spot_img
HomeEIXOS TEMÁTICOSMobilidadePor que está se vendendo tanta moto no Brasil? Entenda

Por que está se vendendo tanta moto no Brasil? Entenda

Com mais de 1 milhão de unidades vendidas no primeiro semestre de 2025, o País vive um boom sobre duas rodas. A ascensão das motos como meio de transporte e ferramenta de trabalho, porém, traz desafios para toda a sociedade

No primeiro semestre de 2025, foram emplacadas mais de 1 milhão de motocicletas no País, de acordo com dados da Fenabrave, federação que reúne os distribuidores de veículos do Brasil. O volume representa crescimento de 10,33% na comparação com o mesmo período do ano passado. Os números mostram que nunca se vendeu tanto moto no Brasil. Além disso, confirma a projeção dos distribuidores de que o segmento deve bater recorde e superar os 2 milhões de unidades vendidas no ano.

A produção de motos acumulada entre janeiro e junho no Brasil também ultrapassou a barreira de 1 milhão de unidades produzidas. Segundo a Abraciclo, associação que reúne os fabricantes instalados no Polo Industrial de Manaus, houve alta de 15,3% sobre o mesmo período do ano passado e foi o melhor resultado da indústria nos últimos 14 anos.

Mas, afinal, por que está se vendendo tanta moto no Brasil? “Entre os diversos fatores, podemos destacar a economia de combustível, o baixo custo de manutenção, a agilidade nos deslocamentos e o constante crescimento da utilização profissional. Com isso, a motocicleta se torna uma solução mais econômica e acessível de transporte para as diferentes regiões e cidades brasileiras”, acredita o presidente da Abraciclo, Marcos Bento.

Troca de modal

Outro fator associado ao aumento das motocicletas nas cidades brasileiras é a queda da atratividade do transporte público coletivo, que, ao longo das últimas décadas, tem visto uma redução considerável dos usuários, como mostram estudos da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) e também a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD).

Desde os anos 2010 já se vem observando uma tendência de migração do modal do transporte coletivo para o individual em todas as faixas de renda. Entre as razões para a mudança estão a qualidade do serviço, o custo, o tempo das viagens e a cobertura dos sistemas, causando, assim, uma queda no número de passageiros, enquanto, por outro lado, a taxa de motorização cresce rapidamente: quase triplicou nos últimos 20 anos, explica a gerente da gestão da Mobilidade do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Lorena Freitas.

“Nesse contexto, a aquisição de motocicletas se mostra como uma opção menos custosa (em comparação aos carros) de viabilizar o acesso às atividades de trabalho, saúde, lazer e acesso à cultura”, afirma Freitas. A pesquisadora cita o crescimento expressivo da frota de motocicletas como prova desse fenômeno.

Atualmente, a frota nacional ultrapassa as 35 milhões de motos, representando aumento de 42% ao longo da última década, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). O aumento de motos nas ruas foi acompanhado por uma elevação de 38,4% no número de condutores habilitados na categoria A, específica para veículos motorizados de duas ou três rodas.

Novos motociclistas

Caso da fotógrafa Lais Cesare, 23 anos, que foi a primeira da sua família a tirar carta de moto. Em outubro do ano passado, Laís entrou para a estatística: hoje, mais de 40 milhões de brasileiros estão aptos a conduzir motocicletas ou similares. A jovem também faz parte de um grupo de motociclistas que não para de crescer: o público feminino. Segundo a Abraciclo, atualmente, 33% das motos são vendidas para mulheres.

“O carro está tão caro, hoje, no Brasil”, diz Laís, explicando porque decidiu tirar a carteira A/B, que a permite conduzir automóveis e motocicletas. Lais mora na zona leste da capital paulista e viu nas motos uma forma rápida e barata de se locomover. De acordo com a fotógrafa e estudante, o trajeto de sua casa até a faculdade leva duas horas de transporte público. Já, de moto, demora apenas 40 minutos.

Já com a carta em mãos, Laís diz que sonha com uma scooter Yamaha NMax 160. “A gasolina também está cara”, diz ela. Com consumo de cerca de 40 km/litro, câmbio automático e preço de R$ 23 mil a scooter da Yamaha representa a maioria das motos vendidas no Brasil.

Entre as mais de 1 milhão de motos produzidas, a grande maioria são de modelos de até 160 cc. Ou seja, motos de baixa cilindrada utilizadas nos deslocamentos diários e também na logística e delivery. “Embora o segmento de baixa cilindrada ainda represente 79% do mercado total, hoje percebemos um aumento pela procura de motocicletas de média cilindrada”, complementou Bento.

