Nas metrópoles latino-americanas, em geral, os ricos vivem mais perto de parques e árvores do que os pobres. Nas periferias, mesmo quando há vegetação, a acessibilidade é um desafio.Vista de cima, Paraisópolis, a maior favela da maior cidade do Brasil, é um círculo cinza rodeado por verde. Ao redor do aglomerado de casas precárias, ficam as residências espaçosas e os prédios de luxo do bairro do Morumbi, um dos mais ricos de São Paulo – e, não por acaso, também um dos mais arborizados.
A justaposição da favela pobre e do bairro rico já se tornou um lugar comum no Brasil. Fotos dessas realidades contrastantes são comuns nos livros didáticos do país, onde servem como ilustração da disparidade econômica. Entretanto, há um aspecto menos evidente da desigualdade vista na imagem: além de pobre, Paraisópolis é cinza. Além de rico, o Morumbi é verde.
Isso é importante porque viver em locais arborizados está associado a uma série de benefícios. A presença de vegetação reduz a sensação térmica em dias de calor extremo , e quem vive cercado por verde costuma ter melhor saúde mental e fazer mais atividades físicas, por exemplo.
Nas megacidades da América Latina, porém, a arborização acompanha divisões de classe e renda, de acordo com especialistas em urbanismo e ecologia das seis maiores cidades da região.
Pesquisadores de São Paulo (Brasil), Cidade do México (México ), Lima (Peru ), Bogotá (Colômbia ), Buenos Aires (Argentina ) e Santiago (Chile ) relatam que o crescimento urbano desordenado, a ausência de políticas públicas e a escassez de recursos fazem com que bairros pobres não tenham uma quantidade adequada de parques, espaços verdes e árvores nas vias. Tudo isso é visível de cima, usando imagens de satélite – e através delas podemos identificar onde estão os bolsões de verde e de cinza em cada cidade.
Menos árvores, mais calor
La Molina e San Isidro são dois dos bairros mais verdes de Lima, a capital do Peru. Ambos ficam em regiões ricas e, apesar do clima árido da cidade, praticamente dobraram sua cobertura verde desde os anos 1980, de acordo com um estudo recente que mensurou a densidade de vegetação em diferentes localidades usando imagens de satélite.
Em bairros periféricos, como Carabayllo e San Martín de Porres, aconteceu o oposto: o verde diminuiu ao longo das décadas, conforme a cidade se expandia de forma desordenada e a vegetação natural dessas áreas foi sendo substituída por uma urbanização densa e, muitas vezes, precária.
Para o estudo, os pesquisadores também compararam as temperaturas de bairros com diferentes graus de arborização e confirmaram que, em Lima, os bairros mais verdes são significativamente mais frescos que os demais. As áreas ricas, portanto, ficam menos expostas ao calor extremo.
“Há bairros onde os moradores têm telhados de zinco. Como não há áreas verdes suficientes, a temperatura, somada à presença desse tipo de material, aumenta. Isso gera estresse térmico. Não é o mesmo que morar em um bairro com mais arborizado e com materiais de construção mais adequados”, diz Dámaso Huaroto, professor de engenharia ambiental na Universidade Científica do Sul (UCSUR, na sigla em espanhol) e um dos autores do estudo.
A realidade que Huaroto descreve – um desenvolvimento urbano precário que prejudica os mais pobres – não é uma exclusividade de Lima. É, na verdade, algo comum nas metrópoles da América Latina.
Durante décadas, a migração em massa fez com que estas cidades crescessem sem planejamento, gerando zonas residenciais extensas e densamente povoadas nas periferias.
“Nos bairros marginalizados, quase todos os espaços são necessários para habitação. E quando as cidades crescem muito, as moradias começam a ficar cada vez mais distantes, o que exige deslocamento. Mesmo os espaços que não são utilizados para moradia passam a ser utilizados para transporte”, explica Francisco de la Barrera, pesquisador do Centro de Desenvolvimento Urbano Sustentável (Cedeus, na sigla em espanhol), um centro de pesquisa em urbanismo sediado em Santiago, capital do Chile.
Acesso a espaços verdes é marcado por divisão social
Um estudo conduzido por Barrera e outros seis pesquisadores mapeou áreas verdes em diversas regiões do Chile. Os pesquisadores também calcularam quantas pessoas moravam a uma distância a ser percorrida a pé para chegar até elas.
Em Santiago, a região com mais verde acessível fica ao redor do Cerro San Cristóbal, o maior parque da cidade – um local que concentra uma população de renda mais alta.
