O hidrogênio verde se destaca como uma opção sustentável obtida por meio da eletrólise da água, utilizando energia de fontes renováveis, como solar, eólica ou hídrica
Por Ana Claudia La Plata de Mello Franco, João Victor Basilio de Barros, Marina Sheppard Juvenal, Lígia Maria de Lima e Fonseca Vicente*
O hidrogênio é o elemento mais abundante no universo, e tem desempenhado um papel crucial na busca por fontes de energia mais limpas e sustentáveis.
Não é facilmente encontrado na forma pura na natureza. Sua produção, em regra, envolve processos químicos, resultando em diferentes tipos de hidrogênio, classificados de acordo com a fonte de obtenção (“taxonomia do hidrogênio”).
O hidrogênio verde se destaca como uma opção sustentável obtida por meio da eletrólise da água, utilizando energia de fontes renováveis, como solar, eólica ou hídrica. Esse processo libera oxigênio como subproduto, sendo isento de emissões poluentes. Em contraste, outras formas de hidrogênio, como o cinza, são obtidas a partir de combustíveis fósseis, gerando emissões de CO2.
Atualmente, embora exista uma produção crescente de hidrogênio verde e um mercado propício para sua comercialização no Brasil, ainda não há um marco regulatório específico para tratar do tema. A regulação em perspectiva tem como grande objetivo reforçar as políticas nacionais já existentes que contribuem para a transição energética, como foi reconhecida, aliás, entre as prioridades do Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2).
De acordo com o Relatório Final do Plano Nacional de Energia 2050 da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), aprovado pela Portaria MME n° 451/2020, o atual processo de transição energética tem sido embasado em condicionantes como o desenvolvimento sustentável, as mudanças climáticas e as inovações tecnológicas.
Nesse cenário, o hidrogênio verde tem sido considerado um importante vetor para o processo de transformação em direção a uma economia de baixo carbono e menor pegada ambiental, o que encontra reflexo nas atuais iniciativas legislativas.
No âmbito do Senado Federal, estão em processo de tramitação dois Projetos de Lei. Um deles é o Projeto de Lei nº 725/2022, que visa regulamentar a incorporação do hidrogênio como uma fonte viável de energia no contexto brasileiro. Ele estabelece critérios e incentivos para a promoção do uso do hidrogênio sustentável, que é aquele obtido a partir de fontes renováveis como energia solar, eólica, biomassas, biogás e hidráulica.
O outro, é o Projeto de Lei nº 1.878/2022, que apresenta a definição específica de “Hidrogênio Verde”, que “corresponde ao Hidrogênio que permanece em estado gasoso em condições normais de temperatura e pressão, gerado a partir da eletrólise da água, a qual se utiliza, para sua produção, da energia elétrica gerada por fontes de energia renováveis, sem emissão direta de dióxido de carbono na atmosfera no seu ciclo de produção..
Na Câmara dos Deputados, por sua vez, encontra-se em tramitação o Projeto de Lei nº 2.308/2023, que também traz uma definição para hidrogênio verde, considerado aquele utilizado como combustível obtido a partir de quaisquer processos ou rotas tecnológicas com uso de fontes renováveis de energia, tais como eletrólise da água, gaseificação de biomassa renovável, reforma de biogás ou de biometano, reforma de glicerina coproduto da fabricação de biodiesel, reforma de etanol, fotólise solar da água, entre outros processos dispostos em regulamento.
É evidente que as propostas legislativas têm como objetivo primordial favorecer o uso do hidrogênio gerado a partir de fontes renováveis. Essa abordagem está intrinsecamente ligada ao princípio fundamental do desenvolvimento sustentável delineado na Constituição Federal, que visa a garantir a utilização responsável dos recursos naturais, com a intenção de preservá-los para as gerações futuras.
A produção de hidrogênio verde em escala comercial ainda não se encontra estabelecida no Brasil. No entanto, já estão em operação plantas piloto, como a instalação da empresa EDP localizada no Complexo Termelétrico do Pecém, situado no estado do Ceará. Além disso, estão em fase de implementação diversos projetos, entre os quais se destaca a iniciativa da Unigel para a produção em larga escala de hidrogênio verde no Polo Petroquímico de Camaçari, localizado na Bahia.
Nesse sentido, o Plano Trienal 2023/2025 do PNH2, lançado recentemente, em 24 de agosto de 2023, afirma que são ambições do país, no contexto do PNH2, a instalação de plantas pilotos em todas as regiões do Brasil até 2025, assim como a consolidação do Brasil, até 2030, como a nação do mundo com o menor custo de produção de hidrogênio de baixa emissão.
