As cidades brasileiras não estão tratando a crise de poluição do ar neste inverno com a seriedade que a situação exige, afirma o pesquisador João Paulo Amaral.
Com a pior qualidade de ar do pais, a cidade de Porto Velho (RO) está há dias sob uma espessa camada de poluição, com o ar “muito insalubre” nesta segunda-feira (16/9), de acordo com o índice de monitoramento internacional da IQAir.
Outras grandes cidades brasileiras têm enfrentando graves problemas com o pico de poluição atmosférica, como Campinas (SP), Manaus (AM), Rio Branco (AC) e São Paulo (SP) entre outras — as cinco cidades eram as mais poluídas do Brasil no início desta semana.
Em São Paulo, a qualidade do ar melhorou na segunda-feira (16/9), após um final de semana mais úmido, mas muitos dos problemas de saúde causados pela poluição continuam.
A qualidade do ar havia sido classificada como “muito ruim” pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) na sexta-feira (13/9) — encerrando uma semana na qual a cidade chegou a ficar quatro dias no topo do ranking de cidades mais poluídas da IQAir.
Além da baixa umidade do ar e da inversão térmica que acontece no inverno, as queimadas nas regiões Sudeste, Norte e Centro-Oeste do Brasil estão entre as causas da concentração de poluentes e piora da qualidade do ar, de acordo com o MetSul.
Nenhuma das cinco cidades tem um plano de ação para episódios críticos, ou seja, um planejamento oficial sobre como agir em momentos em que a qualidade do ar está em níveis emergenciais, explica João Paulo Amaral, que é gerente de Natureza do Instituto Alana (entidade de proteção às crianças) e coordenou um estudo analisando o preparo do Brasil em comparação com oito países (França, Espanha, EUA, Reino Unido, México, Chile, Equador e Colômbia).
“Se o nível de poluição em Paris atingisse metade do que chegou em São Paulo, a cidade já teria decretado medidas emergenciais, como gratuidade no transporte público, para incentivar seu uso, ou mais restrições aos carros na região central”, afirma Amaral em entrevista à BBC News Brasil.
A pesquisa foi produzida pelo grupo de pesquisa Instituto Ar e pelo Alana, organização sem fins lucrativos de defesa dos direitos da criança, e encontrou apenas um plano de ação para episódios críticos no Brasil todo: um decreto de 1978 criado pela Cetesb no Estado de São Paulo.
“Além de estar muito defasado, esse plano nunca é colocado em prática”, afirma o especialista.
Um plano de ação deve conter orientações sobre como monitorar; qual nível de poluição é necessário para ativá-lo; quais as responsabilidades de cada órgão ou agência governamental e quais ações de controle da poluição devem ser tomadas.
“É claro que a população precisa tomar medidas inviduais para se proteger, mas esse não é um problema individual, é uma questão ambiental e de saúde pública que precisa de ação das autoridades em todas as esferas”, diz Amaral.
Como funciona em outros países?
Os outros oito países analisados pelo estudo têm planos de ação mais recentes e, com exceção do Equador, limites muito mais baixos de poluição para dar início às ações de emergência em comparação com o Brasil, mostra o estudo.
Um dos principais poluentes do ar é o chamado material particulado, ou seja, partículas de poluição muito pequenas, que podem ser inaladas e causar diversos danos à saúde.
No Brasil, os níveis de material particulado considerados críticos são acima de 125 𝜇g/m³ (nível de atenção). Acima de 210 é nível de alerta e acima de 250 é nível de emergência.
Na França e na Espanha, 25 𝜇g/m³ já é considerado um nível crítico e acima de 50 já se iniciam as medidas de emergência.
No México e na Colômbia, as medidas de emergência começam a partir de 150 𝜇g/m³; no Chile, a partir de 170.
O monitoramento dos níveis críticos é importante para que as autoridades tenham patamares a partir dos quais iniciar medidas de contenção e de mitigação dos danos da poluição à saúde — mas é preciso que existam planos de ação, segundo Amaral.
“O Brasil está muito defasado na legislação sobre o tema”, diz Amaral.
“Não só os níveis críticos estão muito acima do que é considerado o limite pela OMS [Organização Mundial de Saúde], não existem planos de ação para episódios críticos”, acrescenta ele.
Nos outros países analisados no estudo liderado por Amaral, as grandes cidades têm uma série de medidas previstas caso os níveis de poluição atinjam patamares críticos.
O pesquisador explica que o estudo destaca as medidas que visam proteger especialmente as populações mais vulneráveis: crianças e idosos.
Na Colômbia, a partir do momento em que a poluição atinge o nível de “alerta”, a ação é ordenar a suspensão das aulas em toda a área que está dentro deste nível específico de concentração de poluentes.
“No caso do nível de ‘emergência’, a ordem é a mesma, de suspensão das atividades de todas as instituições de educação, e em alguns casos, até a evacuação da população exposta”, aponta o estudo.
Essa é uma medida que Amaral não enxerga como positiva para o Brasil, por se tratar de uma interrupção do direito à educação das crianças. Mas mostra como o país colocou a população mais vulnerável como prioridade.
