Como o cálculo mensal de custos e receitas se torna um divisor de águas para todo setor.
As consequências de grandes decisões e mudanças na área de transportes só ficaram claras de 5 a 10 anos após serem implementadas. Se começarmos pela criação do vale transporte, na década de 80, os anos de ouro quanto à demanda só aconteceram na década de 90. Em decorrência da estabilização da moeda e da redução do IPI, pudemos observar a explosão do número de automóveis e motocicletas circulando nas cidades.
Mais recentemente estamos vendo uma movimentação em busca da adoção de bilhetagem pelas gestões municipais como uma tentativa da tão sonhada transparência dos dados. Neste caso ainda cabe um parêntese: é importante avaliar as consequências da medida, e se este é o caminho mais simples e correto para atingir tal objetivo.
Esta movimentação está diretamente relacionada à grande discussão histórica a respeito da remuneração do sistema de transporte com base em seus custos. Diferentes modelos e tentativas foram adotadas, mas um pacote com a visão política, institucional, operacional, tecnológica e da gestão dos dados é o ponto central desta discussão.
O fato central é que o subsídio, por si só, é danoso do ponto de vista político e para setor, uma vez que não endereça o ponto central da discussão, a qualidade VS equilíbrio dos serviços. O subsídio fixo já é alvo de ações do ministério público e de improbidade administrativa, uma vez que não leva em consideração eventuais aumentos de receita. Mesmo que esse delta possa ser incorporado nos cálculos tarifários do final do ano, ações de questionamento a este modelo já ocorrem no Brasil inteiro e a tecnologia atual permite que essa questão seja melhor resolvida.
E qual é esse modelo? Uma alternativa em que os parâmetros de remuneração são pré-definidos (fixos ou variáveis), dependentes de contratos vinculantes antigos e da medição dos indicadores de operação. Desta forma, situações como já vínhamos vivendo, e que foram agravadas a partir de 14 de março de 2020 (Covid-19), seriam minimizadas em um modelo onde a tônica é o equilíbrio entre custos e receitas
No caso de subsídios implantados neste modelo, o aumento da demanda, e consequentemente da receita, permite que poder público e operadores tomem a decisão em conjunto, priorizando quais ações podem ser incorporadas para que os valores de subsídio permaneçam nos mesmos patamares e sejam revertidos em melhorias para o sistema: aumento ou renovação de frota, maior oferta de viagens, adoção de novas tecnologias etc.
A metodologia permite, no primeiro momento, que o ciclo danoso de queda da demanda e corte dos serviços seja substituído pela lógica inversa, em que o aumento de demanda (que faria com que houvesse queda nos valores do subsídio) seja repactuado para incorporação de novas melhorias. Em última análise, pode-se dizer que o poder público passaria a subsidiar o investimento em melhorias operacionais no médio prazo. E não apenas isso. Como legalmente o subsídio depende de aprovação legislativa, é possível vincular sua aprovação a condicionantes como a liberação dos dados brutos de bilhetagem e de monitoramento (AVL).
Esta última medida por si só resolve grande parte dos problemas de transparência. A medição mensal do subsídio passa a ser feita de maneira automatizada, apenas após o recebimento sistematizado desses dados, também de modo automatizado. Quanto à transparência desses dados, é importante frisar que a partir da correta especificação do tipo de dado que será vinculado ao processo do subsídio, os dados brutos permitem a recriação de cada viagem e embarque ocorrido no período. Além disso, processos de auditoria desses dados podem ser executados de maneira rotineira, uma vez que eles se tornam um espelho legal das operações, ao alcance dos governos concedentes dos subsídios
Quem já adotou um modelo nesta linha, e a partir dele, desenvolve um plano de renovação da mobilidade baseado na evolução operacional é Campina Grande, na Paraíba. Desde a implantação do modelo já houve aumento expressivo na demanda transportada pelo sistema, acompanhado de aumento no número de viagens ofertadas à população e na frota operacional empenhada.
Que outros municípios adotem a medida e resgatem a qualidade, a confiança e o equilíbrio do sistema.
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Mestre em transportes pela UFMG, com mais de 15 anos na área tendo atuado em transportes em duas copas do mundo e duas olimpíadas, sendo as duas últimas posições em eventos como consultor do COI e CONMEBOL. Sócio de uma consultoria tradicional de transportes (PLANUM) e sócio de uma startup de inovação de mobilidade (Bus2). Atualmente trata mais de 1 bilhão de registros por mês entre dados de planejamento, AVL, SBE e outros, independente de formato e fornecedores.