Moto como hobby

Segundo o executivo, trata-se de um movimento natural do consumidor, que opta por modelos com mais recursos tecnológicos e desempenho, passando a utilizar a motocicleta também para o lazer e as viagens. “No primeiro semestre, o segmento médio respondeu por 19% do volume total produzido, o que corresponde a uma alta de 19,2% na comparação com o mesmo período de 2024”, analisou o representante das fabricantes.

O propagandista Carlos Silveira, de 37 anos, faz parte desses novos motociclistas que vêm na moto um hobby. “Sempre tive vontade, mas sempre tive muito medo. Agora eu quero uma moto para fazer um passeio no fim de semana”, diz ele que ainda faz as aulas para prestar o exame prático.

Quando for habilitado, o plano de Silveira, que mora em São Bernardo (SP), é comprar uma moto para pegar a estrada com os amigos. “Estou olhando para esses modelos clássicos e mais estilosos, como as Royal Enfield de 350 cc. Vejo sempre a galera que tem moto combinando de se encontrar e viajar, quero uma moto com mais desempenho para passear”, diz ele.

Moto e geração de renda

Além da lacuna criada pelo transporte público, a moto se apresentou como uma possibilidade de geração de renda. Inicialmente, no transporte de passageiros, na figura dos mototaxistas, que vêm sendo incorporados às opções dos transportes por aplicativos. Entretanto, as motos também se mostram ainda mais importantes com o crescimento do delivery.

Um estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) mostrou que o crescimento da frota de motocicletas no Brasil se tornou mais forte a partir de 2016, justamente quando o crescimento do serviço de entregas por aplicativos também foi observado.

“Essa atratividade é especialmente notada nos casos de jovens de áreas periféricas – que, por um lado, têm pior oferta de transportes públicos em seus territórios, e, por outro, passam a poder ganhar o próprio dinheiro, ainda que em condições de trabalho precarizadas”, alerta Lorena Freitas do ITDP. A pesquisadora critica a remuneração inadequada e os limites na fiscalização desse tipo de serviço.

Desafios para o futuro

O aumento do número de motos nas ruas seja para os deslocamentos diários, trabalho ou passeio, contudo, apresenta desafios para o poder público e a sociedade como um todo. A segurança viária pode ser considerada um dos principais desafios ao poder público, acredita Freitas. “O setor de transportes possui um impacto direto no sistema de saúde pública, com elevada taxa de sinistros que atingem mais a população jovem, masculina e negra. Essas ocorrências promovem a sobrecarga do sistema único de saúde (SUS). De acordo com matéria do Mobilidade Estadão, em 2024, o SUS atendeu mais de 220 mil pessoas em decorrência de sinistros, dos quais mais de 150 mil foram motociclistas”, relata a pesquisadora do ITDP.

Apesar da evolução das motos, dos equipamentos de segurança e da legislação, atualmente, os motociclistas representam quase 40% dos mortos no trânsito do País.

Educação e redução da velocidade

“Quando comecei a andar de moto, não existia a lei que obriga a usar o capacete e eram tão poucas motos nas ruas que quando você passava por um outro motociclista você até fazia um cumprimento. Se a gente via um motociclista parado, perguntava se estava precisando de ajuda. Não existia motoboy, era outro mundo. Este ano o Brasil deve passar de 2 milhões de motos produzidas e os desafios são enormes para educar e dar mais segurança a tanta gente”, afirma o jornalista João Mendes. Mendes acaba de lançar um livro que conta a criação do “Bike Show”, primeiro programa sobre motociclismo na TV brasileira, e traz histórias de cinco décadas do mundo das duas rodas no País.

Para ele o perfil dos motociclistas mudou bastante desde a década de 1970. Fundador da AMO-RJ (Associação dos Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro), João Mendes diz que campanhas e cursos de segurança viárias podem ajudar. Contudo, o experiente jornalista especializado em motos aponta o comportamento dos motociclistas como um fator que também precisa mudar.

“Hoje, principalmente a turma que faz entrega, anda muito pela contramão, atravessa avenidas pela passarela de pedestres e andam com extrema velocidade causando acidentes”, analisa ele. O excesso de velocidade também é visto com preocupação por outros especialistas.

Para Lorena Freitas, investir em ações de acalmamento do tráfego e melhorar a fiscalização viária, porém, não será suficiente. “Entender como acomodar de forma segura a crescente frota de motos segue sendo um desafio para as cidades. Nesse contexto, medidas que reduzam a dependência de transportes individuais devem ser valorizadas, pois, uma vez que se estimule a redução de carros e motos em circulação cotidianamente, também se reduzirão os sinistros, os congestionamentos e as emissões de poluentes”, conclui.

Fonte: Mobilidade Estadão

Artigos relacionados
- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img

Mais vistos

- Advertisment -spot_img
- Advertisment -spot_img

Mais vistos