spot_img
HomeSem categoriaFluidez e segurança são contradições da mobilidade urbana

Fluidez e segurança são contradições da mobilidade urbana

Julia Maria D’Andrea Greve e Mauro Zilbovicius explicam que a mudança comportamental e o respeito às leis são essenciais para a proteção de quem se locomove

O Estado de São Paulo registrou 1.416 mortes em acidentes de trânsito entre janeiro e março de 2025, segundo o Infosiga, sistema do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). A categoria de pedestres foi a mais acometida pela análise, com cerca de 288 vítimas. A problemática faz parte de discussões sobre a mobilidade urbana — a capacidade de as pessoas se deslocarem, de modo coletivo ou individual.

Mauro Zilbovicius, professor da Escola Politécnica da USP (Poli-USP) e ex-diretor da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo, explica que a mobilidade envolve uma disputa entre fluidez e segurança. “Tem uma questão fundamental sempre, que é garantir, ao mesmo tempo, no tráfego, segurança e fluidez, dois objetivos que são contraditórios. Quanto mais fluidez no trânsito, menos segurança. Quanto mais segurança, menos fluidez”, explica. Para o especialista, a mobilidade vale para todos: pedestre, motociclista, ciclista, carroceiro e motoristas. “Todo mundo tem direito de se mover. E tem direito à segurança.”

Julia Maria D’Andrea Greve, professora da Faculdade de Medicina da USP, explica que os fatores de risco para acidentes de trânsito estão ligados, em sua maioria, a negligências humanas. “Você ter um comportamento inadequado, excesso de velocidade, furar o farol vermelho, ter uma conduta, vamos dizer, perigosa, dirigir embriagado. O celular também é outro fator importante de acidente, porque ele distrai bastante a atenção”, destaca.

Pedestre: o elemento mais frágil

A médica destaca que as pessoas que caminham a pé são as mais suscetíveis a eventos violentos, seguido por ciclistas, motociclistas, veículos menores e maiores. “Teoricamente, o maior deveria sempre respeitar os menores. Então, o pedestre é o indivíduo que tem o maior direito no trânsito, mesmo se ele estiver atravessando uma rodovia, e se você percebe que ele está lá, não é porque ele está errado que você vai atropelá-lo.” Ela defende que é necessário educar os caminhantes em relação às travessias seguras e obedecer os comandos de semáforos.

Segundo Julia, os principais traumas atendidos nas emergências de hospitais são o cranioencefálico, as lesões medulares e as fraturas de membros inferiores. “No trauma cranioencefálico, o indivíduo tem uma perda de habilidade motora, de sensibilidade da parte cognitiva e da fala. As lesões medulares também são graves e podem forçar uma incapacidade grave”, explica. As fraturas expostas de membros inferiores apresentam um fator de risco: a exposição dos tecidos, que pode ocasionar infecções. A médica destaca que, na maioria das vezes, os pacientes não conseguem retornar às funções de antes do acidente.

Em relação aos motociclistas, ela afirma que é recomendável o uso de equipamentos de segurança: bota com perneira, casaco de couro mais grosso e capacete. Mauro Zilbovicius complementa: “Mobilidade é conflito, conflito por espaço e por tempo. Quem pode mais, ganha mais, e o automóvel é uma arma, se não for usado com responsabilidade”.

De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o perfil dos acidentados é de homens jovens, com menos de 25 anos. Julia chega à mesma conclusão, e comenta do machismo no trânsito: “Em uma família, geralmente, quem é o motorista é o homem. Eles são mais agressivos no volante, andam mais depressa. Não que a mulher não faça, ela faz também”. Para a professora, a normalização da ingestão de álcool entre o público masculino e a parcela de homens motoristas também colaboram para o índice.

Julia expõe que o processo de recapacitação das vítimas sobreviventes se inicia no momento em que começa o tratamento, visto que são pacientes com tendência a complicações como úlceras, escaras e amputações. Os cuidados passam pelo ensino de lidar com possíveis dificuldades: esvaziar a bexiga e o intestino, limpeza do corpo, dessensibilização de partes do corpo e disfunções sexuais.

Outro obstáculo é o apoio na recuperação: “Muitas vezes, uma lesão grave precisa de um suporte familiar. O centro de reabilitação pode ser longe da casa dele, sem transporte adequado e nem sempre as famílias podem abrir mão de quem trabalha para cuidar e também não conseguem pagar o cuidador”, explica. A terapia ocupacional se apresenta como outra via de recuperação, pois a pessoa acidentada precisa aprender a se cuidar com suas condições físicas.

Segurança, acidentes e violência

Mauro Zilbovicius esclarece que é importante que o Estado fiscalize e puna violações às leis de trânsito e às manutenções dos veículos. Para o professor, o Código Brasileiro de Trânsito é fruto de pressões políticas: “Na gestão presidencial anterior foi aumentado o número de pontos, que permite fazer mais infrações que antes. É o governo falando: ‘Pode fazer, não tem problema’”.

Na visão do ex-diretor da CET, as multas aplicadas aos motoristas são efetivas, desde que gerem prejuízos a quem comete infrações: “Se você sabe que vai ser punido, que vai custar caro e que efetivamente toda infração vai ser cobrada, não vai ter infração”. De acordo com o Detran-SP, foram aplicadas 2,3 milhões de multas entre janeiro e agosto de 2024. Dentre as principais causas, estão: uso de celular durante a direção, falta de registro e licenciamento dos veículos e falta de uso do cinto de segurança. Para o especialista, o pouco debate acerca do destino do dinheiro arrecadado pelas multas e as propagandas são fatores que colaboram para o cenário.

Ele defende o incentivo ao transporte coletivo: “O ideal é que o automóvel seja usado em complemento ao sistema público”. Para Zilbovicius, a segurança do percurso entre a moradia, o trabalho e o meio de deslocamento faz parte da mobilidade urbana. O professor lembra do caso de Bruna Oliveira da Silva, estudante da USP encontrada morta após sair de uma estação de Metrô. “Essa ‘última milha’, da estação do Metrô até a casa, é um risco. Teria que ter mais condições de proteção para o pedestre. A mobilidade no sentido do direito de ir e vir, que essa moça não teve.”

Julia Maria D’Andrea Greve recomenda que, ao se presenciar um acidente de trânsito, não ocorra movimentações civis da vítima e a área seja isolada, para evitar mais imprevistos. “Se você tiver a vítima sangrando muito ou engasgada, você ainda pode tentar fazer alguma coisa, se você tiver experiência. E chamar imediatamente o socorro”, explica.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo

Fonte: Jornal USP | Isabella Lopes

Artigos relacionados
- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img

Mais vistos

- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img

Mais vistos