Em regiões mais pobres, a acessibilidade diminui. É o caso, por exemplo, de algumas áreas da Comuna de San Ramón.
Pesquisadores da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) detectaram uma realidade parecida na Cidade do México. Lá, existe uma correlação negativa entre o nível de marginalidade de uma região e a quantidade de áreas verdes de que ela dispõe. Na prática, isso significa que, quanto mais vulnerável socialmente é um local, menos parques e praças estão disponíveis para seus moradores.
A razão, assim como no Chile, envolve uma grande demanda por habitação. “A especulação imobiliária nessas zonas levou as construtoras a maximizar os lucros, se aproveitando da necessidade das pessoas de ter um lugar para viver. Elas se aproveitam de qualquer metro quadrado disponível”, diz Luís Zambrano, ecologista da UNAM.
O pesquisador, porém, também destaca uma aparente contradição: fugindo da regra, algumas das áreas residenciais pobres estão muito perto de áreas de vegetação preservada, o que resulta em uma cobertura verde acima da média – um fenômeno contraintuitivo que também acontece em outras cidades.
Quando há verde na periferia
Embora riqueza e cobertura verde estejam correlacionados, nem sempre os bairros pobres e periféricos são densos e cinzas. Em alguns casos, eles chegam a ser os locais mais verdes da cidade, em números absolutos.
De volta à São Paulo, por exemplo, a região periférica de Cidade Tiradentes, no extremo leste, tem uma cobertura vegetal maior que a de áreas ricas no centro. O mesmo ocorre em outros bairros nos extremos da cidade, como em Parelheiros, na Zona Sul. Ali, a vegetação é abundante, mas fica em locais de difícil acesso, como no topo de morros.
De acordo com Luiza Fernanda Tamas, gestora ambiental formada pela Universidade de São Paulo (USP) e moradora da cidade, viver perto desse tipo de vegetação não garante acesso aos benefícios que essas regiões oferecem.
“Eu sou do extremo norte de São Paulo, do bairro do Morro Doce, onde fica o Parque Anhanguera, o pico de Jaraguá, onde há remanescentes de Mata Atlântica”, conta Tamas, mencionando alguns dos maiores espaços verdes do município. “Mas no bairro em si há muita aridez e solo impermeabilizado. Na rua, onde a população anda, não há árvores.”
Uma realidade semelhante ocorre em Bogotá, capital da Colômbia. O bairro de Usme, no extremo sul, concentra a maior quantidade de cobertura verde por habitante, de acordo com uma pesquisa conduzida por Jéssika Zambrano, engenheira topográfica colombiana que hoje faz doutorado na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O extremo sul da capital colombiana, assim como o extremo norte de São Paulo, é cercado por reservas naturais e morros, mas suas zonas residenciais são densas e pouco arborizadas, com crescimento populacional rápido e desordenado.
“Apesar de Usme ter essa vista do parque, das florestas e das montanhas, a pobreza continua sendo a característica fundamental do bairro”, ressalta Jéssika Zambrano. “A localização dessas árvores não é nas vias, mas nos arredores, e as pessoas não têm acesso – só olham de longe”.
Os desafios da densidade
À primeira vista, a capital da Argentina, parece uma exceção. Um estudo realizado pela fundação sem fins lucrativos Bunge & Born mapeou as áreas verdes em todo o país, e a grande Buenos Aires é uma das poucas onde os mais ricos e os mais pobres vivem, em média, igualmente próximos de uma área verde.
No entanto, de acordo com Antonio Vazquez Brust, um dos autores do estudo, isso acontece porque há poucos parques na cidade e mesmo as áreas mais ricas são densamente povoadas – com a exceção dos condomínios fechados, que têm muitos espaços verdes que não são acessíveis ao público.
Uma saída, de acordo com um estudo de caso publicado pela mesma organização, seria converter locais como estacionamentos e depósitos em praças verdes, especialmente nas áreas mais centrais.
Outras sugestões mencionadas pelos pesquisadores entrevistados incluem priorizar espécies nativas em espaços públicos, a fim de reduzir os custos de manutenção, e, fundamentalmente, incluir as populações marginalizadas no debate sobre onde e como novas infraestruturas verdes devem ser desenvolvidas.
“As cidades são tão maleáveis quanto a natureza. Se precisarmos demolir um prédio para fazer um parque, isso pode ser feito”, diz Luís Zambrano, pesquisador da UNAM. “Parte do problema é que acreditamos que a batalha já está perdida, mas o asfalto pode ser removido. Custa muito tempo e dinheiro, mas é muito melhor do que continuar vivendo como vivemos agora. ”
Fonte: Terra







