Não se trata apenas de uma ferramenta de marketing: a Ressurreição Digital também representa uma poderosa conexão emocional com o passado.
A tecnologia está transformando nossa relação com o passado de formas antes inimagináveis. Um dos conceitos mais intrigantes que emergiram dessa revolução é o da Ressurreição Digital, que envolve trazer de volta figuras icônicas que marcaram gerações, usando inteligência artificial e hologramas. Esse processo é baseado em recriações digitais de celebridades falecidas, permitindo que “voltem à vida” para promover produtos e ideias atuais. Considerando a sofisticação da IA e que ainda não temos legislações específicas para isso, nossos ícones podem voltar às telas e até interagir com o público, possibilitando que Carmen Miranda, por exemplo, anuncie um novo carro elétrico, ou que Pelé participe de uma campanha política.
Não se trata apenas de uma ferramenta de marketing: a Ressurreição Digital também representa uma poderosa conexão emocional com o passado. Esse conceito explora o fascínio que temos pela nostalgia e pela familiaridade de figuras que já se foram, mas cujo impacto cultural persiste. A Forbes, por exemplo, publica anualmente no Halloween uma lista das “celebridades mortas mais bem pagas do ano”, destacando o quanto o legado dessas personalidades continua a gerar milhões, e esse número só tende a crescer à medida que a tecnologia evolui. O assunto é tão sério que Madonna recentemente alterou seu testamento, garantindo que sua imagem não seja utilizada por IA no futuro.
Com o avanço da manipulação de imagens e da IA, é previsível que esse fenômeno cresça ainda mais, explorando a nostalgia e a admiração por personagens históricos de uma forma inédita. Da mesma forma, surge assim uma nova ferramenta que pode ser nossa aliada para tornarmos nossas cidades mais sustentáveis.
Inspirando-se no slogan de Donald Trump, “Make America Great Again” (Faça a América Grande de Novo), que propõe uma volta aos tempos áureos dos Estados Unidos, os urbanistas também poderiam aplicar a Ressurreição Digital para ajudar a recriar um passado urbano que valorizava as pessoas. Podemos usar IA para reconstruir visualmente cidades brasileiras em épocas em que as ruas eram dominadas por bondes elétricos e pedestres, em vez de congestionamentos e veículos particulares.
Imaginemos, por exemplo, os bondes elétricos circulando novamente no Rio de Janeiro ou em São Paulo, onde eram um símbolo de mobilidade democrática e eficaz nas primeiras décadas do século XX. O Rio, em especial, tinha um dos sistemas de bondes mais extensos da América Latina, conectando áreas como o Centro à Zona Sul. Mas, com o avanço da indústria automobilística e uma política urbana voltada para o carro, esses sistemas começaram a ser desmontados nas décadas de 1960 e 1970. Em São Paulo, o sistema de bondes foi extinto em 1968, cedendo espaço para a crescente frota de veículos particulares.
Com a Ressurreição Digital, seria possível trazer essas imagens do passado de volta às ruas, permitindo que os cidadãos brasileiros visualizassem como suas cidades já foram pensadas para as pessoas, e não para os carros. Ao projetar hologramas dos bondes percorrendo novamente os trilhos na Lapa ou na Avenida Paulista, relembraríamos a população que é possível, sim, construir cidades baseadas no modo de transporte coletivo.
Assim como Trump utiliza o passado glorioso como um pilar para suas promessas políticas, os urbanistas poderiam aproveitar esse poder visual da IA para projetar visões inspiradoras de cidades brasileiras, onde o foco estava nas pessoas e não nos carros, lembrando os cidadãos das oportunidades que foram perdidas em favor da expansão rodoviária.
Com o auxílio da tecnologia, poderíamos usar essas imagens históricas para demonstrar o impacto das decisões urbanas ao longo do tempo, trazendo de volta parques que foram transformados em viadutos e rodovias Esse apelo visual poderia ajudar a engajar a população em prol de projetos de revitalização urbana, fomentando o apoio a um planejamento mais humano, que devolva os espaços públicos às pessoas.
Mais do que uma nostalgia simples, essa “ressurreição” digital permitiria que as cidades brasileiras se reconectassem com seu passado para repensar seu futuro, inspirando-nos a recuperar o que realmente torna uma cidade vibrante: a presença das pessoas e seu direito de ocupar democraticamente os espaços urbanos.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities.
Urbanista, especialista em Engenharia de Tráfego, Planejamento e Gestão de Trânsito, com MBA em Gestão Pública. Fundadora da empresa URBdata®, coordena o curso de Especialização em Mobilidade Urbana Sustentável da Unyleya, preside o Instituto URBbem, é Secretária Municipal de Segurança Pública e Trânsito em Cambé/PR