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PROCURA-SE KAMIKAZE POLÍTICO QUE QUEIRA SALVAR NOSSAS CIDADES

Danaê Fernandes
Danaê Fernandes
Urbanista, especialista em Engenharia de Tráfego, Planejamento e Gestão de Trânsito, com MBA em Gestão Pública. Fundadora da empresa URBdata®, coordena o curso de Especialização em Mobilidade Urbana Sustentável da Unyleya, preside o Instituto URBbem, é Secretária Municipal de Segurança Pública e Trânsito em Cambé/PR

Para que mudanças estruturais possam se concretizar, seria valioso um líder ousado o suficiente para propor soluções impopulares para aqueles que se beneficiam do status quo, mas que são cruciais para garantir um futuro sustentável

Já dispomos das soluções técnicas para transformar nossas cidades em espaços mais sustentáveis e inteligentes (confira no meu último artigo aqui), mas o verdadeiro desafio é como viabilizar essa implementação de maneira vitoriosa.

Como gestora pública que acaba de superar um ano eleitoral, percebo que o melhor atalho para o Brasil atingir esse objetivo seria através de uma liderança política visionária, que não se deixe levar pela auto estima política, mas sim pela transformação real, profunda e irreversível na forma como organizamos nossas cidades. 

Para que mudanças estruturais possam se concretizar, seria valioso um líder ousado o suficiente para propor soluções impopulares para aqueles que se beneficiam do status quo, mas que são cruciais para garantir um futuro sustentável.  Enrique Peñalosa, por exemplo, desafiou diretamente a indústria automobilística em sua gestão municipal, influenciando não só a capital colombiana, mas corroborando para a valorização dos modos mais sustentáveis de transporte em todo o país.

Peñalosa sabia que priorizar o transporte coletivo e os modos ativos de transporte — como caminhar e pedalar — era a única maneira de garantir um futuro mais sustentável e eficiente para todos. Ele foi o responsável pela implementação do sistema de ônibus TransMilenio, além de ciclovias e áreas pedestres, que abriram espaço para uma nova forma de viver a cidade.

A resistência foi massiva. Grandes corporações, políticos locais e até a opinião pública, acostumada ao uso do carro, atacaram Peñalosa ferozmente. No entanto, ele manteve o foco no futuro da cidade, mesmo sabendo que sua postura poderia custar sua carreira política. 

Ousadia semelhante à de Anne Hidalgo, prefeita de Paris desde 2014, cuja opinião pública tem sido polarizada. De um lado, amplamente admirada por sua visão ambiciosa de transformar Paris em uma cidade mais sustentável e amigável aos pedestres e ciclistas, promovendo a redução do espaço para carros, a criação de ciclovias e o fechamento de áreas ao trânsito motorizado. Essas medidas ganharam apoio daqueles que defendem cidades mais verdes e menos dependentes de automóveis.

Para outros, entretanto, Hidalgo é vista como uma figura autoritária, que prioriza uma agenda ecológica, sem considerar os impactos sociais e econômicos imediatos, criticada por implementar reformas sem o consenso dos cidadãos.

Essa divisão de opiniões é politicamente custosa, e reflete um debate mais amplo sobre o futuro das cidades: precisamos decidir entre manter o status quo ou promover mudanças estruturais para alcançar maior sustentabilidade. 

As cidades do presente, com seu modelo centrado no automóvel, padrões de construção que maximizam áreas impermeáveis e falta de priorização dos modos ativos de transporte e do transporte coletivo, são exemplos de um sistema que “dá certo” apenas na superfície e no curto prazo. Manter esse modelo é politicamente confortável, pois não são necessárias mudanças estruturais nem alteram o cotidiano dos eleitores. 

Para realmente transformar as cidades, precisamos adotar mudanças estruturais e sustentáveis que coloquem o ser humano e o meio ambiente no centro das decisões urbanas. Esse futuro demanda estratégias como a implementação de infraestrutura verde, a priorização de modos de transporte mais limpos e a revalorização dos espaços públicos e das comunidades locais. 

Não se trata apenas de um novo urbanismo ou novas tecnologias; essas mudanças são um novo contrato social com a vida urbana, que questiona a lógica da cidade como espaço de consumo e transporte privado e propõe um ecossistema humano integrado.

Em um ambiente onde o horizonte de muitos gestores se limita ao ciclo eleitoral e à busca pela reeleição, alguém capaz de colocar o bem-estar da população à frente de qualquer cálculo político seria marcante para nosso país. 

Mas esse líder precisaria estar disposto a explodir seu próprio capital político por uma visão de longo prazo. 

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities

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