de distribuição e de aplicações smart grids (sistemas de transmissão de energia elétrica dotados de tecnologia da informação).
O autor também observa que, embora o estudo de caso tenha sido procedido em um ambiente de ilha remota, com sistema de energia isolado, o fluxo de trabalho proposto pode ser replicado em várias escalas e em praticamente qualquer ambiente. Comunidades isoladas em florestas, regiões áridas, cidades conectadas ao sistema nacional de energia, áreas de zoneamento específicas (residenciais, comerciais, industriais, recreativas) e empresas privadas (propriedades agrícolas e rurais, hotéis, fábricas, entre outros) estão entre as possibilidades de aplicação da metodologia.
“Os resultados dessa pesquisa contribuem para que as cidades tenham energia acessível e limpa e fomentem a indústria, a inovação e a infraestrutura”, conclui Daniel Salim.