Somente Veranópolis indicou possuir políticas específicas para eventos extremos em painel da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). A pasta prevê treinamentos com prefeitos da região e de todo o estado para auxiliar na elaboração de ações de médio e longo prazo
Um ano após o maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul, e poucos dias depois de novos episódios de chuva intensa, a maioria das cidades da Serra ainda não investe em planos de prevenção para os riscos relacionados às mudanças climáticas e desastres extremos. Das cinco cidades da região que enfrentaram os problemas mais graves, como alagamentos ou deslizamentos de terra, apenas Veranópolis afirma contar com políticas ambientais de mitigação e adaptação.
É o que aponta o painel Roadmap Climático, iniciativa da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). O projeto foi lançado em novembro do ano passado, quando a Sema começou a coletar informações junto às prefeituras. A plataforma reúne dados sobre como os municípios gaúchos têm desenvolvido políticas e planos para enfrentar os impactos das mudanças climáticas e eventos extremos, como os ocorridos em maio do ano passado.
— Depois da enchente de 2024, o tema veio à tona. Então, esse projeto tem como objetivo promover a execução e a implementação dos planos de adaptação nos municípios. Cada cidade tem um plano de saneamento, por exemplo, então terá também um plano de adaptação às mudanças climáticas — explica a secretária estadual de Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann.
Apesar do baixo índice de cidades com planos estruturados, ficou claro para a Sema que os municípios da Serra conseguiram aprimorar o tempo de ação diante dos eventos climáticos extremos. O grande desafio encontrado é capacitar os gestores das cidades para pensarem políticas de médio e longo prazo, que possam tornar as cidades resilientes.
— Ao observar os dados coletados no Roadmap, identificamos que não apenas na Serra, em todo o Estado os governantes têm dúvidas sobre esses projetos. O plano de risco e redução da vulnerabilidade, por exemplo, não é a mesma coisa que os planos de contingência que já estão em funcionamento. Ele é mais complexo e precisa de um estudo local profundo — pontua a secretária.
Conforme Marjorie, os planos de contingência são acionados quando os eventos climáticos ocorrem. No entanto, o Estado espera que os gestores municipais consigam planejar ações antecipadamente. Outra situação apontada por ela, é que as ações indicadas pelos municípios são, em muitos casos, pontuais e não estão dentro do orçamento.
— É urgente a emergência climática que estamos passando no Estado. Para isso precisamos de adaptação, que nos levará à resiliência. A partir disso, podemos começar a pensar em ajustes nos procedimentos para sofrermos menos com esses efeitos climáticos extremos. Mas tudo isso está dentro de um contexto de um plano maior — indica.
O que o painel analisa
Entre os conjuntos de informações coletadas, que envolvem educação ambiental e inventário de gases de efeito estufa, estão as análises de risco. Nesse quesito, a Sema fez quatro questionamentos aos municípios:
A cidade possui análises de riscos climáticos?
- A cidade possui dados ou estudos sobre as projeções de mudanças climáticas para o território?
- Foram implementadas ações específicas de adaptação para lidar com os risco climáticos identificados?
- A cidade possui política ou plano específico para lidar com os riscos e vulnerabilidades climáticas?
Nesse segmento, entre Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Gramado, Santa Tereza, Farroupilha e Veranópolis, apenas a última indicou ter programas definidos para situações de risco.
Todas as cidades citadas decretaram situação de emergência em maio do ano passado devido aos impactos da chuva intensa e dos alagamentos. Santa Tereza ainda se recuperava da enchente de setembro de 2023, quando foi atingida novamente. Bento Gonçalves e Veranópolis protagonizaram os maiores deslizamentos da região na Serra das Antas e precisaram lidar com interrupção total da BR-470.
Veranópolis é apontada por painel como a cidade mais preparada
Com 270 deslizamentos de terra registrados em maio do ano passado e com a principal rodovia que a conecta com a região fechada por meses, Veranópolis figura entre as cidades da Serra mais impactadas pelos efeitos climáticos extremos.
No painel da Sema, a cidade aparece como a mais estruturada na região para lidar com as crises relacionadas ao assunto. O município indicou ter análise de riscos climáticos, ter adotado ações específicas de adaptação, além de possuir um plano definido para situações de risco ou vulnerabilidade.
