Uma boa amizade é estruturada pelo diálogo, onde a comunicação é uma via de mão dupla e tem como objeto principal gerar relacionamento
Aristóteles aborda a amizade como um dos pilares do pensamento ético e político. A vida em comunidade requer um olhar menos individualista, é preciso querer o bem e enxergar o outro para que haja harmonia, reciprocidade, felicidade e justiça.
No Brasil, a relação cidadão e gestor público está cada vez menos harmônica. Há injustiça quando um político eleito não cumpre suas promessas no tempo esperado. Por outro lado, é potencialmente injusto gerar expectativas de celeridade sem conhecer os trâmites inerentes a qualquer ação de governo.
A tecnologia pode melhorar ou piorar este cenário. O fenômeno das fake news em muito é justificado pela união de uma retórica persuasiva com a facilidade de compartilhamento. Falsas denúncias são um desserviço que gera gastos desnecessários, seja para fiscalizar um boneco na praia em tempos de pandemia, seja para mobilizar uma equipe a tapar um “buraco falso” que alguém denunciou num aplicativo.
Como podemos unir retórica aristotélica e tecnologia em favor do bem comum?
Ora, um dos caminhos é resgatar credibilidade nesta relação. Ao gestor, é preciso compreender a desconfiança da população e fomentar pontes de comunicação, onde a tecnologia é aliada, mas requer cuidados. Para lançar um serviço online à comunidade, é imprescindível estar preparado para, minimamente, dar resposta às solicitações. Uma boa amizade é estruturada pelo diálogo, onde a comunicação é uma via de mão dupla.
Atuo há mais de 20 anos com softwares e aplicativos para resolver problemas de cidadãos e gestores públicos. Tive a alegria de observar vários casos de sucesso, em sua maioria, devido ao compromisso das partes em preservar o diálogo.
A pandemia nos trouxe a realidade da comunicação online em tempo integral. Tenho conversado com muitos municípios sobre os desafios na implantação de soluções. Entre as diversas dores, está a incapacidade do ente público em dar respostas à população, e há várias justificativas para isso: inúmeras reclamações e demanda reprimida, falta de recursos e/ou agentes para atender de ponta a ponta, ausência de uma ferramenta online ou mesmo a incapacidade da atual solução em priorizar o que é relevante.
Protagonismo do cidadão
Os começos são sempre difíceis e, até que se consiga o esperado, há uma série de contratempos. Há várias boas soluções de engajamento onde o cidadão é o protagonista, entretanto, há também aquelas focadas no agente público municipal.
É importante garantir meios de fiscalização, ampliar canais de ouvidoria, compreender que manifestações são lícitas e necessárias. Por outro lado, é fundamental empoderar o agente público com ferramentas capazes de gerar eficiência e transparência. Não é difícil observar agentes municipais realizando serviços sem qualquer registro, quando muito, utilizando um talão de papel ou um checklist manual. Dificilmente isso irá gerar dados concretos para tomada de decisão e prestação de contas.
Uma abordagem eficiente é dar aos agentes em campo a possibilidade de relatar em tempo real o que está sendo realizado, por exemplo, na zeladoria urbana, com encarregados de obras ou fiscais de posturas. Este procedimento coleta dados reais estruturados, promove o monitoramento online das ações, possibilita antever problemas e ainda fornece respostas antecipadas sobre o andamento dos trabalhos.
A população é bombardeada diariamente com casos de insucesso, corrupção e ineficiência pública, é natural estar cansada. Talvez seja o caso de dar ao agente municipal a possibilidade de gerar informações de forma espontânea a partir do seu próprio trabalho. Há tecnologias caras, baratas e gratuitas para isso, mas é preciso alcançar essa percepção e vontade política para agir. Lembre-se de Aristóteles: o objeto principal da política é criar a amizade entre membros da cidade.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
CEO da Lemobs, GovTech focada no processo de transformação digital das cidades brasileiras, e sócio-fundador da HealthTech ProntLife. Doutor pela COPPE/UFRJ, com mais de 20 anos de experiência em projetos de inovação envolvendo softwares e aplicativos.