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Transição energética é complexa e apresenta oportunidades e riscos socioeconômicos, avaliam cientistas

São Paulo precisa impulsionar o processo de substituição gradual de combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis no Brasil, apontou Gilberto Jannuzzi em conferência promovida pela FAPESP para discutir os caminhos para o país pós-COP30

Um dos temas centrais da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), a transição energética dependerá da superação de uma série de desafios para ser implementada no Brasil e em diversos países cujas economias ainda são baseadas fortemente no petróleo.

A avaliação foi feita por pesquisadores participantes de uma conferência promovida pela FAPESP na sexta-feira passada (28/11) para discutir os caminhos para o Brasil após a COP30.

Durante o evento foi discutido o caminho para acelerar a descarbonização, incluindo a mobilização de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 e a criação de mecanismos financeiros para apoiar países em desenvolvimento em suas transições energéticas.

“A transição energética não é uma coisa simples. Uma das menções a respeito que saíram nos documentos publicados na COP30 é que ela pode acarretar tanto oportunidades como riscos socioeconômicos. Países que são totalmente dependentes da produção e exportação de petróleo e gás pleitearam entrar no pacto de perdas e danos, apontaram que vão perder muito e questionaram quem vai pagar para fazerem a transição energética”, disse Thelma Krug. A pesquisadora é presidente do Conselho Científico – composto por 11 renomados especialistas, dos quais seis são do Brasil e cinco oriundos da África do Sul, Estados Unidos, Alemanha, China e Inglaterra –, estabelecido como órgão consultivo pela presidência da COP30 (leia mais em: agencia.fapesp.br/55727).

Krug avalia que um dos principais trunfos do evento no Pará foi reforçar o papel do multilateralismo em um momento geopolítico complicado. “O reconhecimento do multilateralismo, fundamentado nos princípios e regras da Organização das Nações Unidas [ONU], representou, para mim, uma chave de esperança de que, apesar de toda a situação política pela qual estamos passando, ainda continuamos unidos em torno da causa de combater as mudanças climáticas.”

Já na avaliação de Luiz Aragão, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), apesar da falta de consenso para aprovação do mapa do caminho para a eliminação do uso de combustíveis fósseis, a COP30 apresentou avanços com o lançamento do Balanço Global de Carbono 2025.

O documento aponta que as emissões de gases de efeito estudo (GEE) pela queima de combustíveis fósseis continuam aumentando mundialmente. “Só temos um limite de 170 bilhões de toneladas de CO2 para que o aquecimento global não atinja o ponto de 1,5 °C, que pode ser atingido em quatro anos se continuarmos com as taxas de emissões registradas este ano”, disse Aragão.

Outra revelação trazida pela COP30 foi o déficit de ação dos governos em relação aos resultados apresentados pela ciência, avaliou Marcio Astrini, diretor do Observatório do Clima.

“Durante um mês e meio, praticamente, os cientistas fizeram uma campanha permanente, com o lançamento de dados e relatórios com conclusões contundentes para os governos que participaram da COP30. A ciência fez sua parte, entregando estudos mastigados, com o diagnóstico da situação”, avaliou.

A assessora técnica do Instituto de Pesquisas Ambientais da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil), Jussara de Lima Carvalho, sublinhou que não existe COP sem ciência. “A Convenção do Clima da ONU já foi criada em cima da ciência. Foi a ciência que trouxe a necessidade da criação da convenção”, afirmou.

Começo em São Paulo

Os planos de transição energética do país devem ser iniciados por São Paulo, avaliou Gilberto Jannuzzi, professor em Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (FEM-Unicamp). Ele foi moderador de uma mesa-redonda promovida pela FAPESP na COP30, que reuniu especialistas da África do Sul, Brasil, China e Índia em que se debateram os desafios e oportunidades para a cooperação Sul-Sul no cenário de descarbonização da economia global até 2050 (leia mais em: agencia.fapesp.br/56487).

A despeito de São Paulo possuir a matriz energética mais limpa do país, com 60% de participação de fontes renováveis, em comparação a 50% no Brasil e 15% nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Estado é o maior emissor nacional de GEE nos setores de transporte, energia e de resíduos e saneamento, ponderou o pesquisador.

