spot_img
HomeEIXOS TEMÁTICOSMobilidadeMOBILIDADE BASEADA EM DADOS

MOBILIDADE BASEADA EM DADOS

Gustavo Balieiro
Gustavo Balieiro
Mestre em transportes pela UFMG, com mais de 15 anos na área tendo atuado em transportes em duas copas do mundo e duas olimpíadas, sendo as duas últimas posições em eventos como consultor do COI e CONMEBOL. Sócio de uma consultoria tradicional de transportes (PLANUM) e sócio de uma startup de inovação de mobilidade (Bus2). Atualmente trata mais de 1 bilhão de registros por mês entre dados de planejamento, AVL, SBE e outros, independente de formato e fornecedores.

MaaS muito além de uma plataforma, um conceito…. 

O conceito de produto como serviço foi analisado pelos autores Lacy e Rutqvist em 2015, onde eles indagaram se as pessoas querem ter a posse de um bem que proporciona um objetivo, como um automóvel, ou querem o serviço, na conveniência do tempo e local que quiserem. Os autores, ainda, revelam que o modelo de produto como serviço poupa as pessoas de adquirirem um bem, que utilizarão em espaço limitado de tempo, além de não precisarem preocupar com manutenção e evolução tecnológica. 

O conceito é transposto para várias áreas, na mobilidade especificamente, tem-se utilizado o termo conhecido como MaaS (do inglês Mobility as a ServiceMaaS). Apesar do termo ter sido usado a primeira vez em 2012, foi em um artigo de 2014 que Hietanen et al apresentaram os primeiros trabalhos oriundos da “New Transport Policy”. Também em 2014, Heikkila et al apresentaram uma das primeiras definições do termo como um sistema compreendendo uma gama de serviços de mobilidade, para consumidores, por operadores. Apesar de apresentarem o conceito, os autores descrevem o modelo a partir de uma plataforma tecnológica. 

O conceito MaaS possui, então, duas linhas de abordagem: 

  1. conceito do atendimento da mobilidade por um serviço, medido e pago na proporção do seu consumo. Nesse conceito, o serviço adota o usuário como o centro da solução (Hietanen et al., 2014; Giesecke et al., 2016; Nikitas et al., 2017; García et al., 2020);
  2. plataforma que materializa o conceito com base em um planejador multimodal que promete integrar diferentes modos de transporte, pagamentos e operação em um único ecossistema tecnológico. A plataforma tecnológica denominada MaaS se torna a solução em si (Heikkila et al., 2014, Shaheen et al., 2017, Jittrapirom et al.,2017; Wong et al., 2020);

É no contexto de colocar o usuário como cliente, e por tanto, no centro da solução que a integração de serviços e plataformas tecnológicas também materializam a mobilidade como um serviço. 

O transporte convencional de ônibus segue um ciclo tradicional em que o poder público é responsável pela operação e, na maioria das vezes, concede a concessão do serviço. Para fornecer um serviço eficiente, é necessário planejar o atendimento, executá-lo, medir o desempenho e ajustar a oferta com base nos indicadores de performance e desempenho. Embora isso pareça simples, implementar esse ciclo e colocar o usuário como centro da solução é extremamente complexo, principalmente devido à desconexão entre os diferentes provedores de tecnologia e à dificuldade de priorizar todas as camadas simultaneamente em um modelo econômico complexo e desequilibrado. Para alcançar a plataforma MaaS do ponto de vista do ciclo operacional, é preciso superar esses desafios significativos.

Figura 1 – Camadas de integração – disponibilizado por Bus2.me

O primeiro passo do planejamento consiste na integração das informações fornecidas aos usuários e demais atores envolvidos para estabelecer uma visão clara do que está sendo oferecido. Para isso, existe uma estrutura padrão conhecida como GTFS (General Transit Feed Specification), que define como as informações sobre rotas, horários, estrutura e calendário devem ser apresentadas. Originalmente criado pela Google e hoje homologado pela Mobilitydata, o GTFS é fundamental para a utilização em softwares de modelagem e sistemas de otimização. Além disso, ele permite uma visão clara de cada camada do serviço planejado, o que ajuda a garantir que cada etapa seja executada corretamente pelo responsável da operação.

Na etapa de monitoramento, o foco é acompanhar a execução dos serviços e avaliar os indicadores operacionais. É essencial lembrar que o que não é medido não pode ser melhorado, por isso o monitoramento em tempo real ou a análise dos dados após a execução permitem uma visão clara do desempenho do sistema, seus custos e pontos de atenção. Por exemplo, é possível capturar informações precisas como a velocidade média operacional, áreas sem sinal para GPS, principais pontos de produção e de atração de passageiros do sistema ao cruzar as informações de diferentes provedores de tecnologia. Com a conexão do monitoramento, é possível corrigir falhas operacionais comuns, como erros de alocação de veículos, e avaliar com precisão a execução planejada versus a executada.

A camada de inteligência é fundamental para a melhoria contínua do sistema de transporte. Diversas subcamadas podem ser executadas para otimizar a alocação de recursos, como plataformas de otimização que cruzam dados de planejamento e execução, e permitem a melhoria na alocação da escala de motoristas e a otimização de horários e viagens. Além disso, a camada de inteligência permite ajustes operacionais baseados nas origens e destinos de cada passageiro, entendendo a ocupação e trechos críticos das linhas do sistema. A camada de inteligência não só otimiza e reespecifica o sistema, mas também permite enxergar deslocamentos que beneficiem a demanda e a operação conjuntamente. Isso permite que o sistema seja replanejado olhando para cada micro viagem e comportamento do passageiro, proporcionando um transporte conceitualmente sob demanda.

Por fim, a camada de inteligência permite otimizar e personalizar o transporte de acordo com a demanda, indo além de simplesmente atender a solicitações específicas. Através da indução ou sugestão de mudanças de comportamento por parte dos usuários, é possível alcançar o tão desejado achatamento da curva de demanda. Esses picos causam pressão sobre a quantidade de veículos, aumentando os custos operacionais, enquanto fora do pico, muitos veículos ficam ociosos. Embora alguns lugares tenham tentado resolver isso com variação de preços, a renúncia de receita dos passageiros do fora-pico geralmente não compensa a pequena quantidade dos que mudam de comportamento. No entanto, compreendendo o padrão de cada usuário e oferecendo cashback apenas para aqueles que mudam seu comportamento, é possível beneficiar tanto o sistema quanto os usuários financeiramente. Essa mesma estratégia pode ser aplicada em linhas similares com níveis de serviço superiores ou com incentivos para mudanças de comportamento que melhorem a operação e aumentem a receita tarifária.

Em resumo, a chave principal para desbloquear uma das portas necessárias para transformar a mobilidade em um serviço é a integração de todas as camadas de dados. No final, fornecer um serviço que seja visto como um meio para alcançar um objetivo, e não um fim em si mesmo, requer a identificação clara dos padrões e propósitos, visando atender às necessidades do cliente.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

Artigos relacionados
- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img

Mais vistos