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A Inteligência Artificial no Transporte Público: Uma Revolução que Depende de Dados de Qualidade

Gustavo Balieiro
Gustavo Balieiro
Mestre em transportes pela UFMG, com mais de 15 anos na área tendo atuado em transportes em duas copas do mundo e duas olimpíadas, sendo as duas últimas posições em eventos como consultor do COI e CONMEBOL. Sócio de uma consultoria tradicional de transportes (PLANUM) e sócio de uma startup de inovação de mobilidade (Bus2). Atualmente trata mais de 1 bilhão de registros por mês entre dados de planejamento, AVL, SBE e outros, independente de formato e fornecedores.

Sem uma base de dados sólida, a promessa de eficiência da IA não passa de uma miragem

A discussão sobre o futuro da mobilidade urbana raramente escapa do fascínio da Inteligência Artificial (IA). Promessas de sistemas de transporte coletivo mais eficientes, pontuais e adaptados às necessidades dos cidadãos povoam o imaginário de gestores públicos e de operadores. No entanto, em meio ao otimismo tecnológico, uma premissa fundamental é frequentemente negligenciada: a IA, por mais avançada que seja, é apenas uma ferramenta. Sua eficácia e capacidade de transformar o transporte coletivo urbano dependem diretamente da qualidade dos dados que a alimentam. Sem dados saneados, tratados e, acima de tudo, corretamente interpretados, a revolução prometida pela IA não passará de uma miragem.

Não há dúvidas sobre o potencial transformador da IA para o setor. As aplicações são vastas e promissoras. Sistemas de IA podem interpretar cenários, identificar riscos e otimizar tanto as rotas em tempo real quanto os quadros de horários planejados. Para o passageiro, a IA pode oferecer não apenas informações precisas sobre horários de chegada e níveis de lotação, mas também pode mapear padrões de comportamento para sugerir trajetos e ações personalizadas.

Contudo, a base de toda essa inovação reside em um elemento muitas vezes invisível e subestimado: o dado. A IA aprende a partir de padrões extraídos de um grande volume de informações. Se os dados de origem – como os dados planejados (GTFS) e os dados da operação real (GPS e Bilhetagem Eletrônica) – forem imprecisos, incompletos ou mal estruturados, o resultado será um sistema ineficiente e, no pior dos casos, prejudicial à operação. Como dita a máxima da ciência de dados, popularizada pela IBM: “Garbage In, Garbage Out”. Ou seja, se um algoritmo for alimentado com “lixo digital”, gerará apenas “soluções-lixo”.

É aqui que reside o grande desafio para as cidades brasileiras. A simples coleta de dados não é suficiente. É preciso investir em um processo rigoroso de saneamento e tratamento. Isso implica em corrigir inconsistências, preencher lacunas, padronizar formatos e garantir a fidedignidade de cada registro. Além disso, é crucial que a interpretação desses dados seja feita sem vieses, com uma análise que transcenda a tecnologia e compreenda as complexas dinâmicas sociais e urbanas. Uma diminuição atípica na demanda de uma linha, por exemplo, pode ser erroneamente classificada por um algoritmo como flutuação estatística. Na verdade, pode refletir um evento específico, como um dia sem aulas no município — fato que poderia ser comprovado ao cruzar dados de geolocalização dos embarques com o tipo de cartão utilizado (estudantil).

Portanto, antes de sonhar com sistemas de otimização autônoma, os gestores precisam se concentrar no trabalho de base. Isso significa investir na tecnologia mínima adequada, capacitar profissionais para a manutenção dos dados de planejamento e para garantir a qualidade das informações em tempo real. Fundamentalmente, é preciso criar uma cultura orientada a dados corretos em todas as esferas da gestão do transporte, dos órgãos gestores às empresas operadoras.

A Inteligência Artificial não é uma solução mágica para os crônicos problemas do transporte coletivo urbano. Ela é uma ferramenta poderosa que, se bem utilizada, pode trazer ganhos significativos em qualidade e percepção do serviço. No entanto, a chave para destravar esse potencial não está nos algoritmos, mas na qualidade e na inteligência com que tratamos os nossos dados. A verdadeira revolução do transporte público começará não com a primeira linha de código de um novo software, mas com a base de dados devidamente saneada e compreendida.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities

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