Engenheiro paulista, que morreu em junho, foi o precursor da moderna indústria brasileira de ônibus elétricos
Num país indiferente e até hostil à inovação tecnológica, é preciso sempre valorizar o trabalho dos brasileiros pouco conhecidos que deram enorme contribuição ao desenvolvimento da indústria nacional.

O engenheiro Antônio Vicente Albuquerque de Souza e Silva, que morreu no dia 5 de junho de 2025, aos 86 anos, em São Paulo, é um desses brasileiros.
Engenheiro elétrico formado no Instituto Tecnológico da Aeronáutica de São José dos Campos, com mestrado na Universidade do Estado de Nova York, Antônio Vicente é o pai do moderno ônibus elétrico nacional.
Em 1978, junto com outro pioneiro, Adriano Murgel Branco, então diretor de Trólebus da antiga Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), colocou em prática o Projeto Sistran.
A meta era renovar a antiga frota de trólebus da cidade de São Paulo, fabricar 1.280 novos veículos e ampliar a rede aérea em mais 280 km.
O desafio era manter a liderança continental do município em transporte sustentável, iniciada em 1949, não mais com veículos importados dos Estados Unidos e Reino Unido, e sim produzidos no país.
Por vários motivos, o Projeto Sistran teve sucesso apenas parcial. A CMTC foi extinta em 1995, mas o legado daquela iniciativa permanece até hoje.
A Grande São Paulo tem atualmente 297 trólebus em circulação, em 201 km de rede. Muito menos do que o previsto originalmente, ainda assim o suficiente para preservar a história de sustentabilidade do transporte público metropolitano.
O legado mais importante, porém, foi o laboratório de inovação em que se transformou o Projeto Sistran. O time liderado por Antônio Vicente produziu os primeiros ensaios de tecnologia brasileira de tração elétrica em transporte público.
A experiência mobilizou empresas que hoje fazem parte da história da indústria. Por exemplo, Scania (chassi), Bardela (motor elétrico), Ciferal/Marcopolo (carroceria), Tectronic e outras.
Com o fim da CMTC, Antônio Vicente e uma parte de sua equipe aceitaram um novo desafio, apresentado pela empreendedora Maria Beatriz Setti Braga: ajudar a criar a primeira empresa privada brasileira de ônibus elétricos.
Foi assim, em 1999, que Antônio Vicente escreveu os primeiros capítulos da Eletra, hoje, a maior empresa do setor no Brasil. Como participante dessa história desde os primeiros dias, pude testemunhar sua obsessão em produzir tecnologia nacional.
Ainda em 1999, ele construiu o primeiro ônibus elétrico híbrido do Brasil. Em outubro de 2001, o primeiro ônibus híbrido elétrico modelo Padron, de 12m60. Em dezembro de 2002, o primeiro trólebus da Eletra.
Já em 2002, a tecnologia forjada em São Bernardo do Campo começou a chamar atenção dos especialistas internacionais.
“Antonio Vicente Silva, da empresa Eletra no Brasil, deu uma contribuição importante para o desenvolvimento dos que provavelmente são os ônibus elétricos híbridos mais bem-sucedidos no mundo até agora” – escreveu o pesquisador C.M. Jefferson, da University of the West of England, no prefácio do livro “Hybrid Vehicle Propulsion” (WIT Press, Southampton, UK, 2002).
Em junho de 2003, em São Francisco (EUA), a Eletra tornou-se finalista na categoria World Technology Award for Energy da The World Technology Awards 2003, um evento reconhecido em todo o mundo e considerado o Oscar da tecnologia.
Em 2013, Antônio Vicente já não estava mais na Eletra, mas a equipe que ele formou seguiu seus passos, lançando o e-Bus, o primeiro ônibus totalmente elétrico fabricado no Brasil.
Em 2017, produziu o Dual Bus 13m20, um veículo capaz de rodar como híbrido, trólebus ou elétrico puro, a critério do operador.
E em 2024, apresentou o E-Trol, um trólebus com baterias e ampla autonomia sem contato com a rede aérea, produzido especialmente para operações em vias segregadas e BRT.
Esse pioneirismo produziu bons frutos. Hoje, o Brasil já tem uma cadeia produtiva completa de ônibus 100% elétricos e uma sólida base tecnológica para atender qualquer demanda, no país e no exterior.
Mais do que justo, é obrigatório honrar a memória dos visionários que, como Antônio Vicente Albuquerque de Souza e Silva, se lançaram, 50 anos atrás, na aventura de criar tecnologia nacional de transporte sustentável no Brasil.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade da autora, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities.
