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Morte e IA: A Longevidade Extrema na Sétima Década do Século XXI

Bernardo D’Almeida
Bernardo D’Almeida
Recifense, economista pela UFPE, Auditor do Tesouro Estadual. Atuou como Executivo de Gestão por Resultados nos Pactos pela Vida, Saúde e Educação do Governador Eduardo Campos. Foi Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, CEO do Porto de Suape, Executivo da Administração Tributária do Estado de Pernambuco. Ainda foi Secretário de Educação do Recife na gestão do Prefeito Geraldo Júlio e atualmente é Diretor-presidente da EMPREL do atual Prefeito do Recife João Campos.  

IA, saúde e finitude: os novos debates de um planeta que envelhece devagar e vive muito.

Ao alcançarmos a sétima década do século XXI, a humanidade vive uma transformação inédita: a longevidade atinge níveis que antes pertenciam apenas à ficção. Graças à medicina de precisão, terapias personalizadas, edição genética, sensores biométricos contínuos e IA aplicada à saúde, doenças crônicas são evitadas antes mesmo de se manifestarem. O envelhecimento fisiológico desacelera; o corpo humano se torna mais resiliente, mais eficiente e mais duradouro.

A experiência de envelhecer muda profundamente. Os 80 anos do passado equivalem agora aos 50 de outrora; e os 100 anos tornam-se marco comum. A vida se expande para além do que as gerações anteriores poderiam conceber, e essa expansão traz consigo impactos psicológicos, sociais e filosóficos. Quando viver muito era privilégio de poucos, a longevidade era celebrada como triunfo. Mas quando todos vivem mais — e com alta qualidade — um novo sentimento começa a emergir.

A IA, além de prevenir doenças, também acompanha, interpreta e prediz humores, memórias e comportamentos. Ela se torna curadora da saúde mental e guardiã das experiências acumuladas. Cada pessoa passa a dispor de um registro vivo de sua trajetória, capaz de restaurar lembranças, organizar narrativas e dar sentido ao passado. Isso gera um paradoxo: quanto mais plena a vida, mais intensa a sensação de completude. E quanto mais completa, mais a morte assume um novo significado.

Ao mesmo tempo, a própria sociedade se reorganiza. O ‘tempo livre’ deixa de ser um luxo e se torna a questão central da existência. Aqui, a utopia do ‘ócio criativo’, prevista pelo filósofo italiano Domenico De Masi, encontra sua realização ou seu maior desafio. Com a IA gerenciando a complexidade logística do mundo e a saúde do corpo, os humanos são confrontados com a liberdade de usar décadas de vida extra para a fusão entre trabalho, estudo e lazer, focando na criação de sentido. Aposentadorias são reinventadas, ciclos da vida tornam-se múltiplos e novos propósitos surgem. A morte, paradoxalmente, torna-se ainda mais preciosa — porque surge como último território de mistério em um mundo que tudo explica, tudo mede, tudo prevê.

O ser humano, que por milênios temeu a morte e buscou adiá-la, começa a encará-la como experiência final — talvez até desejável. Não por desesperança, mas por saturação. Quando “tudo já foi vivido”, quando a existência se torna vasta, rica e extensa, surge um novo tipo de cansaço: não um cansaço físico, mas um cansaço do tempo. A morte, antes inimiga, passa a ser compreendida como etapa natural de um ciclo pleno, não como ruptura traumática.

Nesse novo horizonte, dilemas éticos se intensificam. Como definir o momento certo de partir? Quem decide? O próprio indivíduo? A família? Um sistema regulatório? A IA pode ajudar na tomada de decisão, mas não pode determinar o valor metafísico da existência. A humanidade reencontra questões filosóficas ancestrais, agora sob novas lentes tecnológicas.

A grande lição dessa era é que, por mais que ampliemos a vida, jamais eliminaremos sua finitude. E talvez seja esse limite que preserve nossa humanidade. A morte, sempre temida, revela-se como última aventura — a única experiência que nunca foi vivida, a única porta que permanece fechada ao conhecimento algorítmico.

No século da longevidade extrema, a IA permite que vivamos melhor, por mais tempo, com mais sentido. Mas não nos liberta da condição essencial: somos seres finitos. E é justamente essa finitude que dá profundidade à vida. A morte, enfim, deixa de ser ausência — torna-se culminação.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Portal CSC 

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