Mudar o modelo de remuneração no transporte não é adotar tarifa zero
O modelo de financiamento do transporte público tem sido um dos principais entraves para a melhoria da mobilidade urbana. Historicamente, o sistema tem sido sustentado pela arrecadação tarifária dos passageiros, um formato que tem se tornado cada vez mais inviável. Esse modelo reforça uma lógica perversa: a sustentabilidade financeira do sistema depende da superlotação e da redução de frotas e viagens, fatores que comprometem a qualidade do serviço e afastam ainda mais os passageiros.
Diante desse cenário, a tarifa zero tem sido apresentada como solução para a mobilidade urbana. No entanto, quando implementada sem o devido planejamento e capacidade de atendimento, pode se tornar um desastre operacional. É inegável que a gratuidade pode ampliar o acesso ao transporte e gerar impactos positivos para a população de baixa renda. Mas sem uma estrutura financeira e operacional robusta, a qualidade do serviço é comprometida, reforçando a percepção de que o transporte coletivo é ineficiente e pouco confiável.
Experiências recentes mostram que cidades que adotaram a tarifa zero sem planejamento adequado enfrentaram um aumento abrupto da demanda, sem uma expansão proporcional da frota e dos serviços. O resultado foi a lotação excessiva dos veículos, queda na confiabilidade dos horários e um serviço precarizado que, mesmo gratuito, continua mal avaliado pelos usuários.
Prefeitos que herdaram ou implementaram a tarifa zero têm confidenciado nos bastidores que não podem voltar atrás na medida, mas também não possuem capacidade orçamentária para melhorar a oferta e a qualidade do serviço. Pior ainda, reconhecem que a medida retira recursos de áreas essenciais como saúde e educação. Como eles próprios admitem: “o caixa é o mesmo, é preciso fazer uma escolha.”
Outro ponto importante a considerar é que, hoje, o Vale Transporte representa uma receita significativa para o sistema de transporte. A maioria dos trabalhadores que o utilizam não percebe diretamente o custo da tarifa. Com a tarifa zero, esse fluxo de receita é perdido, criando um buraco financeiro que precisa ser coberto pelo orçamento público.
Ao invés de apostar em uma gratuidade total inviável, ou enquanto medidas como do artigo de especialista não são aprovadas, é possível encontrar um meio-termo mais equilibrado. A tarifa zero é o resultado da capacidade de um município em cobrir integralmente os custos do transporte, mas, quando essa capacidade plena não existe, há alternativas viáveis. Programas de tarifa reduzida, subsídios para grupos específicos e financiamento escalonado permitem garantir acesso ao transporte sem comprometer sua qualidade. A adoção de um modelo dinâmico entre custo e receita, como já apontado em artigo anterior, permite que o município adeque sua capacidade de investimento ao mesmo tempo que avalia os impactos de cada política implementada. Assim, é possível ampliar gradualmente o custeio público do transporte, garantindo melhorias reais para a população.
Portanto, é essencial que as cidades que buscam melhorar o transporte coletivo priorizem mudanças estruturais na remuneração dos serviços e garantam que qualquer iniciativa de tarifa reduzida ou zero seja acompanhada de um planejamento financeiro e operacional sólido. O transporte público não pode ser tratado como uma promessa política de curto prazo, mas sim como um serviço essencial que precisa ser gerido com responsabilidade, segurança jurídica e compromisso com a população.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities

Mestre em transportes pela UFMG, com mais de 15 anos na área tendo atuado em transportes em duas copas do mundo e duas olimpíadas, sendo as duas últimas posições em eventos como consultor do COI e CONMEBOL. Sócio de uma consultoria tradicional de transportes (PLANUM) e sócio de uma startup de inovação de mobilidade (Bus2). Atualmente trata mais de 1 bilhão de registros por mês entre dados de planejamento, AVL, SBE e outros, independente de formato e fornecedores.