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CIDADES DO FUTURO: MAIS VERDE, MENOS DESLOCAMENTO E IDOSOS POR TODOS OS LADOS

Silvia Barcik
Silvia Barcik
Silvia Barcik é hoje referência em Mobilidade Sustentável no Brasil. Executiva por mais de 20 anos no setor automotivo, foi responsável pela vinda do Veículo Elétrico da Renault ao Brasil e liderou os primeiros projetos de veículos compartilhados da montadora no país. Com vasta experiência nas práticas de ESG e formação em Social Business, Silvia conduziu projetos sociais inovadores com repercussão internacional à frente do Instituto Renault. Atuou como consultora sênior da GIZ - Cooperação Brasil Alemanha para a Mobilidade Elétrica na construção do conteúdo da vertical Profissionais para Energias do futuro. Além de head do vec Itaú - veículo elétrico compartilhado Silvia é colunista do Estadão, Diretora de Mobilidade da ABVE - Associação Brasileira do Veículo Elétrico e é Membro do Conselho da PNME e do LIDE Mulher PR.

 O Brasil está envelhecendo: o futuro é dos grisalhos.

Por Adriana Costa Koch e Silvia Barcik

 

Como você imagina a cidade do futuro? Carros voadores, turismo intergaláctico, robôs caminhando naturalmente pelas ruas, cidades suspensas no ar? Talvez. Mas isso está mais para um clichê futurista dos Jetsons do que uma análise mais densa.

Para entender o futuro é preciso estar atento aos sinais emitidos no aqui e agora. Um deles é sobre o envelhecimento da população. Isso sugere que a cidade do futuro seguramente terá muito cabelo grisalho, longa experiência de vida, rugas na testa e alto nível de exigência no consumo de tecnologia e mobilidade. E, para isso, cidades, governos e toda a sociedade precisam se preparar.

Segundo relatórios da ONU (Organização das Nações Unidas), uma em cada oito pessoas no mundo hoje tem mais de 60 anos. Até 2050, a população global na terceira idade deverá duplicar ultrapassando 1,5 bilhão de pessoas. No Brasil, a tendência não é diferente.

Segundo o estudo World Population Prospects, divulgado pela ONU em 2019, teremos mais do que o dobro de pessoas acima de 60 anos em 2050. No Brasil, a tendência é ainda mais acentuada. A população brasileira vai atingir o pico no ano de 2045, com 229,6 milhões de pessoas. Porém, o número de idosos deve seguir subindo, atingindo o ápice entre 2070 e 2080, conforme tabela abaixo (em milhões de pessoas).

Anos 60+ 70+ 80+
2020 29 857 12 961 4 159
2030 42 242 20 128 6 538
2040 54 663 28 827 10 563
2050 67 361 37 291 15 376
2060 76 069 46 122 20 079
2070 79 237 51 617 25 185
2080 78 882 52 671 27 948

Fonte: https://population.un.org/wpp2019/Download/Probabilistic/Population/

E o que será feito com essas informações? Para os pesquisadores de Futuro (há pessoas sérias estudando como será a humanidade em um cenário de curto, médio e longo prazo) um dos primeiros passos para elaborar soluções para o futuro é trabalhar com os sinais do agora.

Um estudo divulgado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em setembro deste ano confirma que as taxas de fecundidade no Brasil devem seguir tendência de queda nas próximas décadas. Se as projeções se confirmarem, a população brasileira passará a ter crescimento negativo a partir de 2050.  Em 2100, os mais jovens (de 0 a 14 anos) representarão 13% da população, enquanto idosos (considerados aqui acima de 65) serão 30% – hoje, esse grupo representa 9,6% da população.

Iniciativas do presente que estão planejando as cidades do futuro: ODS, smart cities e os modelos que vem de fora

O ritmo de desenvolvimento das cidades que consideram os desafios das projeções demográficas ainda não é dos mais desejáveis. O que não significa que nada está sendo feito. Na Assembleia Geral das Nações Unidas de 2015 foi estabelecido um conjunto de 17 objetivos a serem cumpridos até 2030 que ficaram conhecidos como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Um desses objetivos trata de “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. Entre os elementos esperados para as cidades do futuro, é que elas sejam capazes de colocar em prática tecnologias integradoras que amplifiquem a eficiência e qualidade dos serviços públicos.

Aqui no Brasil, o IPEA tem acompanhado juntamente com o IBGE as metas que integram este objetivo. Há ainda um caminho a percorrer, sobretudo para a necessidade de se buscar a integração entre as políticas setoriais que afetam o desenvolvimento das cidades, uma tendência sem volta de incentivar a transversalidade dos temas ambientais e urbanos. (www.ipea.gov.br)

Neste ponto, se juntarmos as pontas do que os sinais do futuro nos emitem (por exemplo, envelhecimento da população e as questões climáticas) e a incrível capacidade humana de inovação, é de se esperar que a projeção urbanística dessas cidades considere a transversalidade do desenvolvimento social, econômico e ambiental, inclusive no Brasil.

O processo para que o cenário do futuro vire realidade leva em conta também muitos outros elementos. O termo smart city (cidade inteligente) surgiu na década de 1990, com a publicação de The Technopolis Phenomenon: Smart Cities, Fast Systems, Global Networks, que estudava o fenômeno do desenvolvimento urbano sob uma perspectiva tecnocêntrica. Nos anos 2000, novos estudos (comandados pelo professor Rudolf Giffinger) passaram a adotar uma abordagem voltada para um maior equilíbrio na combinação entre capital humano e social visando a qualidade de vida nas grandes cidades.

