Como a previsão do tempo para o passageiro muda a percepção do usuário
No debate sobre a modernização do transporte coletivo, muito se fala em infraestrutura, veículos novos e tarifa zero. No entanto, uma revolução silenciosa, e talvez mais impactante para o passageiro, deve ocorrer através da palma de nossas mãos. A verdadeira percepção de qualidade do serviço não se mede mais apenas pela idade da frota, mas pela confiabilidade da informação. A pergunta “que horas o meu ônibus vai passar?” tornou-se um ponto central da experiência do usuário, e a precisão dessa resposta é uma nova moeda de troca para a confiança e fidelidade do passageiro.
Essa mudança de percepção não surgiu do nada. Ela foi impulsionada pela revolução dos aplicativos de ride-hailing. Quando plataformas como Uber e 99 entraram no mercado, elas não venderam apenas uma “carona”; elas venderam previsibilidade. O usuário passou a ver o ícone do carro no mapa, saber o nome do motorista e, o mais importante, receber um ETA (Tempo Estimado de Chegada) com precisão de minutos.
Essa experiência redefiniu fundamentalmente a expectativa do consumidor. O “padrão Uber” de informação em tempo real tornou-se a nova régua pela qual todos os serviços de mobilidade são medidos. De repente, a incerteza crônica do transporte coletivo não era mais uma fatalidade inevitável do dia a dia; tornou-se uma falha de serviço gritante em comparação. O passageiro agora sabe que é tecnologicamente possível ter previsibilidade.
É por isso que a psicologia do transporte se tornou tão relevante. Estudos na área demonstram consistentemente que o tempo de espera percebido é mais estressante e parece mais longo do que o tempo de espera conhecido. Um passageiro que espera 10 minutos por um ônibus, sabendo que ele chegará em 10 minutos, tem uma experiência de viagem superior àquele que espera 5 minutos em total incerteza. A ansiedade de não saber se o ônibus já passou, ou se vai demorar mais 30 minutos, mina a confiança no sistema.
É aqui que a tecnologia, fundamentada em dados de qualidade, assume seu papel de protagonista para o transporte coletivo. A capacidade de fornecer um ETA preciso não é mágica; é o resultado de um ecossistema de dados complexos e bem gerenciados.
O pilar de todo esse sistema é o GTFS (General Transit Feed Specification). O GTFS estático é o “plano de voo”: ele mapeia de forma padronizada todas as rotas, paradas e horários programados. Sem um GTFS estático preciso, todo o sistema de informação ao usuário já nasce com um defeito de origem. Se o mapa básico está errado, a localização em tempo real não pode ser corrigida.
O segundo componente é o GTFS-RT (Real-Time), que é a camada de realidade aplicada sobre o plano. Ele utiliza os dados de GPS dos veículos para informar onde eles realmente estão, considerando o planejado, atrasos ou adiantamentos.
A precisão do ETA que o usuário vê no aplicativo é uma fusão sofisticada desses dois mundos, onde os algoritmos não devem apenas corrigir o presente, mas também aprender com o passado.
No entanto, como exaustivamente defendido, a IA só pode ser tão boa quanto os dados que a alimentam. Se o GTFS estático está desatualizado (uma rota mudou e não foi atualizada, mesmo quadro de horário de dia útil aplicado para fim de semana), ou se o GPS do veículo falha (ou está alocado em rota errada), o ETA se torna uma ficção. E uma informação errada é, muitas vezes, pior do que nenhuma informação, pois ela quebra ativamente a confiança do usuário.
Aqui reside outra falha comum na gestão de dados: se um veículo perde velocidade todos os dias em um determinado trecho congestionado às 18h, isso deixou de ser um “atraso” (um evento inesperado) e tornou-se um “comportamento padrão” (um evento previsível).

Uma gestão de dados verdadeiramente inteligente não usa o GTFS-RT (GPS) apenas para informar ao passageiro que o ônibus está atrasado novamente. Ela usa o histórico desses “atrasos” previsíveis para corrigir o dado planejado (o GTFS estático). Na prática, o tempo de viagem programado para aquele trecho, naquele horário específico, já deve ser ajustado para refletir a realidade do trânsito.
Ao fazer isso, o ETA se torna muito mais preciso por duas razões:
- O “Plano” é Realista: O horário programado que o usuário consulta já é muito próximo da realidade, diminuindo a discrepância inicial.
- O “Tempo Real” Foca no Inesperado: O sistema em tempo real (GTFS-RT) passa a ter que corrigir apenas desvios reais e não-programados (como um acidente, uma manifestação ou uma chuva forte), e não a ineficiência de um planejamento que ignora a realidade diária.

Portanto, investir na qualidade dos dados de transporte não é um gasto técnico supérfluo; é um investimento direto na satisfação do cliente. Gestores de transporte que focam apenas na estrutura financeira, mas negligenciam a precisão de seus sistemas de informação, estão ignorando o principal fator de qualidade percebida na era digital. A confiança perdida por dados errados demora muito mais para ser recuperada do que um assento de ônibus leva para ser consertado. No jogo real da mobilidade, a informação precisa é um dos caminhos para fidelizar o passageiro e tornar o transporte coletivo competitivo.


Mestre em transportes pela UFMG, com mais de 15 anos na área tendo atuado em transportes em duas copas do mundo e duas olimpíadas, sendo as duas últimas posições em eventos como consultor do COI e CONMEBOL. Sócio de uma consultoria tradicional de transportes (PLANUM) e sócio de uma startup de inovação de mobilidade (Bus2). Atualmente trata mais de 1 bilhão de registros por mês entre dados de planejamento, AVL, SBE e outros, independente de formato e fornecedores.



 
                                    