Enfrentar os desafios da produção de hidrogênio verde requer a abordagem de diversas questões primordiais. Um desses desafios fundamentais é o do custo consideravelmente alto de produção, que demanda investimentos substanciais na instalação de unidades produtivas específicas. Um outro ponto crítico é a escassez de equipamentos produzidos localmente. A maioria dos eletrolisadores, peça-chave no processo de produção, precisa ser importada.
Adicionalmente, a logística envolvida no transporte do hidrogênio verde apresenta desafios substanciais, especialmente quando consideramos a exportação para países europeus, que se destacam como os principais potenciais compradores iniciais. A ausência de regulamentações tanto em âmbito nacional quanto internacional, aliada à falta de processos de certificação claramente definidos, pode facilmente evoluir para obstáculos consideráveis no planejamento e na implementação de novos projetos de produção de hidrogênio verde.
Estes desafios, sem dúvida, são de extrema importância, pois o país está empenhado em impulsionar o desenvolvimento e a consolidação desta indústria emergente.
As nações que atualmente lideram em termos de instalações de produção de hidrogênio são a Alemanha, a Austrália, a Holanda e a China, entre outros. No entanto, a escala global da produção de hidrogênio verde ainda permanece consideravelmente limitada. Prevê-se, contudo, uma expansão substancial neste setor nos anos vindouros. As projeções apontam para um aumento significativo na produção até 2030, com destaque para Austrália, Estados Unidos e Espanha como os principais protagonistas desse crescimento. Notavelmente, o Brasil também figura entre os dez maiores produtores, conforme indicado pela pesquisa “Hydrogen Insight” conduzida pela maior consultoria independente de energia da Noruega, e empresa líder mundial em análises para o setor de energia, a Rystad Energy.
Essa ascensão é influenciada por dois importantes fatores : a presença de incentivos e subsídios substanciais, e a concepção de megaprojetos planejados pelas nações expoentes para os próximos anos, que atuam como motores para o avanço da indústria de hidrogênio verde.
A urgência de estabelecer um marco legal é evidente, uma vez que o setor demanda uma estrutura regulatória para posicionar o país no cenário altamente competitivo da produção e exportação de hidrogênio verde. Ademais, é notório que diversos conceitos relacionados ao assunto carecem de definições precisas, ressaltando a necessidade de regulamentação que clareie e refine as diretrizes do hidrogênio na política energética nacional.
Além disso, esse tópico reveste-se de extrema relevância no contexto da transição energética global, especialmente em relação à economia de baixa emissão de carbono. Isso se deve ao fato de que o hidrogênio verde, devido à sua metodologia de produção, apresenta a capacidade de substituir os combustíveis fósseis como uma fonte energética versátil em diversos setores, como transporte, indústria e geração de eletricidade.
Diante do desafio de posicionar o Brasil no cenário global do hidrogênio verde, torna-se imperativa a formulação de um marco regulatório, como já fizeram alguns países líderes do campo. Por meio desse passo essencial, o país poderá desbloquear todo o seu potencial, catalisando investimentos em sua economia interna, e permitindo que se equipare, em competitividade, às maiores potências dessa indústria.
É inegável que os setores categorizados como “carbono intensivos”, como os de transporte aéreo e marítimo, a indústria siderúrgica e química, têm muito a se beneficiar com a adoção do hidrogênio de baixo carbono. Isso se revela especialmente relevante para a redução da pegada de carbono dos produtos destinados à exportação, notadamente para a União Europeia, que já implementou o mecanismo de ajuste de carbono de fronteira conhecido como Carbon Adjustment Mechanism (CBAM).
Não há dúvida, portanto, que o investimento em hidrogênio verde assume um papel central na moldagem de um futuro econômico mais sustentável e competitivo para o Brasil.
*Ana Claudia La Plata de Mello Franco sócia do Toledo Marchetti Advogados. Advogada com atuação em Direito Ambiental na área de infraestrutura. Tem especialização em Projetos Ambientais pelo CENED.
João Victor Basilio de Barros advogado do Toledo Marchetti Advogados, com atuação em projetos de infraestrutura e construção.
Marina Sheppard Juvenal acadêmica de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e estagiária no Toledo Marchetti Advogados
Lígia Maria de Lima e Fonseca Vicente acadêmica de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e estagiária no Toledo Marchetti Advogados