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Inovação aberta no setor público com startups: entre promessas e aprendizados de uma década

Felipe Massami Maruyama
Felipe Massami Maruyama
Doutor e mestre em Ciências pela Escola Politécnica da USP, Felipe Maruyama tem concebido, implementado e gerido programas e políticas públicas de Tecnologia, Inovação e Empreendedorismo, nacionais e internacionais, nos últimos 15 anos. Atualmente tem liderado projetos de inovação aberta e de compras públicas de inovação no Instituto Jataí, além de ser Diretor do Instituto de Inovação. Paralelamente, atua como pesquisador do Think Tank da ABES e do Laboratório da Gestão da Inovação da Escola Política.

Por Felipe Massami Maruyama 

A adoção da inovação aberta como estratégia para enfrentar os desafios do setor público brasileiro se intensificou na última década. Impulsionada pela emergência de soluções tecnológicas — sobretudo digitais — e pela crescente incapacidade do Estado de responder sozinho a problemas cada vez mais complexos, a inovação aberta ganhou a agenda dos governos. Contudo, apesar do entusiasmo inicial, é hora de fazermos um balanço crítico e refletir sobre o que, de fato, avançou, onde falhamos e o que ainda precisa ser feito.

A literatura internacional já apontava, desde os anos 2010, os potenciais benefícios da inovação aberta no setor público, como maior transparência, inclusão de atores externos e ganhos de eficiência. E entendemos que inovação aplicada no contexto do setor público como um processo de inovação com base nos fluxos intencionais de conhecimento gerenciados por toda a fronteira organizacional, adotando uma perspectiva de coprodução de serviços públicos com a participação de atores para além da unidade que está com um problema, podendo ser atores intragovernamentais – de outros setores ou unidades –, intergovernamentais, sociedade civil e/ou setor privado.

No Brasil, essa lógica encontrou terreno fértil: a escassez de recursos, aliada à pressão por modernização dos serviços, levou diversas instituições públicas a buscar soluções externas, em especial, junto às startups. As startups são organizações que se encontram em uma condição temporária típica de algumas empresas iniciantes e que podem ser caracterizadas pelo caráter inovador, seja no modelo de negócio ou pautado em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. 

A proposta era simples e poderosa: aproveitar o dinamismo e a capacidade inovadora desses novos empreendimentos para resolver problemas públicos de forma mais ágil, eficiente e adaptada. Para isso, seria adotada experimentos e validações constantes com usuários, para conseguir encontrar as soluções mais adequadas aos desafios públicos apresentados.

Complementarmente, sob uma perspectiva institucional duas mudanças estruturais favoreceram esse movimento. De um lado, o crescimento e amadurecimento do próprio ecossistema de startups em diferentes partes do Brasil. De outro, o fortalecimento do arcabouço jurídico-institucional para inovação no setor público, com a consolidação de marcos como a Lei nº 13.243/2016 (Marco Legal da Inovação) tal qual a popularização de outros, como o Marco Legal das Startups (LC 182/2021), que ofereceram maior segurança jurídica para parcerias entre Estado e empreendedores.

Nesse contexto, surgiram dezenas de iniciativas de inovação aberta voltadas à conexão entre governo e startups — como Mobilab, PitchGov, IdeiaGov, PitchES, Eita! CatalisaGov, entre muitas outras. Algumas prosperaram, adaptaram-se, geraram impacto. Outras, no entanto, foram descontinuadas sem avaliações sistemáticas, deixando um rastro de expectativas frustradas e lições não sistematizadas.

O que nos leva à questão central: o que explica o sucesso, mas em especial, o fracasso desses programas? A resposta não é trivial. Falta ainda uma compreensão mais profunda das atribuições de sucesso e fracasso feitas por quem idealizou, liderou ou participou dessas iniciativas. Muitas vezes, a inovação aberta no setor público se restringe à fase de ideação, sem uma estratégia clara de validação, desenvolvimento, mas em especial, de contratação ou escalabilidade das soluções. Em outros casos, falta continuidade institucional, orçamento adequado ou alinhamento entre os atores envolvidos.

Focar apenas na atração de startups, sem cuidar da governança, da articulação com outros atores, do engajamento de servidores e da efetiva incorporação das soluções, sejam através das compras públicas ou de outros mecanismos como acordos de codesenvolvimento, é desperdiçar o potencial transformador dessa abordagem.

É preciso reconhecer que a inovação aberta não é, por si só, uma solução. É um meio e uma estratégia intencional que deve ir além da busca urgente por uma solução, de antemão, já conhecida. E como tal, requer desenho institucional, investimento, monitoramento e, sobretudo, estruturação de processos e competências no tema. Após uma década de experiências, acertos e erros, é urgente sistematizar esse aprendizado para evitar o risco de a “moda da inovação” esvaziar-se sem deixar legado.

Por tudo isso, a inovação aberta com startups no setor público brasileiro precisa sair do campo das promessas, e apresentar resultados concretos e o impacto que pode gerar (ou tem gerado). Para isso, proponho três encaminhamentos concretos:

  1. Sistematizar as experiências da última década, identificando fatores críticos de sucesso e fracasso a partir do olhar dos diferentes atores envolvidos, desde áreas de compras, jurídico, tecnologia, mas também as próprias startups;
  2. Garantir a efetiva aplicação do que já existe no nosso arcabouço institucional e jurídico para consolidação dos diferentes instrumentos e mecanismos já previstos, mas que não foram implementados ou aplicados;
  3. Padronizar o máximo que for possível (minutas, contratos, planos de trabalhos etc), visando mitigar a percepção de risco por parte dos gestores públicos tal qual uma incerteza predominante para os agentes externos, e nesse caso, para as startups.
  4. Investir em capacidade estatal para inovação, com formação continuada de servidores, posto que, ao final, será gerando um contrato que deverá ser gerido e monitorado;

Só assim poderemos transformar a inovação aberta de experimentos pontuais em uma estratégia consolidada que poderá ser adotada por diferentes intuições públicas para resolver problemas públicos cada vez mais complexos.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities 

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