O projeto é fruto de estudos da Cátedra que usaram a técnica estatística de análise de componentes principais.
Melhorar os níveis de aprendizagem escolar é algo urgente em todas as redes de ensino do Brasil, principalmente após a pandemia de covid-19, que acentuou ainda mais a desigualdade educacional no país. É exatamente esse o objetivo da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP, em um projeto realizado em parceria com o movimento Profissão Docente e com o financiamento da B3 Social. No final de julho, foram assinadas parcerias com as secretarias municipais de Educação de Ribeirão Preto, de Bebedouro e de Batatais para o início das ações.
O projeto é fruto de estudos da Cátedra que usaram a técnica estatística de análise de componentes principais. Muito utilizada na Química, área de formação do titular da Cátedra, Mozart Neves Ramos, a técnica, quando aplicada à área educacional, permite trabalhar com matrizes de tamanho variável e um número de indicadores definidos de acordo com o interesse de cada gestor. Dessa forma, é possível estabelecer metas de melhoria das políticas públicas educacionais em médio e longo prazo a partir de evidências científicas.
Segundo Mozart, os estudos iniciais utilizaram cinco indicadores educacionais de 2017 vinculados a aprendizagens escolares para os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental em 27 escolas públicas municipais de Ribeirão Preto: os percentuais de aprendizagem adequada em língua portuguesa e em matemática (meta 3 do Todos Pela Educação – “toda criança com aprendizado adequado ao seu ano”); o Ideb desdobrado nas suas duas componentes, o aprendizado escolar e a taxa de aprovação; e a distorção idade-série. O trabalho foi publicado em 2020 no Portal Nova Escola e, posteriormente, um estudo mais ampliado, incluindo dados de 2019, resultou em um artigo para a Revista Ensaio – Avaliação e Políticas Públicas em Educação, da Fundação Cesgranrio, no ano passado.
“O que essa técnica faz? Ela pega essa matriz multidimensional e tenta, a partir de cada eixo, chamado de componente principal, extrair o máximo de informação possível para explicar a diferença das escolas em relação aos indicadores considerados na análise. No caso dos anos iniciais, por exemplo, somente as duas primeiras componentes já foram capazes de explicar 96% de toda a variância da matriz, o que foi traduzido em um gráfico bidimensional. Os indicadores mais relevantes foram vinculados à meta 3 do Todos Pela Educação”, diz o catedrático.
Uso em outras cidades
Mais recentemente, o mesmo trabalho foi realizado com os dados de 2017 e 2019 das escolas municipais de Bebedouro e Batatais, o que permitiu aos pesquisadores da Cátedra ter uma base do que pode ser melhorado para reduzir a desigualdade educacional nesses dois municípios. Além disso, uma parceria com a MindLab, empresa especializada em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias educacionais, permitiu a criação de dashboards (painéis visuais com informações, métricas e indicadores) a partir dessa modelagem estatística e utilizando dados para outras cidades. Isso permitirá a aplicação do projeto em qualquer outro município que tenha interesse.
“Nós temos análises aqui de todos os mais de 5 mil municípios brasileiros já prontas e com um adendo: além das escolas municipais, temos os indicadores das escolas estaduais e dos Institutos Federais. E, principalmente, a gente tem a possibilidade de ter no mesmo gráfico essa comparação, como estão as escolas municipais em relação às escolas estaduais e aos institutos federais. Nosso compromisso é auxiliar a Cátedra cada vez mais no desenvolvimento desses painéis, para que a gente seja um braço, um incentivo, inclusive, à pesquisa na área de educação. É uma demanda muito importante para tentar compreender melhor esse cenário no pós-pandemia”, explica o gerente de projetos estratégicos da MindLab, Thiago Zola.
Cooperação entre escolas
Outro trabalho que está contribuindo com uma melhor visualização das análises é o do estudante de Matemática Aplicada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, Leomar da Silva. Ele criou mapas topológicos e gráficos que ajudam os gestores a entender de uma forma simples o comportamento das escolas a partir dessas análises. No primeiro tipo de gráfico, chamado de bar race (corrida de barras), Leomar utilizou os dados da série histórica do Ideb de 2007 a 2019 para as escolas municipais de Ribeirão Preto que passaram pela avaliação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em todos os anos.
“Esse gráfico é interessante para identificar alguns cases e entender o que aconteceu durante a série histórica, o que aconteceu na trajetória histórica escolar dessa escola para que o desempenho mudasse. É a mesma coisa para escolas com um bom desempenho ou escolas com maiores dificuldades, entender quais são as particularidades delas para que a gente possa tentar tirar boas práticas disso para a rede inteira”, explica ele.
No segundo modelo de gráfico, o estudante criou um mapa com dados extraídos da análise das componentes principais feita pela Cátedra. Nele é possível identificar as escolas com diferentes desempenhos. “Dá para perceber que às vezes tem até uma diferença totalmente geográfica, onde uma parte está com escolas com maior dificuldade e outra, com menor dificuldade. Acredito que, como ferramenta de política pública, esse instrumento seja interessante para ver distritos e construir realmente uma política pública mais focada para cada região, fazendo correlações com o desenvolvimento socioeconômico do município”, diz Leomar.
Formação de gestores
O projeto financiado pela B3 Social inclui, além da parte de modelagem estatística, outras duas frentes: a formação de gestores e a promoção de cooperação entre escolas por meio da criação de comunidades de aprendizagem. A formação de gestores está iniciando suas atividades neste mês, a partir de entrevistas com diretores escolares de Ribeirão Preto e aplicação de questionários pela pós-doutoranda do IEA-RP e head de avaliação do Instituto Reúna, Filomena Siqueira. Com esses dados, ela pretende desenvolver uma matriz com rubricas que possam nortear o desenvolvimento, na rede de ensino local, das competências previstas na Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar. Ela fará ainda uma apresentação sobre esse trabalho à Secretaria Municipal de Educação de Batatais, para que ele também comece a ser desenvolvido no município.
Batatais, aliás, aprovou no final de julho um projeto de lei para regulamentar o processo de seleção de diretores para as escolas municipais. O documento foi fundamentado na pesquisa de Filomena e prevê também que os diretores deverão participar de programas de capacitação pedagógico-administrativa definidos pela Secretaria com o apoio da Cátedra.
“A administração compreende que o papel do diretor vai além de funções burocráticas, mas que deve ter um perfil de liderança e com capacidade de gestão pedagógica, com vínculo com a comunidade, para qual o concurso não consegue mensurar, bem como torna difícil a mudança, caso seja necessário. Nesse sentido, além do arcabouço legal, na justificativa do projeto, a Secretaria de Educação fundamentou a proposta na pesquisa de Filomena Siqueira, que em sua tese de doutorado demonstrou a relação entre a gestão pedagógica do diretor e o desempenho dos estudantes”, explica o secretário municipal de Educação de Batatais, Victor Hugo Junqueira.
Para Mozart, trabalhar com evidências, como o projeto está fazendo, e mostrar os benefícios disso à sociedade é fundamental para políticas públicas educacionais perenes. “A gente ainda peca muito em falta de foco e essa falta de foco acontece pela descontinuidade das políticas. A melhor maneira de combater a descontinuidade é através de duas coisas: trazer resultados e disponibilizá-los para a sociedade, para que ela abrace aquela estratégia e entenda sua importância”.
Fonte: IEA USP