“A transição energética no Brasil tem de começar por São Paulo, cujas emissões de gases de efeito estufa se diluem pelo país, mas são iguais às de um país industrializado. Por isso, muitas das nossas soluções vão ter de ser conversadas com países como a Alemanha. Temos muita lição de casa para fazer”, avaliou o pesquisador.

Jannuzzi: Estimativas apontam que o Estado de São Paulo pode arcar com menos de 30% dos custos previstos em seu plano de ação climática, logo será preciso envolver o setor privado com formas atraentes de cofinanciamento (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

Segundo Jannuzzi, São Paulo já possui um Plano de Ação Climática (PAC 2050) voltado a zerar as emissões de GEE do Estado até 2050, além de outros para adaptação e resiliência climática direcionados aos segmentos de logística, transportes, resíduos e recursos hídricos. O problema, contudo, é que esses planos ainda não se conversam, ponderou o pesquisador.

“O Plano de Ação Climática, do qual participei da elaboração, propôs a criação de um conselho sobre mudanças climáticas que ajude a juntar elementos dos planos de logística, de transporte e outros, e estamos discutindo agora com a Semil uma segunda etapa do PAC 2050 que incorpore elementos dos planos de adaptação climática e de energia”, contou.

De acordo com dados do PAC 2050, o setor de transporte é a maior fonte de emissões de GEE do Estado de São Paulo, com 29% das emissões totais inventariadas em 2022, contra 12% das emissões no país. Já as atividades ligadas a agropecuária, florestas e uso do solo, que lideram o cenário nacional com 62% das contribuições, em São Paulo correspondem a 28%.

As fontes de emissão de gases de efeito estufa no Estado de São Paulo não são muito disseminadas. Por isso, dá para resolver com uma certa homogeneidade de ações dentro do plano climático”, avaliou Jannuzzi.

A boa notícia trazida pelo PAC 2050 é que é possível ao Estado de São Paulo atingir a neutralidade nas emissões de GEE pelo setor de energia até 2050 com o aumento da eficiência energética tanto no uso de eletricidade como de combustíveis e de ações como a introdução de combustíveis avançados a partir da biomassa e do uso de hidrogênio, apontou o pesquisador.

O principal gargalo, contudo, está no setor de agropecuária, florestas e uso do solo, sublinhou Jannuzzi. “As projeções indicam que, em 2050, o Estado de São Paulo ainda será um emissor líquido global de GEE, devido ao metano emitido por gado, além de carbono da própria agricultura e do uso do solo”, afirmou.

“Com o reflorestamento, é possível abater uma parte, mas não é possível zerar as emissões”, ponderou.

Financiamento da transição energética

Outra fragilidade para promover a transição energética em São Paulo é o financiamento, que será muito mais importante para atingir as metas do que o desenvolvimento de tecnologias, avaliou Jannuzzi. Segundo estimativas do PAC 2050, os recursos públicos que o Estado poderá aportar para promover as ações do plano não correspondem a 30% do valor necessário.

“A maior parte dos recursos terá de vir do setor privado. E, para que isso aconteça, será preciso criarmos maneiras atraentes para o financiamento do plano de ação climática do Estado. Isso já está surgindo. Já há vários esquemas muito interessantes em nível federal e internacional de cofinanciamento de ações climáticas”, disse.

Algumas das fontes que poderiam ser utilizadas para financiar a transição energética em São Paulo e no país é a arrecadação de royalties do petróleo e gás – compensações financeiras pagas pela exploração de recursos naturais não renováveis – e a cláusula de PD&I, uma obrigação contratual que determina o investimento de uma porcentagem da receita bruta das petrolíferas em pesquisa, desenvolvimento e inovação, apontou Jannuzzi.

“Temos um ecossistema de financiamento para pesquisa, desenvolvimento e inovação em energia fantástico no Estado de São Paulo, no qual a FAPESP se insere. É preciso estimular que essas pesquisas convirjam para a transição energética.”

Fonte: Agência FAPESP –Elton Alisson

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