Em Paris, na França, quando o nível crítico de poluição é atingido, a Prefeitura implementa uma série de medidas para restringir atividades que contribuem para a poluição, como proibir o tráfego de carros no centro da cidade, dar gratuidade nas passagens de metrô (para estimular o uso do transporte público), criar feriado escolar, entre outros.
Também há uma grande campanha de comunicação orientando a população para adoção de medidas protetivas, como, por exemplo, beber bastante água, evitar fazer exercícios ao ar livre e manter as janelas fechadas.
No Reino Unido, há uma série de programas que visam a diminuição da poluição urbana no longo prazo — especialmente, voltadas para o bem-estar das crianças — como um programa para diminuir a poluição em regiões onde há escolas.
Isso envolve aumentar a arborização, diminuir o trânsito, implementar ciclovias, entre outras medidas.
O mesmo vale para os Estados Unidos, onde as ações para episódios críticos são específicas para cada região do país.
“Os planos precisam ser regionais, porque há muitas diferenças dentro de um mesmo país, desde a densidade demográfica até a atividade econômica principal e as fontes de poluição”, explica Amaral.
O que dizem as cidades brasileiras?
Procurada pela BBC News Brasil, a Prefeitura de São Paulo afirmou que tem tomado medidas para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas como um todo.
A Prefeitura disse que declarou 32 áreas verdes particulares como áreas de utilidade pública, o que vai ampliar a zona de proteção da cidade de 15% para 26% do território municipal.
Além disso, a Prefeitura afirmou que tem um sistema de monitoramento para prevenir incêndios florestais, o que diminuiu as queimadas em parques municipais em 16% desde 2020.
“A Prefeitura tem feito avanços como a aquisição das primeiras viaturas elétricas para a Guarda Civil Metropolitana. Ao todo, serão 50 veículos até o fim do ano”, ressaltou a Prefeitura em nota.
A administração também disse estar implementando a mudança de combustível dos caminhões de coleta de lixo, a eletrificação da frota de ônibus e oferece um benefício fiscal para quem tem carro elétrico.
A Prefeitura disse ainda que a Defesa Civil colocou toda a cidade em estado de atenção para a baixa umidade relativa da semana passada e que foram montadas tendas na cidade para distribuição de água e atendimento de animais de estimação.
“A Secretaria Municipal da Saúde recomenda que a população se mantenha bem hidratada, proteja-se do sol, mantenha ambientes internos úmidos através de borrifadores, vaporizadores, toalhas molhadas e recipientes com água e evite exercícios físicos ao ar livre entre 11 e 18 horas”, diz a Prefeitura em nota.
As Prefeituras de Manaus e Porto Velho também citaram as medidas de combate à poluição que têm sido tomadas. As Prefeituras de Boa Vista e Campinas não responderam aos questionamentos da reportagem.
A Prefeitura de Porto Velho afirma que, embora não haja um plano específico para episódios críticos de poluição atmosférica, a “criação da Lei nº 14.850/2024, que estabelece diretrizes para o monitoramento da qualidade do ar e a divulgação de dados à população, representa um avanço significativo”.
A Prefeitura diz ainda que tem necessidade de recursos financeiros e recursos humanos para ampliar a capacitação dos servidores para lidar com o problema e ampliar a publicidade do tema para a população.
Diz ainda que “opera um viveiro municipal com o objetivo de promover a arborização na cidade” e que tem dois projetos de educação ambiental para “conscientizar e sensibilizar para a conversação ambiental”.
Sobre os incêndios — um dos principais fatores de poluição na região —, Porto Velho disse que “tem implementado campanhas publicitárias por meio de rádio, televisão, sites e redes sociais para conscientizar a população sobre os riscos associados às queimadas” e que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA) intensificou a fiscalização na capital e nos distritos.
Já a Prefeitura de Manaus afirmou que a cidade está em “estágio de mobilização” e que criou um Comitê de Combate às Queimadas.
Disse ainda que foram estabelecidas “ações preventivas” para o enfrentamento aos incêndios e que está monitorando e analisando as informações de focos de calor divulgados pelo Inpe e que a maioria dos focos de incêndio vêm do interior do Estado.
A cidade afirmou que tem divulgado medidas que precisam ser adotadas pela população, como beber água e proteger os olhos e o sistema respiratório.
“A inalação de partículas geradas por queimadas pode causar reações que vão de desconfortos leves a sintomas como dor de cabeça e dor de garganta, dificuldade respiratória, lacrimejamento e vermelhidão nos olhos, crises alérgicas e infecções do sistema respiratório, com quadros de asma, bronquite, sinusite, rouquidão, tosse, conjuntivite e problemas cardiovasculares agudos”, explicou a Prefeitura de Manaus em nota.
“Para os casos de desconforto respiratório leve ou necessidade de mais orientações para evitar os efeitos da fumaça na saúde, o usuário deve procurar a Unidade Básica de Saúde mais próxima da sua casa.”
Fonte: BBC Brasil