Não à toa as principais iniciativas hoje em termos de cidade do futuro consideram os elementos de necessidades humanas como princípios norteadores em seus planejamentos. O arquiteto Jan Gehl, autor do livro “Cidades para as pessoas”, defende que todas as tendências globais devem ser consideradas porém, com uma abordagem focada nas pessoas, imaginando como o ambiente construído pode promover o bem-estar e a qualidade de vida. E as cidades, desde seu planejamento estratégico até o design, devem ser centradas no ser humano.

Endossando ainda mais o tema, um estudo recente publicado pela consultoria Deloitte¹ apontou 12 tendências que devem impactar as cidades do futuro. Baseado em levantamento com especialistas de mais de 40 cidades de todo o mundo, algumas das tendências apontadas já podem ser observadas em algumas poucas iniciativas, mas ainda é insignificante diante da urgência que o tema demanda. Confira quais são:

  • Planejamento verde de espaços públicos: ruas verdes projetadas para pessoas, com novos corredores e espaços públicos como centros da vida social. Esse já é o caso do planejamento de Liuzhou Forest City, na China, cidade projetada para ser a primeira totalmente ecológica do mundo – e que tem a missão de absorver 10 mil toneladas de CO2 do mundo.
Foto: Liuzhou Forest City – projeto do arquiteto italiano Stefano Boeri para a cidade chinesa.
Fonte foto: https://www.stefanoboeriarchitetti.net/en/project/liuzhou-forest-city/
  • Comunidades inteligentes de saúde: prevenção e cuidados de saúde personalizados (como a genômica, que estuda sequenciamento de DNA).
  • Cidade de 15 minutos: mobilidade a 15 minutos a pé ou de bicicleta de qualquer destino. É o caso da International Business District (IBD), em Songdo, na Coreia do Sul: a cidade foi planejada priorizando o uso de transporte público e bicicletas, além de ter um plano urbanístico que tem como prioridade reduzir o tempo de locomoção dos seus habitantes.
Foto: imagem aérea do IBD, na cidade de Songdo, na Coreia do Sul. https://www.mansionglobal.com/articles/sustainable-and-smart-south-koreas-songdo-offers-green-spaces-and-good-schools-228684
  •  Mobilidade inteligente, sustentável e como serviço: ela passa a ser cada vez mais limpa, inteligente, autônoma e intermodal, com mais espaços para a mobilidade ativa (caminhadas e uso de bicicletas).
  • Serviços inclusivos e planejamento: fornecimento de acesso à habitação e infraestrutura, direitos e participação iguais, empregos e oportunidades.
  • Ecossistemas de inovação digital: cidades tendem adotar uma abordagem multidimensional para a inovação (interações entre universidade, indústria, governo, público e meio ambiente) com governos municipais atuando como plataformas que possibilitam conexões políticas, locais e de infraestrutura para o ecossistema florescer.
  •  Economia circular e produção local: circulação saudável de recursos e princípios de compartilhamento, reutilização e restauração.
  • Edifícios e infraestrutura inteligentes e sustentáveis: otimização acentuada do consumo de energia e melhor gestão de recursos como água, por exemplo.
  •  Participação em massa: cidades estão evoluindo para serem centradas no homem e projetadas por e para seus cidadãos, promovendo processo colaborativo com políticas governamentais abertas.
  • Operações por meio de inteligência artificial: baseadas em dados, cidades tendem a evoluir para plataformas digitais que funcionarão como ‘cérebros da cidade’, onde toda a atividade urbana é orquestrada e operada permitindo a correlação de eventos, identificação de problemas de forma rápida e assertiva, análise preditiva (por meio de aprendizado de máquina) e gerenciamento de incidentes, e fornecendo insights operacionais por meio da visualização.
  •  Cibersegurança e conscientização sobre privacidade: mais conscientização sobre a importância da privacidade dos dados e dos impactos causados por ataques cibernéticos.
  •  Vigilância e policiamento preditivo: mais segurança e proteção aos cidadãos por meio da inteligência artificial com o uso cada vez mais comum de sistemas de segurança ágeis que podem detectar redes de crime ou terrorismo e atividades suspeitas, e até mesmo contribuir para a eficácia dos sistemas de justiça.

Para além das inovações em termos de tecnologia e a preocupação com os temas relativos à biodiversidade, as projeções apontam que o futuro do século XXI será grisalho. O percentual de pessoas idosas alcançará seu ápice não só no Brasil, mas no mundo, e isso é um marco da história da humanidade.

E a maior parte dessa população viverá nas grandes cidades: em 2018, 87% da população residia ambientes urbanos. Esse percentual deve se estabilizar em 90% nas projeções de longo prazo, segundo informe técnico “O que são cidades inteligentes e sustentáveis? ”, divulgado em 2020 pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia).

Deste modo, para se construir as cidades do futuro, para que elas sejam efetivas smart cities (cidades inteligentes) a discussão deve trazer também o aspecto demográfico da população em que estarão inseridas. Questões como tecnologia, mobilidade, saúde, mercado de trabalho, entre outros temas, todo o ambiente econômico e social será altamente impactado se não considerar essa massa populacional na construção de suas políticas hoje.

¹https://cities-today.com/industry/12-trends-that-will-shape-the-future-of-cities/

Texto originalmente publicado na Revista SAE

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade da autora, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities

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