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Resiliência financeira em contratos de concessão e parcerias público-privadas

Requisito estrutural para a sustentabilidade das políticas públicas

Os contratos de concessão e de parcerias público-privadas (PPPs) tornaram-se instrumentos centrais para a execução de políticas públicas de infraestrutura no Brasil. Sua natureza complexa, de longa duração e com elevada assimetria de riscos exige modelos contratuais capazes de suportar oscilações econômicas, mudanças regulatórias, choques externos e eventos imprevistos.

Nesse contexto, a resiliência financeira (entendida como a capacidade do contrato de se adaptar e se recuperar de perturbações adversas, preservando o equilíbrio econômico-financeiro e garantindo a continuidade da prestação adequada do serviço) passa a ser elemento estruturante da boa governança contratual.

Sem mecanismos que permitam absorver e responder a eventos disruptivos, os contratos tornam-se frágeis, suscetíveis a disputas, interrupções, necessidade de renegociação constante e, em casos extremos, caducidade.

O equilíbrio econômico-financeiro, previsto no art. 37, XXI da Constituição Federal e regulamentado na Lei 8.987/1995, estabelece que o contratado deve preservar a relação entre encargos assumidos e remuneração recebida. Entretanto, a experiência brasileira mostrou que a mera recomposição ex post, muitas vezes, não é suficiente para lidar com eventos severos ou recorrentes.

Nesse sentido, a resiliência financeira amplia essa perspectiva ao incorporar uma visão sistêmica e preventiva: não basta recompor; é necessário projetar o contrato para resistir. E elementos que compõem essa resiliência incluem:

  • modelagens econômico-financeiras robustas, capazes de simular diferentes cenários macroeconômicos;
  • mecanismos automáticos de revisão e reajuste, reduzindo litigiosidade;
  • distribuição eficiente e calibrada de riscos, com matriz revisitada periodicamente e coerente com a capacidade de mitigação de cada parte;
  • estruturas de garantias e colchões financeiros, como fundos de reserva, contas vinculadas e step-in rights; e
  • indicadores de desempenho que dialoguem com o risco, evitando transferências excessivas e incompatíveis com a realidade operacional.

Esses instrumentos permitem que o contrato absorva variações de demanda, inflação, custos operacionais e impactos excepcionais, como crises sanitárias ou desastres climáticos – fenômenos cuja intensidade e frequência vêm crescendo[1].

De fato, nos últimos anos, concessões e PPPs no Brasil foram expostas a choques significativos: recessões econômicas, eventos climáticos extremos, mudanças legislativas, alta volatilidade cambial e crises de demanda. Tais impactos revelaram fragilidades estruturais e a necessidade de aprimoramento da engenharia contratual.

Esse cenário evidencia que não há contrato de longo prazo sem mecanismos de adaptação. A ausência de resiliência financeira produz efeitos deletérios, como aumento de pedidos de reequilíbrio; excessiva judicialização; redução da capacidade de investimento do concessionário; encarecimento do crédito; deterioração do serviço prestado ao usuário; e risco de descontinuidade contratual.

Ao contrário, contratos financeiramente resilientes funcionam como amortecedores institucionais, permitindo respostas rápidas e previsíveis. No entanto, a resiliência não é apenas um atributo do desenho inicial do contrato; é também um produto de sua gestão de longo prazo. A Lei 14.133/2021 e a Lei 11.079/2004 reforçam a importância de mecanismos de governança, comissões de acompanhamento, transparência e monitoramento de riscos.

Nesse sentido, destacam-se:

  • revisões periódicas do contrato, independentemente de pleitos formais;
  • comissões de governança com participação técnica, reduzindo assimetrias de informação;
  • mapeamento contínuo de riscos, com planos de mitigação e monitoramento;
  • integração entre indicadores financeiros, operacionais e regulatórios; e
  • disclosure sistemático de informações ao financiador e ao poder concedente.

Uma governança robusta, portanto, reduz comportamentos oportunistas, melhora o alinhamento entre as partes e amplia a previsibilidade dos impactos econômicos, fortalecendo o ambiente institucional e mitigando custos futuros de transação.

A resiliência financeira dos contratos de concessão e PPPs, portanto, é elemento essencial para a sustentabilidade das políticas públicas e para a preservação do equilíbrio econômico-financeiro ao longo de sua execução. Contratos capazes de se adaptar econômica e financeiramente, e se recuperar de eventos adversos reduzem riscos, fortalecem a confiança entre os agentes, evitam rupturas e garantem a continuidade do serviço público.

Avançar nessa agenda implica combinar modelagem robusta, governança qualificada, gestão ativa de riscos e transparência. Somente assim será possível construir contratos mais estáveis, eficientes e alinhados às demandas de um país que depende fortemente da infraestrutura para seu desenvolvimento econômico e social.


[1] A intensificação de eventos climáticos extremos e seus efeitos sobre infraestrutura têm sido amplamente documentados em relatórios do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) e em análises do Banco Mundial.

Fonte: JOTA

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