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Bispos da América Latina, África e Ásia denunciam o “capitalismo verde”

Conferências episcopais criticam “falsas soluções” em documento que faz apela à Justiça climática. Texto foi enviado ao papa Leão XIV

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresentou, ontem, o documento Um chamado por justiça climática e a Casa Comum: conversão ecológica, transformação e resistência às falsas soluções. A iniciativa marca a posição oficial da Igreja Católica no Brasil e das conferências episcopais da América Latina, África e Ásia em relação à crise climática global e às discussões que serão levadas à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, marcada para novembro, em Belém.

No mesmo dia, o texto foi entregue à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e será apresentado amanhã à Câmara dos Deputados, durante audiência pública.

Com duras críticas ao modelo econômico vigente, o documento denuncia o avanço das chamadas “falsas soluções”, como o “capitalismo verde”, e alerta que não é possível enfrentar a emergência climática com propostas baseadas na mesma lógica que a provocou.

“Não se supera a crise ambiental com soluções vindas do mesmo sistema que a provocou”, afirmou Dom Vicente de Paula Ferreira, presidente da Comissão Episcopal para Ecologia Integral e Mineração da CNBB. “É preciso romper com a lógica do lucro a qualquer custo, e propor caminhos realmente transformadores, que coloquem a vida, a justiça e a dignidade no centro. Nossa fé nos convoca a isso. O cuidado com a Casa Comum não é uma questão ideológica, é uma questão de fé.”

O documento também foi entregue ao Papa Francisco, em audiência no Vaticano, pelo presidente da CNBB e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), cardeal Dom Jaime Spengler. Em vídeo enviado de Roma, Dom Jaime relatou que o pontífice acolheu o texto com atenção e reafirmou sua preocupação com os impactos da crise ambiental sobre os mais pobres. Francisco também demonstrou interesse em participar da COP30, diante do convite oficial do governo brasileiro.

“A entrega foi muito significativa. O Papa está consciente do papel da Igreja nesse momento e da urgência de um debate climático que leve em conta os excluídos, os povos originários, os pequenos agricultores, as comunidades periféricas. A ecologia integral exige uma mudança de paradigma. Não é uma questão técnica. É uma escolha ética, espiritual e civilizatória”, afirmou Dom Jaime.

Articulação

Fruto de mais de um ano de escuta e articulação entre conferências episcopais do Sul Global — Celam (América Latina e Caribe), Secam (África) e FABC (Ásia) — o texto expressa o olhar da Igreja que está nos territórios mais vulnerabilizados pelos efeitos das mudanças climáticas. Segundo os bispos, a destruição ambiental tem rosto: são os povos que vivem às margens dos rios poluídos, nas periferias urbanas, nos campos sem água ou sob ameaça de expulsão por projetos predatórios.

“O fato de a COP30 ocorrer no Brasil nos chama a uma atuação mais intensa”, afirmou Dom João Justino de Medeiros, primeiro vice-presidente da CNBB. “A Igreja, com sua capilaridade, está presente nos lugares onde a degradação ambiental tem consequências diretas sobre a vida das pessoas. Temos o compromisso de articular a Igreja em todos os níveis — paróquias, dioceses, pastorais — e somar com os povos e organizações que constroem alternativas reais.”

O bispo ressaltou que o documento é fruto de um processo coletivo: “Não foi um texto feito em gabinete. Ele incorpora escutas, reflexões e experiências concretas de comunidades, pastorais sociais, povos originários e organizações ecumênicas. É a voz do Sul Global ecoando com autoridade espiritual e compromisso ético”.

Fé e incidência política

Durante a coletiva, os bispos reforçaram que a justiça climática está no centro da ação pastoral e deve se manifestar tanto em gestos cotidianos quanto na incidência política. “Quantas ações concretas nascem nas comunidades: proteção do rio, cuidado com a floresta, preservação da rua, da casa, da rua do vizinho. Isso tudo é ecologia integral”, afirmou Dom Vicente. “Mas também temos que enfrentar os grandes projetos destrutivos, como o chamado ‘PL da devastação’, que ameaça enfraquecer ainda mais o licenciamento ambiental no Brasil. A Igreja tem denunciado esses retrocessos.”

Segundo ele, é necessário desconstruir a ideia de que desenvolvimento e sustentabilidade são conceitos opostos. “Temos que romper com esse discurso que coloca progresso contra natureza. É possível uma vida boa com sobriedade, com respeito, com encantamento. A doutrina social da Igreja nos aponta isso. O Evangelho nos desafia a não servir a dois senhores. Ou cuidamos da vida, ou nos curvamos ao lucro que mata”, disse.

O documento também reforça o papel da espiritualidade como força transformadora. “Falamos de conversão ecológica. Isso significa reconhecer que o modo como vivemos está doente. Precisamos de outra forma de nos relacionar com a criação, com os outros e conosco mesmos”, afirmou Dom João Justino.

O texto será utilizado como ferramenta de mobilização da Igreja nos encontros regionais da CNBB até novembro. Além disso, será entregue a parlamentares e autoridades do Executivo, com o objetivo de reforçar a contribuição da Igreja para o debate público e estimular ações efetivas diante da crise ambiental.

“Acreditamos que esse documento pode abrir novos espaços de escuta, diálogo e responsabilidade. Oxalá, possa nascer dele algo importante para o nosso Brasil, para o nosso mundo, para o nosso povo”, concluiu Dom Vicente.

Fonte: Correio Braziliense

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