No primeiro semestre deste ano, a administração estruturou um plano de contingência integrado entre os moradores do interior, secretarias municipais e equipes de resgate, como o Corpo de Bombeiro e a Defesa Civil, bem como equipes de segurança, como a Brigada Militar. A prefeitura também reestruturou a Defesa Civil e tem promovido treinamentos com membros da Cruz Vermelha para representantes da comunidade e grupos de resgate.
— Reunimos esses grupos com os jipeiros, representantes das comunidades, para que todos soubessem como agir em momentos extremos. Temos um grupo no WhatsApp com os moradores de áreas de risco em que lançamos alertas e orientações. Ainda, três pluviômetros foram instalados na cidade pelo entro Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadem) para monitorar a quantidade de chuva — explica o Coordenador da Defesa Civil, Genoir Frizon.
Farroupilha em divergência com governo estadual
Apesar de Farroupilha indicar no Roadmap Climático que conta com um plano específico para lidar com riscos e vulnerabilidades climáticas, a prefeitura informou ter apenas um plano de contingência. Para a Sema, no entanto, esse tipo de documento é distinto de um plano de adaptação climática.
Caxias e Bento: ações pontuais, sem plano estruturado
Conforme o painel, Bento Gonçalves respondeu positivamente apenas para duas estratégias: possui análise de riscos e implementou ações específicas para lidar com os riscos climáticos. À reportagem, a prefeitura informou que possui plano geológico, radares, pluviômetros e está organizando a instalação de sensores.
Já Caxias do Sul indicou que, das quatro estratégias, apenas uma foi adotada pela administração da cidade, a implementação de ações específicas. Segundo a prefeitura, a cidade tem um plano de contingência e está participando do projeto C40, promovido pelo Ministério do Meio Ambiente, em que é feita a análise de riscos climáticos.
Santa Tereza e Gramado são as menos preparadas, segundo mapeamento do Estado
Gramado e Santa Tereza indicaram resposta negativa para os quatro questionamentos da Sema sobre análise de risco. Ou seja, as cidades afirmaram que não possuem planos e também não adotaram ações específicas para lidar com os riscos.
Procurada pela reportagem, a Defesa Civil de Gramado afirmou que tem um plano de contingência e que está instalando novas estações meteorológicas para mapear chuvas e ventos. Ainda, o órgão está mapeando moradores em áreas de risco.
Em nota, a prefeitura de Santa Tereza informou que tem atualizado o plano de contingência a cada episódio de cheia e que considera “que apesar de tamanhos prejuízos, fomos exitosos por não perder nenhuma vida”. Ainda, a administração indicou que para realizar estudos mais amplos, são necessários profissionais que não estão disponíveis nas estruturas enxutas de cidades menores.
Formação para prefeitos prevista para este ano
Segundo a secretária Marjorie Kauffmann, as ações já implementadas são parte essencial da estratégia para preparar as cidades para eventos extremos futuros. Contudo, ela estima que esse conjunto de medidas represente cerca de 30% de um plano robusto.
Para auxiliar as prefeituras nessa reestruturação, a Sema irá promover a formação de gestores através do projeto AdaptaCidades. Lançado em dezembro do ano passado, o programa é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente. A ação irá permitir que cerca de 200 cidades gaúchas recebam consultoria para elaborar planos de adaptação climática para atender a realidade local.
— Esse plano se propõe a organizar ações antes da calamidade atingir o local. Onde eu consigo remover população? Qual região da cidade tem maior risco de inundação? Se chover tantos milímetros ou se tiver uma de calor, como a cidade vai se projetar para sofrer menos? Essas são algumas das questões que o plano de ação climática precisa responder — explica a secretária.
Os treinamentos serão realizados em parceria com as associações de municípios. Na Serra a Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne) será a beneficiada. As ações estão previstas para começar no segundo semestre desse ano, ainda sem data confirmada.
— Neste momento a movimentação começa pelo estado, mas a mitigação climática é uma pauta que precisa ser permanente nos municípios. O plano de adaptação, o plano de contingência, os planos diretores e, principalmente, o pensar sobre as estruturas urbanas, rede de drenagem, altura das pontes e posicionamento da população, são algumas das ações que precisam ser revistas continuamente — argumenta Marjorie.
Fonte: GZH – Pioneiro
