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TRANSPORTE PÚBLICO: OS CANDIDATOS ESTÃO PREOCUPADOS COM ESTE DIREITO SOCIAL?

Rodrigo Tortoriello é Consultor Especialista em Mobilidade Urbana e Mobilidade Ativa, pós-graduado com MBA em engenharia de transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pós graduado no Master em Liderança e Gestão Pública – MLG do Centro de Liderança Pública (CLP).

O Dia Mundial Sem Meu Carro (22/09), já pelo simples significado da data, oportuniza profundos questionamentos sobre este tema, de tão relevada importância para a nossa sociedade, principalmente envolvendo as camadas mais necessitadas da população. A questão ganha mais relevância, ainda, com a proximidade de uma eleição de tamanha abrangência, envolvendo debates cada vez mais acalorados sobre quem seriam os melhores candidatos para comandar o destino do nosso País durante os próximos quatro anos!

Infelizmente, constatamos poucos espaços, irrelevantes até, dedicados à apresentação de propostas objetivas na busca de soluções de alguns problemas básicos, como, mais especificamente, neste caso, a questão da mobilidade urbana, que envolve a todos nós. É verdade que a discussão sobre o preço da gasolina mereceu amplo destaque na mídia. Só que esse fato está diretamente ligado, apenas, ao transporte individual. Mas, sobre os transportes públicos e coletivos, que atendem uma expressiva parcela dos brasileiros, quais as medidas práticas para a garantia e qualificação desse serviço, de fundamental importância principalmente para as pessoas menos favorecidas financeiramente?

É importante lembrar que o período da pandemia foi de grande dificuldade para toda a sociedade. O isolamento social, absolutamente necessário por questões sanitárias, forçou um processo de adaptação em muitas das atividades realizadas no dia a dia, inclusive com a paralisação de diversas delas. Entretanto, para o transporte público, esta não era uma opção. E a situação se mostrou extremamente dramática. Foi preciso manter uma prestação de serviços, ainda que básica, para não paralisar o atendimento de hospitais, farmácias, laboratórios, padarias, supermercados, entre outros serviços. A demanda de passageiros caiu significativamente e, por consequência, a receita despencou vertiginosamente. Este período serviu para demonstrar a fragilidade do nosso modelo de financiamento do transporte público, baseado somente na arrecadação tarifária.

E foi exatamente na pandemia que o Brasil “descobriu” a necessidade, e a importância, de tratar o transporte coletivo como investimento social e público, e não como uma atividade privada. Várias cidades se viram obrigadas a realizar aportes financeiros, para que os sistemas não interrompessem suas atividades. Algumas assumiram a operação de forma direta, e outras repensam a lógica de financiamento e de cobrança de tarifa. Em meio a este tumulto, surgiram casos de Tarifa Zero, impensáveis até bem pouco tempo. Com o processo de superação da barreira de custeio do transporte coletivo com recursos públicos, é necessário, aos governantes, desenvolver uma política pública perene. Para isso, torna-se indispensável aprofundar uma outra discussão: encontrar fontes alternativas de investimentos e custeios neste segmento.

Por várias décadas, o país adotou uma política de apoio e subsídios ao transporte individual, de formas diversas: desoneração fiscal, pela redução de IPI dos carros novos; redução de preços de combustíveis, em desacordo com os preços de mercado; implantação de sinalização e estacionamentos gratuitos em via pública, beneficiando somente o transporte individual. Nunca se perguntou aos cidadãos, que só tem o transporte público como opção, se eles concordavam em financiar o transporte individual desta ou daquela maneira!

Em um exemplo hipotético, e um tanto exagerado, mas ilustrando bem o tamanho dos investimentos, ou subsídios, em infraestrutura, dedicadas ao transporte individual, se toda uma cidade fosse atendida exclusivamente por transporte público, as ruas necessitariam apenas de uma faixa por sentido. Em alguns casos, nos pontos de embarque e desembarque mais movimentados, talvez fosse necessária uma ampliação para inclusão de uma faixa de ultrapassagem. Dessa forma, todas as ampliações viárias nas cidades foram realizadas e projetadas para atender ao transporte individual. Já parou para refletir o quanto de dinheiro de impostos está investido em toda essa infraestrutura?

Propostas como a tarifa de congestionamento, nos moldes do que já ocorre em Singapura, Londres, Estocolmo e Nova York, possuem um alto poder de financiamento do transporte coletivo. E ainda auxiliam na redução do uso dos veículos particulares. Como consequência direta, tem-se a redução de tarifa, tornando o transporte público mais atrativo e barato para a população. Como uma das consequências indiretas, tem-se a redução das emissões de poluentes e dos custos com saúde causados pelas doenças respiratórias. Ou seja, o investimento na redução da tarifa do transporte público, por intermédio dos recursos gerados pelo transporte individual, tem potencial para reduzir os gastos com saúde pública!

Outras decisões em utilizar o transporte individual para reduzir o preço das tarifas de transporte público podem estar atreladas na destinação dos recursos arrecadados nos estacionamentos em via pública, conhecidos como Área Azul; na retirada de parte dos valores das multas de trânsito; de compensações financeiras pagas pelos grandes polos geradores de tráfego, como, por exemplo, os shoppings centers; na destinação de uma parcela do IPVA arrecadado pelos estados; entre outras opções.

O que se pretende, com essa discussão, é demonstrar a importância de investir em transporte coletivo e reduzir os custos dos deslocamentos nas cidades para aqueles que usam este meio de locomoção. O financiamento dos serviços de transporte, através de fontes alternativas de receita, permite uma tarifa mais baixa para quem utiliza este meio de deslocamento, além de novos investimentos, tanto na melhoria da qualidade dos ônibus, quanto na oferta de viagens; redução dos custos sociais das externalidades causadas pelo uso excessivo do automóvel, entre outras vantagens.

Com foco novamente direcionado ao período eleitoral em curso, se impõe perguntar: Quantos candidatos têm abordado profundamente a temática do transporte público, um serviço prestado à população, considerado de extrema relevância no nosso dia a dia? Certamente é preciso questionar, e provocar, os candidatos a cargos no executivo, e igualmente na ocupação de cadeiras no legislativo, sobre o que eles fariam para melhorar a mobilidade urbana nas nossas cidades, caso fossem eleitos? São dúvidas pertinentes diante da possibilidade concreta de um caos na mobilidade urbana, caso não sejam tomadas medidas urgentes e eficazes diante de uma realidade cada vez mais palpável, angustiante.

Fonte: Estadão

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