Se você já ficou perplexo tentando responder: “por que temos tantos bons projetos de mobilidade urbana, enquanto nas ruas nada muda?”, você não está sozinho. Por trás dessa aparente falta de eficácia não estão exatamente a falta de recursos ou de alternativas, mas a forma como o jogo institucional funciona.
É exatamente sobre ele que a Public Choice Theory — ou Teoria da Escolha Pública — se debruça.
Por que a decisão não segue, necessariamente, o interesse da maioria?
A Public Choice revela que o comportamento de eleitores, representantes eleitos, grupos de interesse, servidores e empresas são regidos pela mesma lógica: a do interesse próprio — tentando minimizar custos e maximizar benefícios.
Isso quer dizer que o modelo institucional de tomada de decisão não responde automaticamente às necessidades da maioria, ele responde às pressões de grupos organizados. Por que?
- A maioria, sendo um conjunto amplo e disperso, enfrenta o chamado custo de organização. É preciso tempo, recursos, disposição e interesse compartilhado para que pessoas que usam o transporte coletivo, a calçada ou a ciclovia formem um grupo capaz de fazer pressão.
- Por outro lado, determinados grupos — como empresas concessionárias, comunidades de interesse ou até determinados moradores — são concentrados e homogêneos, compartilhando um interesse específico. Isso faz com que seu custo de organização seja baixo e seu poder de influência sobre o poder político seja maior.
Frustrações de Técnicos e Urbanistas
Isso quer dizer que o técnico, o planejador urbano, o gestor comprometido, que quer implementar uma faixa exclusiva de ônibus, uma nova ciclofaixa ou um modelo de compartilhamento de patinetes, não enfrenta exatamente dificuldades de engenharia ou de projeto. Ele enfrenta um modelo institucional que responde às pressões organizadas — que quase sempre vêm de grupos que se beneficiam do status quo.
É por isso que tantos planos de mobilidade, tantos estudos de tráfego, tantos modelos inovadores de parceria acabam sendo engavetados. Por trás de cada decisão, estão grupos tentando minimizar suas perdas e maximizar seus lucros. E quando se trata de abrir caminhos para a mobilidade urbana sustentável, existem mudanças que nem sempre são vistas como um incremento nos ganhos dos decisores, seja devido ao risco de colocar a jogo o capital político, ou do apego de que aquela única vaga de estacionamento defronte à loja seja responsável pela vida ou morte do estabelecimento.
Mas isso não quer dizer que o interesse coletivo não seja importante. Apenas quer dizer que ele não consegue se fazer valer automaticamente, ele precisa se organizar para ter voz.
A saída: organização da maioria
Isso quer dizer que o caminho para vencer a resistência não está apenas nas mãos de um gestor esclarecido, de um técnico competente ou de um grupo eleitoral esclarecido. Ele passa pelo poder de organização da sociedade.
E ele não precisa, obrigatoriamente, se dar pelo modelo tradicional de comunidades de moradores. Ele também pode acontecer nas redes, nas comunidades online, nas comunidades de interesse compartilhado — recentemente, tenho visto o LinkedIn como uma ferramenta válida — que usam o espaço compartilhado para dar forma às suas demandas.
Isso faz toda a diferença, porque ele barateia o custo de organização, fortalece a posição da maioria, fortalece o interesse coletivo nas negociações e proporciona ao poder institucional um sinal claro e permanente de que determinados caminhos, como a mobilidade sustentável, estão sendo exigidos pelos cidadãos.
Uma nova dinâmica institucional para a mobilidade urbana
Com maior organização da população, o debate passa a refletir melhor o interesse coletivo. Isso quer dizer que:
- Políticas como a priorização do transporte coletivo, a expansão de redes cicloviárias, a intermodalidade, áreas de trânsito calmo e outras alternativas serão não apenas tecnicamente possíveis, como também politicamente viáveis.
- A nova dinâmica fortalece o poder de grupos que representam o interesse compartilhado, aumentando o custo político de atender apenas a grupos específicos.
- Dessa forma, o modelo institucional passa a atender tanto ao interesse da maioria quanto ao interesse de grupos específicos, tentando minimizar a desigualdade de representação.
Compreender o modelo de Public Choice na administração pública não significa resignar-se às dificuldades.
Muito pelo contrário. Significa dar nome ao problema e encontrar caminhos para vencê-la.
E o caminho passa pelo poder de organização da maioria — pelo compartilhamento de interesse, pelo uso de redes, pelo envolvimento permanente da comunidade nas discussões.
Se formos capazes de fazer com que o interesse coletivo apareça de forma organizada nas comunidades online, nas audiências públicas, nas redes de interesse compartilhado, ele passa a ter o mesmo peso institucional que determinados grupos concentrados vêm exercendo até aqui.
Então, se quisermos realmente avançar no tema da mobilidade urbana sustentável, precisamos não apenas de soluções técnicas, como também de organização de interesses semelhantes, de modo que os tomadores de decisão comecem a associar esse tema à maximização dos seus lucros – seja por ganho de popularidade, voto, ou qualquer outro incentivo que valha a pena arregaçar as mangas e promover mudanças.
O que definitivamente precisamos é enxergar o jogo com clareza, sem romantização, para usarmos as mesmas ferramentas de interesses para equilibrarmos a discussão urbana.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade da autora, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities.

Urbanista, especialista em Engenharia de Tráfego, Planejamento e Gestão de Trânsito, com MBA e experiência profissional em Gestão Pública. Fundadora da empresa URBdata®, coordena o curso de Especialização em Mobilidade Urbana Sustentável da Unyleya e preside o Instituto URBbem.